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Por que a Chevrolet está fugindo do Salão?

Apenas três dias depois que a Anfavea disse criar um grupo de estudos para o Salão do Automóvel 2021, a marca líder avisou que não vai

10 mar 2020 - 05h30
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Vamos sentir saudades dos carros da Chevrolet no Salão do Automóvel, se ele continuar existindo no Brasil.
Vamos sentir saudades dos carros da Chevrolet no Salão do Automóvel, se ele continuar existindo no Brasil.
Foto: Divulgação

Faz cinco anos que o Chevrolet Onix é líder de vendas no Brasil. Faz quatro anos que a Chevrolet é a marca de carros mais vendida no Brasil. E faz cinco anos que a GM disputa com a FCA o posto de montadora número 1 do Brasil. Desde que a FCA foi criada, ganhou três títulos (somando Fiat e Jeep), enquanto a GM (que aposta só na Chevrolet) ganhou dois. A atual campeã é a FCA. Talvez esses fatos expliquem um pouco a posição categórica da Chevrolet de não participar do Salão do Automóvel, sem ao menos saber onde será, quando será e qual formato terá. 

É estranho. Apenas dois dias depois que o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, anunciou que a associação dos fabricantes de veículos estava criando um grupo de estudos para um novo tipo de evento, a GM soltou uma nota pulando fora: “A marca aposta cada vez mais no marketing digital e em uma jornada do consumidor totalmente customizável, concentrando seus investimentos em formatos inovadores de comunicação. Com isso, a Chevrolet reitera sua decisão de não participar de eventos com formatos analógicos como o Salão do Automóvel de São Paulo e informa que a participação no mesmo evento em 2021 também está descartada”.

A Chevrolet tem todo o direito de ficar fora da feira. Felizmente vivemos numa economia livre e cada empresa faz sua estratégia como acha melhor. Mas, ao agir assim, a GM mostra que está interessada somente em seu próprio negócio, e não em estudar uma solução para a permanência -- ainda que com modificações -- do maior evento da história da indústria automobilística. Uma posição categórica, sim, e totalmente legítima, mas que fere o imperativo categórico de Kant.

Durante décadas a GM esteve lá com a marca Chevrolet. E o público a acolheu. Fosse com um apaixonante Opala ou com um esquálido Celta, a Chevrolet sempre foi bem acolhida pelo público brasileiro. Ao lado de um adorado Monza podia estar um Veraneio da Polícia Militar. Ou um Diplomata do Governo do Estado. Não tinha importância. Fosse com um revolucionário Corsa 1994 ou com um ultrapassado Corsa Sedan rebatizado de Classic, os carros da Chevrolet sempre foram observados, tocados, analisados e comentados pelo público do Salão do Automóvel.

Agora, não. Agora a Chevrolet é líder de marcas há quatro anos. Mais que isso: com os novos Onix e Onix Plus, tem disparado a família de carros que mais vende no Brasil. É hora então de virar as costas ao público? Dizem que a participação de uma grande montadora no Salão do Automóvel custa cerca de R$ 20 milhões. Muita coisa pode-se fazer com R$ 20 milhões. Fato. Mas dinheiro não é problema, problema é o retorno do investimento apenas em imagem. Trata-se mesmo de estratégia. A estrátegia de fugir do confronto com outras marcas. A estratégia de apostar todas as fichas nas experiências digitais, que são muito mais controláveis do que os olhos e as mãos do público de carne e osso. A estratégia de jogar sempre dentro de casa. A estratégia de impor a própria narrativa aos consumidores sem que eles possam compará-la com outras dentro do mesmo ambiente.

O Salão do Automóvel não é desta ou daquela marca -- é de toda a indústria automobilística. Foram necessários muito suor e lágrimas para que ele existisse. Surfar na onda da liderança num momento disruptivo, como é o atual momento da indústria automobilística, não significa necessariamente virar as costas para o passado, virar as costas para sua própria associação. O Salão do Automóvel é importante para o Brasil e talvez consiga permanecer vivo. Talvez não. Mas pelo menos alguns vão tentar.

Se viver, terá sido sem a participação da marca líder, o que é bastante significativo. Se morrer, será marcante o fato de a marca líder ter sido a primeira a cair fora, a dizer que não brinca mais, não importam as regras, o local, o ambiente, a experiência, o custo ou o retorno. Parabéns à Chevrolet pela liderança no mercado, parabéns à Chevrolet por sua longa história no Brasil, parabéns à Chevrolet pelo Opala, pelo Chevette, pelo Monza, pelo Corsa, pelo Vectra, pelo Onix, pelas C-10, C-20, D-20, S10 e tantos outros carros que frequentaram seu estande nos salões de outros carnavais. Se o Salão do Automóvel sobreviver, sentiremos sua falta.

Porém, se o Salão do Automóvel morrer, saberemos que alguns de seus executivos esqueceram que o mundo pode ser líquido mas os carros são sólidos. Que ainda temos tato, visão e olfato. Que, afinal, como disse Saint-Exupéry, talvez pela inspiração num de seus voos noturnos sobre a África, “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.

Guia do Carro
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