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Síndrome da Cabana: o que é, sintomas e como driblar a ansiedade diante do medo da covid-19

Isolamento social em decorrência do novo coronavírus pode causar fobia em alguns indivíduos; entenda

3 dez 2020 - 12h11
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Desde março de 2020, muita gente cumpriu um isolamento social rigoroso em decorrência do novo coronavírus. Foi o caso da jornalista Juliana Mezzaroba, de 34 anos, que, até agora, só saiu para fazer coisas pontuais, como emergência dentária ou sair para levar o pet ao veterinário.

Para comprar alimentos, ela faz tudo pela internet, com todo o cuidado com higienização dos produtos contra a covid-19: "O mercado do mês eu compro online e pago um entregador para retirar com o carro dele. Coisas menores peço para o local entregar, peço tudo online ou por telefone".

Depois de tanto tempo dentro de casa, trabalhando em home office, Juliana tem receio de sair de casa. "Me sinto estranha, sempre alerta pra não ficar muito próximo das pessoas, não encostar em nada e, se encosto ou pego algo nas mãos, passo álcool em gel logo em seguida. Nas últimas vezes que saí, me senti bastante insegura e exposta, pois vejo que muitas pessoas não estão se cuidando", afirma.

A jornalista está impressionada com a quantidade de gente que está levando uma "vida normal" fora de casa, sem muitos cuidados contra o coronavírus. "Gente que corre pra pegar o mesmo elevador que você ao invés de esperar o próximo, pessoas que estão andando na rua sem máscara e ficam tossindo sem colocar a mão no rosto", relata.

O receio de sair de casa depois de tantos meses em isolamento social está sendo chamado popularmente como 'Síndrome da Cabana', ou seja, a pessoa tem medo de sair de casa ou de fazer contato com outros indivíduos. Na literatura psíquica, os sinais e sintomas são muito parecidos com fobia social.

"É comum as pessoas terem certo receio de sair de casa dado que estamos vivendo uma situação em que uma das maiores recomendações é ficar em casa. Mas é preciso que se saiba que, ainda que os casos estejam aumentando, não estamos em um estado de recomendação de lockdown. A orientação precisa é distanciamento social. Então, o medo, que é uma sensação subjetiva, não pode se sobrepor aos fatos, que se baseiam na orientação objetiva. Quando o subjetivo supera o objetivo e a pessoa passa a ter um prejuízo nas suas atividades de vida diária, então é hora de procurar ajuda", ressalta o psiquiatra Rodrigo de Almeida Ramos.

Viver em sociedade nunca foi fácil, mesmo antes da pandemia. Estar nas ruas, fazer o caminho de casa para o trabalho ou para a escola, por exemplo, envolve uma série de situações que faz com que nossa mente esteja em situação de alerta constante, mas de forma quase automática.

Imaginar que sofrerá um acidente ou será assaltado faz parte do pensamento de grande parte das pessoas que vivem nas grandes cidades. Porém, Juliana fez uma análise desse 'estado de vigilância habitual' nas poucas vezes que saiu de casa durante a quarentena. "O que mais me chamou a atenção é o quanto eu tinha esquecido como é lidar com assédio dos homens nas ruas. Ser obrigada a receber olhares e falas indecentes ou mesmo ser abordada de forma agressiva. Tinha esquecido de como é ter que estar 100% do tempo alerta, ter medo de andar sozinha ou por determinada rua ou em um certo horário. Homens, assim como nós mulheres, têm medo de assalto e de se contaminar pela covid, mas ser do sexo feminino ainda é ter de passar por inconveniência diariamente. É como se na rua, que deveria ser um lugar de exemplo de liberdade, é onde me sinto de certa forma aprisionada", reflete.

Sobre a Síndrome da Cabana, sinais, sintomas e como podemos fazer para driblar o medo de contato social, a reportagem do Estadão entrevistou o psiquiatra Rodrigo de Almeida Ramos, diretor do NUPEM e doutorando em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

O que é a Síndrome da Cabana?

A Síndrome da Cabana é um fenômeno psicológico de natureza fóbico-ansiosa e que está relacionada a um medo excessivo e desproporcional de sair de um ambiente onde se estivera longamente confinado. A origem desse medo está no fato de que as regiões cerebrais responsáveis pelo nosso mecanismo de adaptação à nova realidade passam a considerar a "cabana" ou o local de isolamento como um porto de segurança, onde a vida está protegida e os riscos que poderia correr fora dos limites da cabana ficam sob controle. Não considerada propriamente uma doença pelas convenções médicas internacionais como a OMS, a síndrome da cabana é mais um fenômeno observado e que tem a mesma origem fisiopatológica das doenças fóbico-ansiosas. Muito tem se falado nela atualmente porque por advento da epidemia de covid 19, quando as pessoas tiveram que passar por longos períodos de isolamento social. Em consequência, muitas delas agora temem demais sair de casa, porque consideram o ambiente externo hostil, contaminado pela SARS-Cov2 e, portanto, uma ameaça à sua saúde e à sua vida.

Os sintomas da Síndrome da Cabana são parecidos com fobia social?

Em termos. A fobia social, atualmente conhecida como Transtorno Fóbico Social é, como a síndrome da cabana, um transtorno fóbico ansioso, isto é, um problema oriundo da ansiedade e que leva a pessoa a uma preocupação excessiva, expectativa apreensiva, desespero com descarga de adrenalina e sintomas como taquicardia, falta de ar, palidez cutanea e sudorese. A diferença é que o Transtorno de Ansiedade Social é desencadeado pelo medo da exposição social e, em última análise, receio de ser mal avaliado pelos outros. A síndrome da cabana é a ocorrência desses sintomas diante da saída de locais onde antes se estivera longamente confinados.

Quais são as opções de tratamento para as pessoas que apresentam esses sintomas?

O tratamento seguirá a linha dos transtornos fóbicos ansiosos. Do ponto de vista psicológico, a pessoa poderá seguir a linha cognitivo comportamental em que serão verificados a origem do comportamento problemático e propostas para superá-lo ou ainda as linha analíticas, em que se observará se esse evento compactua com acontecimentos anteriores da vida do indivíduo e que colaboraram para o desenvolvimento da personalidade mais vulnerável. Do ponto de vista psiquiátrico, serão usados medicações bem estabelecidas para quadros ansiosos de tal forma que a química cerebral, que ficou alterada com o estresse da pandemia e deu origem ao fenômeno da cabana, sejam corrigidos.

Quais são as dicas para quem não quer sair de casa ou tem medo de se contaminar?

A primeira coisa a se saber é que os transtornos fóbicos como a síndrome da cabana têm sua origem em uma crença falsa de impotência e desproteção. Portanto, o medo é irreal, é algo que não faz sentido no mundo objetivo. A segunda é o conhecimento de que o uso correto de máscaras e álcool gel, além de não frequentar aglomerações em ambientes fechados, promove uma proteção eficaz quanto à contaminação pelo coronavirus. A terceira é meditar e treinar técnicas de respiração capazes de ativar o que chamamos de sistema nervoso parassimpático, isto é, a área do sistema nervoso responsável por ativar as substâncias que vão promover calma ao organismo. Procurar organizar o sono e no período matutino, se possível, ainda que confinado, passar longos períodos ao ar puro, o que tenderia a fazer com que o indivíduo se acostumasse com o ambiente externo e se sinta mais leve. Por fim, procurar uma psicoterapia ou um psiquiatra. Os transtornos fóbicos ansiosos podem ser curados e as pessoas podem ter muita qualidade de vida.

Estadão
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