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Vitória de Perez foi um festival de ironias para a F1

GP do Sakhir foi uma corrida de muitas ironias, decepções e uma só alegria: a vitória de Perez. No pódio, o constrangimento de Stroll

9 dez 2020 - 10h34
(atualizado às 10h34)
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Sergio Perez em 1º, Lance Stroll em 3º: não era isso que o chefe da equipe queria.
Sergio Perez em 1º, Lance Stroll em 3º: não era isso que o chefe da equipe queria.
Foto: Divulgação

Esse Grande Prêmio do Sakhir foi uma das melhores corridas deste ano, se é que não foi a melhor. Disputadíssimo, recheado de reviravoltas e com um resultado que fez justiça a Sergio Perez, um piloto que, paradoxalmente, ao mesmo tempo que atinge seu ponto mais alto, enfrenta desilusões em série.

Lá de cima do pódio, ele provavelmente pensou em tudo que tem acontecido. Nas 189 corridas que fez antes de alcançar sua primeira vitória na Fórmula 1. Nas duas corridas que teve de se ausentar por causa da contaminação do Covid-19. E deve ter lembrado que, no próximo fim de semana, vai fazer sua última corrida pela Racing Point, a equipe que ajudou a salvar da falência.

Com certeza isso também foi lembrado pelo bilionário Lawrence Stroll, que se tornou o dono da Racing Point graças ao processo que Perez abriu contra Vijay Mallya, proprietário da equipe que teimava em ignorar a falência iminente quando ela ainda se chamava Force India.

Stroll estava no meio do pessoal que aplaudia Perez embaixo do pódio. Constrangido, ele mal sorria. Sabia que naquele momento o mundo todo questionava sua decisão de manter o filho Lance em detrimento de Perez, demitido para abrir vaga para a chegada de Sebastian Vettel à equipe no ano que vem.

O pior é que Perez tinha vencido depois de fechar a primeira volta em último. Ele havia sobrevivido a um ataque errado de Charles Leclerc que tinha também eliminado Max Verstappen de uma corrida em que o piloto da Red Bull tinha possibilidade até de vitória.

Esteban Ocon, 2º colocado com a Renault: mais uma ironia no pódio.
Esteban Ocon, 2º colocado com a Renault: mais uma ironia no pódio.
Foto: Divulgação

Leclerc tinha batido na roda traseira direita de Perez, quebrado a suspensão e abandonado a corrida ali mesmo, na curva quatro. Mais tarde, foi punido com a perda de três posições no grid da próxima corrida e dois pontos na carteira. 

Pior para Verstappen, que saiu da pista na tentativa de evasão, bateu na barreira de pneus e também ficou por ali. Mais ainda para Leclerc, que na precipitação do momento justificava as queixas do companheiro Vettel sobre a ousadia de suas ultrapassagens. 

Ainda bem, para Leclerc, que os fatos da corrida ofuscaram sua falha. A mesma já cometida, e enfaticamente condenada, por Kevin Magnussen e Romain Grosjean, os pilotos da equipe Haas. Essas escorregadelas, normalmente, são vistas apenas em pilotos que se expõem a riscos incomuns na tentativa de compensar as limitações de suas “carroças", a pouco honrosa classificação em que, neste domingo, estariam incluídos os carros da Ferrari. 

Perez foi o único que se salvou. Parou para trocar pneus, voltou em último e acabou vencendo. Por isso, havia um sentimento geral de felicidade em um pódio onde não faltaram ironias e coincidências.

Ao lado dele estava o francês Esteban Ocon, que também havia sido demitido da equipe em 2018 para abrir vaga para Lance Stroll quando ela foi comprada pelo pai Lawrence. Lance, por sinal, também estava no pódio. Ele tinha sido o terceiro, ironicamente atrás de Ocon e Perez.

Era, de fato, um pódio cheio de mensagens nas entrelinhas, a exemplo da corrida que tinha acabado há pouco tempo. Do outro lado do paddock, o centro das atenções era outra equipe, a Mercedes. Que tem ligações muito próximas com a Racing Point, que corre com carros assumidamente copiados dos Mercedes de 2019.

Na Mercedes, porém, não havia alegria, só tristeza e embaraço. O que era para ser uma vitória consagradora para o recém-chegado George Russell havia se transformado em constrangimento.

A equipe que venceu sete campeonatos seguidos tinha jogado fora a vitória que colocaria Russell no mesmo patamar de Max Verstappen, que venceu sua primeira corrida na Red Bull depois de ser promovido da Toro Rosso, em 2016.

Russell tinha similaridades com essa situação. Ele também vinha de uma equipe fraca, a Williams. E fez tudo com perfeição. Foi o segundo no qualify, largou melhor que o companheiro Valtteri Bottas, consolidou a liderança com precisão na primeira curva e manteve os opositores a distância segura.

Só não conseguiu superar o erro da equipe, que chamou seus dois pilotos para uma troca de pneus desnecessária. Russell e Bottas tinham passado para os pneus duros nas voltas 45 e 49. O plano era ir até o fim da corrida com eles.

Não muito depois, na volta 59, o estreante Jack Aitken (que por coincidência substituía Russell na Williams) rodou e provocou a entrada do carro de segurança. Russell liderava seguido a certa distância por Bottas. O terceiro era Sainz, que estava com pneus médios de sete voltas, mas só ameaçaria os dois da Mercedes se alguma coisa desse errado.

