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Comunicação não violenta é ferramenta para evitar brigas na quarentena

Especialista dá dicas de como utilizar essa técnica, que trabalha com a empatia e evita responsabilizar o outro

3 abr 2020 - 15h11
(atualizado às 15h29)
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A rotina de quarentena, passando o dia todo em casa junto com familiares, tem sido um desafio para as pessoas, por uma série de fatores. Esse cenário novo, em meio a uma crise global de saúde, pode incentivar um maior nervosismo, ou ansiedade, que refletem no convívio diário, intensificado com o isolamento. Assim, cria-se um cenário fértil para discussões ou brigas, de variadas intensidades, dentro de casa.

Como evitar isso? Em muitos casos, o segredo está na forma de se comunicar com o outro. A psicóloga Cinthia Cruz, especialista em inteligência emocional, explica que muitas vezes as pessoas têm uma forma de falar e interagir que é agressiva, o que facilita a ocorrência de discussões.

"As pessoas podem pensar 'eu não sou violento, não grito, não bato', pensamos muito na violência explícita, mas a comunicação violenta é a cheia de julgamento, não responsabilização e comparação", explica Cinthia. Ao entrarmos em uma conversa já na defensiva, ou descontando irritações, prevendo uma briga ou já julgando o outro como errado ou irritante, a chance de uma discussão ocorrer é muito maior.

Foi pensando nisso que o psicólogo Marshall Rosenberg criou a distinção entre uma comunicação violenta e uma comunicação não violenta, estruturando o passo a passo dessa forma de dialogar.

Marshall criou duas metáforas ligadas ao mundo animal para explicar essas comunicações: A comunicação violenta é a chacal, um animal reativo, que só olha o seu entorno e ataca a qualquer sinal de movimento, já a comunicação não violenta é a girafa, animal que enxerga o todo, e que possui, até anatomicamente, um grande coração, ou seja, é a comunicação que vem do coração, baseada em uma noção do todo.

Cinthia destaca que uma das bases da comunicação não violenta é o esforço para evitar cair em pré-concepções e jogar a responsabilidade dos problemas no outro: "é importante evitar culpabilizações. Nós colocamos rótulos o tempo inteiro. Mas esquecemos que os estados emocionais das pessoas estão ligados com as próprias histórias, e as necessidades que elas têm".

Assim, ela explica que o primeiro passo para evitar conflitos é comunicar o que você está sentindo, sem fazer análises sobre o outro. "Você não fala 'você me magoou', você fala 'isso soou como algo que me magoa', e explica porque a fala da pessoa te fez sentir isso", explica a psicóloga.

É importante também entender como experiências passadas podem influenciar nesse processo: se você cresceu em uma família em que as pessoas falavam muito alto normalmente, você vai falar alto normalmente. Mas para uma pessoa que cresceu em um ambiente em que falar alto significava levar uma bronca ou até algo pior, ouvir alguém falando alto já gera um comportamento mais defensivo e até medo.

Esse elemento, de autenticidade, é resumido em falar o que está sendo sentido. O segundo elemento da comunicação é sintetizado na palavra empatia. "Deve-se buscar entender o que o outro fala, mesmo que seja uma comunicação atrapalhada. Atrás de todo comportamento violento existe uma necessidade não atendida, é isso que deve olhar, isso que deve descobrir".

"Trazendo para o dia a dia em casa, imagine que uma mãe, que nessa situação concentra as atividades domésticas, entra na cozinha e vê a louça suja. Ela então reclama que as pessoas da casa são porcas e preguiçosas. Você pode ser agressivo de volta e começar um bate boca, ou pode respirar e pensar 'o que está rolando por trás disso? Qual a necessidade dela que não está sendo atendida?'. Ela não consegue falar 'eu preciso de ajuda, não dou conta de tudo isso'. Não somos ensinados a falar sobre nossas necessidades", explica Cinthia.

A comunicação não agressiva, portanto, é uma investigação de necessidades, que permite então chegar a um acordo com a pessoa. Nesse caso, um familiar poderia conversar com a mãe e fazer um combinado: ajudar nas atividades domésticas e, em troca, a mãe tentar não gritar tanto pois é algo que não faz bem para ele. Acima de tudo, é importante criar uma abertura com as pessoas, dar espaço para ter o diálogo e entender, também, o tempo da pessoa para que a conversa ocorra.

Cinthia comenta que o cenário de quarentena é propício para que essas discussões do dia a dia aumentem: "Tem várias necessidades. Tem gente que trabalha, tem gente que concilia trabalho com cuidar dos filhos, pessoas que precisam ser mais organizadas. Cada um tem necessidades diferentes, que devem ser conciliadas para ter um bom convívio".

Uma dica que ela dá é que as pessoas que moram juntas se reúnam e enumerem as necessidades que elas têm, buscando atender às necessidades de todos. Isso vai de arranjar um lugar silencioso para fazer o home office a ajudar com atividades de casa ou no cuidado dos filhos.

Ainda sobre os filhos, a psicóloga comenta que a técnica também deve ser empregada com eles: "As crianças também têm diversas necessidades, e também estão presas dentro de casa. É importante pensar em quais necessidades não estão sendo atendidas, e entender que isso pode gerar choros, chiliques ou tentativas de chamar atenção, ainda mais agora com um contato maior com os pais e uma rotina perdida em que ela fazia diversas coisas".

Como qualquer outra técnica, a comunicação não violenta trabalha também com tentativa e erro. Cinthia explica que quanto mais ela for exercitada, maior a taxa de sucesso com o tempo, mas de primeira é natural que nem tudo dê certo.

Em resumo, é importante reconhecer o que te magoou em uma fala ou comportamento, entender porque o outro poderia ter esse comportamento e, por fim, buscar um acordo, um contrato, que elimine os problemas e atenda às necessidades de ambos os lados, tudo isso sem culpar o outro ou fazer acusações.

Cinthia ressalta que apesar de todos os problemas que a quarentena pode trazer, e do cenário ruim no qual ela está inserida, o convívio constante que ela gerou uma oportunidade: "é hora de ver necessidades e melhorar nossa percepção sobre quem vive com a gente".

* Estagiário sob supervisão de Charlise Morais

Estadão
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