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Está sobrando mão de obra talentosa na Fórmula 1

A incerteza sobre o futuro de DeVries e Albon e a dificuldade de ascensão dos jovens mostram o problema da categoria

3 set 2021 - 21h15
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Albon e DeVries: exemplos de que talento não basta para estar na F1 atual.
Albon e DeVries: exemplos de que talento não basta para estar na F1 atual.
Foto: Offtrak_FR

O assunto é espinhoso e de conhecimento geral, mas, até agora, pouco parece ter sido feito para resolver. Agora temos o seguinte cenário: formalmente, existem três vagas disponíveis na F1 para a temporada 2022. Uma na Mercedes, uma Alfa Romeo e uma na Williams. Entretanto, conforme se analise, temos cinco, a saber:

1. A vaga da Mercedes é para o companheiro de Hamilton. Valtteri Bottas, que tem contrato até o final do ano, deverá ser substituído por George Russell, ao que tudo indica,

2. Com a aposentadoria de Kimi Raikkonen, Bottas, em princípio, ocuparia essa vaga. Antonio Giovinazzi, piloto da Ferrari, fica na berlinda. Para a sua vaga estão cotados Alexander Albon (piloto Red Bull), Nick De Vries (piloto Mercedes) e, por fora, corre Theo Pourchaire,

3. Na Williams, tudo indica que Russell vai embora. Jost Capito diz que a equipe não precisa de pilotos pagantes, mas elogia bastante Nicholas Latifi. Existem especulações sobre Albon e De Vries. Em tese, o holandês tem vantagem pelo acordo da equipe com a Mercedes para o fornecimento de motores e peças com desconto na fatura.

Os nomes envolvidos têm competência e isso não se discute. Então, por que é tão difícil para eles obterem uma vaga?

A F1 já foi mais democrática (ou menos restritiva, se assim preferir), mas a profissionalização e o aumento estratosférico de custos a tornaram proibitiva. O último time que começou efetivamente do zero foi a Haas, em 2015. De lá pra cá, tivemos o anúncio de vários projetos e na realidade, o que tivemos foi mudança de nomes e donos.

A entrada em cena do teto orçamentário de US$ 145 milhões deixou a esperança de que as coisas fossem mais “realistas”. Mas a renovação do Pacto de Concórdia (os acordos que regem os aspectos comerciais e políticos da F1) no ano passado deixou este cenário mais difícil. Em um movimento que não foi tão comentado assim, a F1 assumiu um formato de franquias, muito semelhante ao que temos nos esportes americanos, como NBA e NFL. E para que novas equipes venham a participar, teriam que pagar uma taxa de US$ 200 milhões para compensar os demais times pela perda de receita na divisão dos direitos e premiações.

Stefano Domenicali, o novo CEO, declarou que isso poderia ser analisado caso a caso. Mas este fato, juntando com a fala de Ross Brawn, que só pensa em novos times a partir de 2023 por conta da verificação da viabilidade das novas regras, decreta uma coisa: a curto prazo, não teremos nada além de dez times. Sendo que os atuais ganharam o direito de dar um aviso prévio de um ano para sair da categoria sem pagar multa.

O regulamento da categoria prevê um máximo de 24 times. Estas vagas fazem falta para acomodar os pilotos mais talentosos. Vejamos o caso da Red Bull: ela tem quatro vagas, mas não consegue arranjar uma para Albon. Perez teve o seu contrato renovado (embora isso não signifique muito para os taurinos) e o questionado Tsunoda tem o apoio da Honda, que deve seguir apoiando o grupo mesmo após a sua saída. Só resta a situação de busca uma vaga fora da sua órbita.

E ainda existe um aspecto mais cruel ainda: as academias de formação. Antes, tínhamos algumas situações (a França possui um sistema mais estruturado, que já foi falado aqui no Parabólica) e na década de 1990, as equipes começaram a fazer um sistema de localizar pilotos jovens e começar a “moldá-los” de acordo com a sua metodologia. A partir do final dos anos 2000, todas as equipes buscaram montar um programa para chamar de seu.

