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Depressão bipolar é mais grave que unipolar e piora com antidepressivos

Condição pode demorar até dez anos para ser diagnosticada e afeta 6 milhões de brasileiros

15 jun 2018 - 08h40
(atualizado às 09h01)
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Alterações de humor são normais, mas é preciso ficar atento quando elas ocorrem de forma constante, intensa e sem explicação aparente. Se, somado a isso, os períodos de depressão forem mais duradouros do que os de euforia, pode-se estar diante de um quadro de depressão bipolar.

Considerada a doença mental que mais causa morte por suicídio, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), a depressão bipolar é diferente da depressão que comumente ouvimos falar - chamada de unipolar - e refere-se à fase depressiva do transtorno bipolar.

Nessa condição crônica, a principal característica é a alternância constante de ciclos. Mesmo que a pessoa tenha fases de extrema agitação, a tristeza profunda é mais prevalente. Outros sintomas são apatia, insônia, perda de peso, baixa autoestima, pensamentos recorrentes de morte ou suicidas.

"A doença bipolar se expressa ao longo de um contínuo, que vai de formas muito leves até aquelas graves que, muitas vezes, termina em internação psiquiátrica", explica José Alberto Del Porto, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ele afirma que os sintomas têm consequências graves e prejudicam a vida cotidiana, seja em casa, no trabalho, nos estudos e na vida social.

Uma pesquisa sobre os sintomas no transtorno bipolar, feita por quase 13 anos, mostrou que os pacientes passavam 47,3% desse tempo com sintomas. As fases depressivas (31,9%) predominaram sobre as de euforia (8,9%) e os períodos mistos (5,9%).

Mania. Os episódios eufóricos, que duram menos tempo, são chamados de mania. Ela pode se manifestar tanto de modo alegre e positivamente exaltado como de forma irritada e "briguenta". "Essa alteração do humor é acompanhada de um aumento anormal da atividade, a pessoa fica hiperativa", acrescenta Del Porto.

O especialista dá exemplo de uma pessoa que passa as noites trocando os móveis de lugar e, por gostar de cozinhar, enche o freezer de comida. "Essa hiperatividade pode ser dirigida a um objetivo ou não, indo de uma ação para outra [sem objetivo]", explica.

Nessa fase, a pessoa ainda pode apresentar autoestima inflada, redução da necessidade de sono, ficar mais falante ou ter fuga de ideias (quando os pensamentos se emendam e a pessoa fala de diversos assuntos com nexos circunstanciais) e distração. A agitação motora também é muito característica.

Depressão. Já os episódios depressivos tem características similares à depressão unipolar, mas alguns sintomas são mais comuns na bipolaridade: sonolência excessiva, ganho de peso, delírios, idade de início precoce e instabilidade de humor acentuada.

Segundo a ABP, a depressão bipolar é mais comum do que se imagina. Dados de estudos e livros sobre o transtorno apontam uma incidência de cerca de 5% na população mundial. No Brasil, a estimativa da associação é de 2,2%, com números que variam de 4 milhões a 6 milhões de pessoas com a doença.

Maior taxa de suicídio. Entre as doenças mentais, a depressão bipolar é a que mais causa morte por suicídio. Um estudo publicado no periódico Bipolar Disorders, feito ao longo de 18 meses, apontou que 19,9% dos bipolares tentaram suicídio enquanto a taxa foi de 9,5% entre os que tinham depressão maior (muito grave).

A incidência também foi maior do que entre as pessoas com depressão unipolar. Além disso, os pacientes com transtorno bipolar passavam mais tempo em episódios de depressão maior e depressão subliminar, com sintomas leves e moderados.

Outro estudo sobre transtornos do humor mostrou que o risco de pacientes bipolares cometerem suicídio é de 5% a 6% e possivelmente maior do que aqueles com depressão unipolar. Análises posteriores indicaram que os atos suicidas ocorreram durante os episódios de depressão. "O sofrimento pessoal tem de ser mais levado em consideração no ônus da doença", alerta Del Porto.

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Desafio do diagnóstico. A depressão bipolar pode ter início entre 21 e 25 anos de idade, mas os sintomas surgem até os 15. Por isso, o especialista afirma que o diagnóstico precoce é fundamental para evitar a progressão da doença.

A identificação se dá por exclusão, ou seja, é preciso pensar em outras causas médicas antes de assumir que se trata de transtorno bipolar. "O diagnóstico é eminentemente clínico. Os exames subsidiários, como de imagem, são para excluir causas que podem ter similaridades com a bipolaridade", explica Del Porto. O método é parecido com o usado em casos de esquizofrenia.

Por ser complexa, algumas pessoas levam até dez anos e passam por mais de três médicos até obter o diagnóstico correto de bipolaridade. Em uma pesquisa feita com 600 pacientes bipolares, 69% deles tiveram diagnóstico inicial errado. Desses, 60% foram identificados com depressão unipolar. A taxa de conversão de diagnóstico, de unipolar para bipolar, é de 15% a 30%, dependendo do período observado.

Sem antidepressivos. Ainda que seja um tipo de depressão, a que ocorre no transtorno bipolar não deve ser tratada com antidepressivos. "É arriscado porque pode induzir a episódios de ciclos rápidos e mistos, que são acentuados ao risco de suicídio", diz Del Porto.

Em alguns casos, os antidepressivos podem ser úteis se combinados com um antipsicótico atípico, por exemplo. Segundo o especialista, tratamentos habituais levam à diminuição dos sintomas e o objetivo é a recuperação completa, tanto sintomática quanto funcional.

Nesta semana, foi lançada no Brasil uma nova substância indicada para episódios depressivos associados ao transtorno bipolar, a lurasidona. O medicamento também pode ser usado para tratar pessoas com esquizofrenia. Trata-se de um antipsicótico atípico que, segundo estudos, é mais eficaz e tem menos efeitos colaterais do que os remédios usados até então.

Como ajudar. Quem tem depressão bipolar não percebe as alterações que sofre, por isso é importante o apoio de quem está em volta. Segundo o especialista, as depressões são erroneamente associadas à preguiça, falta de caráter e má vontade. "Esse é o grande estigma a ser combatido", afirma. "Essa mudança de enfoque pode ajudar o paciente. A primeira coisa é se despir de um olhar moralizante e mudar para um olhar mais aberto para a possibilidade de se tratar de uma doença e estimular o tratamento", orienta.

Estadão
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