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Análise: Como seria um mundo sem vacinas

Várias campanhas de desinformação estão em andamento sobre a vacina contra a covid-19; mas não há espaço para pensar a realidade atual sem o desenvolvimento de um imunizante que combata a doença

24 out 2020 - 15h10
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Uma vacina eficaz protege o homem contra doenças infecciosas específicas e suas eventuais complicações. Seu benefício costuma ser avaliado pela sua eficácia em reduzir a frequência de novas infecções e, consequentemente, evitar danos aos órgãos vitais que possam ser fatais. Como exemplo, a vacina contra coqueluche traz proteção a mais de 80 por cento dos vacinados. Já imunizantes contra sarampo conferem quase cem por cento de cobertura aos vacinados. O pequeno número de pessoas que não conseguem proteção efetiva parece decorrer de fatores genéticos específicos daquele indivíduo, nem sempre bem caracterizados, ou de condições médicas associadas que interferem na qualidade da resposta do sistema de defesa do organismo, com produção de anticorpos protetores. Como exemplo, podemos citar varíola, sarampo, meningite e pneumonia.

Os benefícios das vacinas não devem ser avaliados quando há vírus presentes no organismo de forma latente. Uma vacina não seria eficaz em um paciente já infectado, como, por exemplo, o vírus da hepatite B ou do papiloma vírus (HPV). Esses microrganismos permanecem latentes, muitas vezes sem o próprio indivíduo saber da infecção. Outro ponto é que a vacinação deve ser capaz de conferir o que ouvimos muito falar nesse período de pandemia, que é promover imunidade de rebanho, em que a proteção indireta pode ocorrer pela redução do número de indivíduos que poderiam entrar em contato com portadores de infecção ativa. A elevada eficácia de imunizantes contra o sarampo pode ser observada na vida real quando se observou uma ruptura nessa vacinação, o que levou ao ressurgimento da doença em alguns países, como no Brasil.

O que aconteceu com o sarampo é um exemplo claro de como será um mundo sem vacinas, movimento que é alimentado por desinformações sobre o real benefício dessa forma de prevenção. Notícias que exaltam os pouquíssimos efeitos colaterais eventuais que podem surgir, algo que é infinitamente menor do que os vastos benefícios adquiridos pela vacinação, estão mais para fake news e manipulação em prol de interesses escusos do que o bem maior para a saúde dos cidadãos.

Um dos grandes benefícios da vacina é a erradicação da doença para o qual tenhamos como meta proteção duradoura. Em saúde pública, esses objetivos foram alcançados com a varíola e poliomielite. Imaginemos um mundo sem vacina para o sarampo. Se houver queda na proteção ao sarampo na população podemos esperar ressurgimento em níveis epidêmicos em pacientes com quadros febris, erupções cutâneas, hospitalizações e risco de óbito. O mesmo vale para a pólio onde não temos mais pacientes com paralisia.

É o que se observa hoje com a ainda não existente vacina contra coronavírus, que embora não esteja ainda disponível, já tem várias campanhas de desinformação em andamento, com diversas alegações de riscos ainda desconhecidos, e que serão avaliados nos processos de registro e avaliação de tecnologias em saúde pelos órgãos regulatórios nacionais e internacionais com base, apenas, nas boas práticas de saúde.

Já não é a primeira vez que se aventa a relação do aparecimento de um transtorno neurológico à vacinação numa possível relação causal, a exemplo do ocorrido com uma das vacinas em avaliação. Como especialista em doenças autoimunes, embora haja a possibilidade de qualquer relação, posso afirmar que seu risco é insignificante do ponto de vista estatístico diante dos benefícios que uma vacina contra o coronavírus aprovada pelas agências regulatórias e com dados publicados de segurança e eficácia pode trazer para o mundo. Poucos casos esporádicos e raros, que acontecem em qualquer estudo clínico e fazem parte do processo de qualquer tratamento, não podem ser extrapolados para fomentar interesses próprios. Não temos espaço para pensar em um mundo sem vacinas, o que apenas levaria a um agravamento da calamidade sanitária e social que hoje acomete o Brasil e o mundo.

*Morton Scheinberg, especialista em Doenças Autoimunes, PhD em Imunologia pela Boston University, Livre Docente em Imunologia na USP, membro do Master American College of Rheumatology.

Estadão
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