A Red Bull começou e, mesmo com a alcunha de “moedor de carne”, foi quem obteve os melhores resultados. Mas temos a Renault, que teve vários pilotos e não conseguiu aproveitar. Neste ano, a coisa chegou a uma situação mais complicada. Eis o quadro de pilotos das equipes e as categorias:

Lista de academias de pilotos, seus membros e atuais categorias.
Lista de academias de pilotos, seus membros e atuais categorias.
Foto: Sergio Milani

Podemos notar que temos pilotos jovens que mostraram seu talento e nem foram citados. No máximo até agora, o que se fala mais é na possibilidade de Guanyu Zhou, que pode ser campeão da F2 e já foi mais citado, nem aparece mais. Theo Pourchaire, o talentoso francês da academia da Sauber, é aventado de leve na Alfa Romeo. Oscar Piastri, o jovem australiano que também tem chances de campeonato na F2 e pode ganhar três campeonatos de base em sequência, nem aparece.

Aliás, o programa da Alpine é algo a ser estudado. Até um tempo atrás, a meta era ter pelo menos um piloto da sua academia em 2021. Mas trouxe primeiro Esteban Ocon e depois repatriou Fernando Alonso. Quando parecia que outra janela se abriria, mas os dois renovaram seus acordos. Até 2023, pelo menos, sem possibilidades aparentes.

Dessa forma, cada vez mais os pilotos jovens olham para outras paragens. Christian Lundgaard já mandou na Indy, caminho repetido por Callum Illot, que estreará no GP de Portland e que também é visto com carinho por Alexander Albon, que esteve em Indianápolis assuntando. O sucesso de Romain Grosjean voltou a abrir este campo para os pilotos vindos da Europa. 

A Fórmula-E também abre chance, embora algumas nuvens surjam. A categoria tem status de mundial e marcas fortes envolvidas. Sem contar que o comando pensa em estruturar um “acesso” usando os carros da Gen2 que serão desativados a partir do fim da próxima temporada.

E ainda temos um novo flanco se abrindo: com o novo regulamento e a enxurrada de novos entrantes de peso, o WEC aponta como possibilidade. Não à toa que se aventa que Giovinazzi poderia assumir um papel de desenvolvimento no projeto Le Mans da Ferrari. Ilott também vendo sendo cotado para este programa. A Alpine também deve apresentar um projeto neste campo e pode dar abertura para algum jovem nele mesmo ou até mesmo pegando o lugar de Alonso, caso este resolva mesmo deixar a F1.

Alguns dirão que a F1 promoveu uma grande renovação nos últimos anos, o que não deixa de ser verdade. Embora tenha que ter a imagem de Olimpo, de topo da carreira, não seria ruim considerar a entrada de novos times justamente para poder dar oportunidade a estes novos pilotos e oxigenar cada vez mais a categoria. O medo é que haja uma repetição das “arapucas” que surgiram especialmente em 2010 e que assim, possam se queimar carreiras e a reputação da categoria. Mas como manter o ânimo de jovens que tem chance de serem grandes e são preteridos por endinheirados ou medalhões? Ou aqueles que, talvez não sejam campeões, mas podem dar um bom espetáculo?

Ross Brawn declarou que o modelo da F1 dos anos 70 seria interessante. Ora, que então se deixe a possibilidade de quem tiver interesse vir e faça suas tentativas. A F1 hoje é mais competitiva do que no passado. Mas fazem falta aqueles pequenos times ingleses ou italianos, que serviam também para revelar e preparar jovens pilotos para voos maiores. No mínimo, serviam para dar espaço para folclóricos e garantir que os grandes não passassem vergonha. É preciso arranjar vagas urgentes na F1 e a sua devida movimentação de pilotos.

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