Mesmo assim, a Mercedes chamou seus pilotos para trocar os pneus duros pelos médios. Não era necessário. Eles tinham pouco mais de 12 voltas e aguentariam as 26 que faltavam para a bandeirada. Ocon chegou a dar 46 voltas com os pneus duros. Para os carros da Mercedes seriam 38 no total.

Aí se deu o erro que acabou com a chance de Russell vencer sua primeira corrida com Bottas fazendo a dobradinha. Os dois pilotos foram chamados na mesma volta, uma operação que já tinha dado certo outras vezes, mas é sempre passível de erros.

Ao entrar nos boxes, Russell falou no rádio ao mesmo tempo que seu engenheiro passava as orientações sobre os pneus para os mecânicos, mas dois deles não escutaram. Exatamente os responsáveis pelos pneus dianteiros.

O resultado foi que os pneus de Bottas foram parar no carro de Russell e isso só foi notado na hora de trocar os pneus de Bottas. Um mecânico notou que aqueles eram os pneus de Russell e interrompeu a operação.

Mas era tarde demais. Russell já estava na pista com os pneus de Bottas. Por isso, o finlandês foi mandado de volta com os mesmos pneus que estava usando antes. Como se não bastasse, era necessário chamar Russell de volta para corrigir o erro.

Ferrari abandonada logo na primeira volta: vítima da afobação de Charles Leclerc.
Ferrari abandonada logo na primeira volta: vítima da afobação de Charles Leclerc.
Foto: Divulgação

Mesmo assim, nem tudo estava perdido. Se Bottas perdia uma posição atrás da outra porque seus pneus já estavam acabados, Russel voava na pista. Na volta 77, ele já estava a dois segundos e três décimos de Perez, que tinha herdado a liderança. A vitória parecia garantida. Mas ela nunca chegou.

Um detrito deixado pela asa da Williams quebrada na rodada de Aitken se alojou em um pneu de Russell, em mais uma ironia do destino. E o piloto que até pouco antes parecia ter a vitória nas mãos entrou nos boxes pela quarta vez na volta 78.

Nas 10 voltas restantes, Russell passou de décimo-quarto para nono, fez a melhor volta da corrida e foi eleito o piloto do dia na votação da internet. Mas tudo isso ainda era pouco para quem podia ter vencido a corrida e, de novo ironicamente, recebeu a bandeirada atrás de Bottas, a quem ele tinha superado duas vezes. 

Alheio a tudo isso, Perez cruzou em primeiro, seguido por Ocon, que fez uma só troca de pneus e conseguiu superar pela primeira vez no ano o companheiro Daniel Ricciardo, quinto colocado. 

Alex Albon chegou em sexto depois de largar em décimo-terceiro, mas isso não parece suficiente para salvá-lo da degola. Sua permanência na Red Bull depende da escolha entre ele e Perez, cujo cacife cresceu muito com essa vitória.

Daniil Kvyat foi o sétimo numa corrida que deve ter sido sua penúltima na Fórmula 1. A sua troca  pelo japonês Yuki Tsunoda é um das condições da Honda para permitir que a Red Bull produza seus motores a partir de 2022. 

Lawrence Stroll: manteve o filho na equipe e demitiu o piloto que venceria a corrida.
Lawrence Stroll: manteve o filho na equipe e demitiu o piloto que venceria a corrida.
Foto: Divulgação

Mas o resultado final não diminui o impacto dessa primeira corrida de Russell na Mercedes. Mesmo que o chefão Toto Wolff negue, é claro que Russell se consolidou como candidato a piloto titular da equipe o mais tardar em 2022.

A pergunta é no lugar de quem. Não é do estilo da Mercedes virar as costas a seus pilotos ou a qualquer funcionário. Por isso, não se acredita que o contrato de Bottas para 2021 seja rasgado. Menos ainda que se pense em trocar Lewis Hamilton por seja lá quem for.

Mas também não dá para fechar os olhos para a atuação madura, sem defeitos, de Russell. Ele já é um piloto pronto para ser titular em qualquer equipe, e a Mercedes sabe que precisa arranjar uma vaga para ele.

No próximo fim de semana, a Fórmula 1 fecha o ano com o Grande Prêmio de Abu Dhabi. Ainda não se sabe se Hamilton vai ser liberado para correr, mas por via das dúvidas Russell já disse que quer repetir a experiência. 

Seria ótimo para a Mercedes poder ver como Bottas e Russell vão atuar juntos em uma segunda oportunidade, dessa vez em uma pista mais convencional do que o circuito externo de Sakhir.

Pelo sim pelo não, Toto Wolff foi visto conversando com a cúpula da Williams na noite desse domingo, ainda no paddock de Sakhir. Ele sabe que precisa tomar logo uma decisão sobre o futuro de Russell. E também que, dessa vez, qualquer erro pode trazer consequências desastrosas.

Pietro Fittipaldi: cumpriu seu papel e chegou próximo do companheiro da Haas.
Pietro Fittipaldi: cumpriu seu papel e chegou próximo do companheiro da Haas.
Foto: Divulgação

Abu Dhabi vai marcar também a segunda corrida de Pietro Fittipaldi na Fórmula 1. É uma pista em que ele treinou no ano passado, mas nem por isso se deve esperar mais do que se viu neste domingo. O carro é muito abaixo dos demais, e o piloto, seja lá quem for, está sempre limitado pelo carro.

Ter chegado a cerca de quatro segundos de seu experiente companheiro na equipe Haas, o dinamarquês Kevin Magnussen, foi um ótimo resultado para o novo Fittipaldi. Mais do que isso é pedir pelo impossível.

Vai ser um fim de semana repleto de movimentações de bastidores. E prováveis novas ironias.

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