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Análise: por que o novo HB20 ficou mais distante do Onix

Nova seção semanal traz uma análise sobre o posicionamento de carros e marcas no mercado. A primeira é sobre o novo Hyundai HB20

9 mar 2020 - 06h00
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Primeira geração do HB20: movimento revolucionário no mercado, trazendo qualidade e beleza para os hatches compactos.
Primeira geração do HB20: movimento revolucionário no mercado, trazendo qualidade e beleza para os hatches compactos.
Foto: Hyundai / Divulgação

REPÚBLICA DO AUTOMÓVEL

O Hyundai HB20 quebrou muitos paradigmas quando estreou no Brasil, em 2012. Por isso, rapidamente tornou-se um carro desejado pelo público e, de certa forma, supervalorizado pelos especialistas. O HB20 nunca foi líder de mercado, mas foi o líder de uma revolução que transformou carros inferiores e mal-acabados em carros bonitos, bem construídos, com inovação tecnológica e com bom aproveitamento de espaço. Porém, oito anos depois, a Hyundai parece ter perdido a mão na troca de geração.

Nascido um ano depois, o Chevrolet Onix tinha alguns atributos superiores aos do HB20 e a enorme capacidade produtiva da General Motors por trás. Apostando nas coisas certas, o Onix se tornou não apenas líder de vendas, mas acima de tudo um líder inalcançável para o HB20 e para os demais carros do segmento. Tudo poderia mudar no segundo semestre de 2019, quando o Onix e o HB20 mudariam de geração. E foi exatamente aí que a Hyundai derrapou, cometendo alguns pecados que o mercado não perdoa.

O mais grave deles foi o design. O brasileiro comprador de carros é bastante conservador, daí que é preciso tomar muito cuidado com algumas audácias. Se o Onix aprimorou seu desenho, tornando-se um carro superior, o HB20 andou para trás, tornando-se um carro exótico.

Outro erro da Hyundai foi não ter mexido na plataforma do carro. O novo Chevrolet Onix praticamente subiu de categoria ao vir com um projeto de renovação que deixou o carro maior (só o entre-eixos aumentou 2,3 cm), com melhor dirigibilidade e mais seguro. Já o HB20 mudou pouco suas proporções (2 cm no comprimento, 4 cm na largura e 3 cm no entre-eixos), o que o deixou distante do novo Onix, porém ainda ao alcance do velho Onix (rebatizado de Joy). A diferença no entre-eixos, por exemplo, é de apenas 0,2 cm. Na prática, o carro coreano desceu de categoria.

Segunda geração do HB20: mudanças tímidas no tamanho, design polêmico e posicionamento de preço errado.
Segunda geração do HB20: mudanças tímidas no tamanho, design polêmico e posicionamento de preço errado.
Foto: Hyundai / Divulgação

Para fazer sucesso na economia capitalista é preciso ter coragem de matar o velho. É assim que giram os negócios no capitalismo: substituindo o velho pelo novo. A velocidade com que esse fenômeno ocorre é cada vez maior, o que nos leva dizer que o automóvel, mesmo sendo produzido por materiais sólidos, tornou-se um objeto líquido, dentro da concepção de Bauman sobre a modernidade que sempre se transforma, como os fluidos.

A Hyundai não matou o velho HB20. Pelo menos, não o fez totalmente. Ao manter a mesma plataforma, o HB20 ficou 22,3 cm menor do que o Onix em comprimento e 2,1 cm mais curto na distância entre-eixos. O novo Onix também é 1 cm mais largo e 0,6 cm mais alto. Assim, a referência do HB20 passou a ser o velho Onix, agora Joy, e não o novo, embora os preços (devido às melhorias feitas em equipamentos e motor) tenham acompanhado os do líder. A diferença é que o HB20 não é mais o carro aspiracional do segmento e sim o Onix.

Para além disso, a Chevrolet e a Hyundai têm estratégias bem diferentes de comercialização. Para entender o fenômeno, fui buscar na Bright Consulting os números de venda de cada versão desses carros desde que foram modificados. Segundo a Bright, a versão mais vendida do HB20 é a Vision (30,9%), enquanto a do Onix é a LT (49,7%). Pedi ainda para incluir o Ford Ka nesse estudo, pois ele passou a ser o maior rival do HB20 depois da mudança, chegando a roubar-lhe a vice-liderança em algumas ocasiões. A versão mais vendida do Ka é a SE Plus (90,6%). É importante saber qual é a versão mais vendida de um carro porque é ela que define os equipamentos que agradam o consumidor. Depois disso vêm a motorização.

Pois bem. Dos 49,7% que compram o Onix LT, 61% compram a versão com motor 1.0 aspirado de 78 cavalos. Outros 25% preferem o motor 1.4 aspirado de 98 cv e só 14% ficam com o novo motor 1.0 turbo de 116 cv. No caso do Ford Ka, 86% preferem o SE Plus 1.0 de 80 cv e 14% ficam com o SE Plus 1.5, sendo 1% para o motor de 105 cv (câmbio manual) e 13% para o de 128 cv (câmbio automático). Finalmente, no HB20 Vision, 57% ficam com o 1.0 aspirado de 75 cv e 47% com o 1.6 de 122 cv.

Ford Ka: aposta quase total numa única versão, a SE Plus, com motores 1.0 e 1.5, e foco no custo-benefício.
Ford Ka: aposta quase total numa única versão, a SE Plus, com motores 1.0 e 1.5, e foco no custo-benefício.
Foto: Ford / Divulgação

O Ford Ka é hiper dependente da versão SE Plus. Depois dela, a versão que mais vende é a FreeStyle, com apenas 6%. Todas as outras dividem-se entre migalhas, sendo que a mais relevante (a série especial 100 Anos) não passa de 2%. Por isso, voltamos à comparação apenas entre o HB20 e o Onix, uma vez que o Ka está claramente buscando nichos de preço para ganhar mercado. Segundo o levantamento da Bright Consulting, a divisão entre as versões é a seguinte.

Versões

do Onix

Mix do

Onix

Nível

Versões

do HB20

Mix do

HB20

Joy (G1) 31,1% Ent. Unique (G1) 19,6%
    Ent. Comfort (G1) 13,0%
LT 49,7% Ent. Sense 21,3%
    Int. Vision 30,9%
Advantage (G1) 0,2% Int. Style (G1) 0,2%
Activ (G1) 3,3% Ave. HB20X n/d
LTZ 9,6%

Top

Evolution 9,3%
    Top Premier (G1) 2,0%
    Top Sport estreia
Premier 6,1%

Top

Sup.

Diamond 3,7%

Como se percebe, o Chevrolet Onix tem sua venda dividida entre as versões LT (modelo novo), Joy (modelo antigo) e LTZ + Premier (modelo novo turbo topo de linha). Já o Hyundai HB20 divide-se entre a Vision (modelo novo 1.6), a Sense (novo de entrada), a Unique (modelo antigo), a Comfort (modelo antigo) e a Evolution + Diamond (modelo novo topo de linha). É verdade que o HB20 chegou depois, por isso ainda aparecem muitas versões antigas com relevância, mas o motor 1.6, que tem muita presença em suas vendas, teve aumento de apenas 1 cv na potência máxima. E o HB20 não tem mais o modelo antigo para ficar na guerra de preços com o Onix Joy.

Quanto ao conjunto motor/câmbio, as vendas do Chevrolet Onix estão divididas da seguinte maneira: 55,2% para o motor 1.0 aspirado, 19,8% para o motor 1.4 aspirado e bons 18,7% para o 1.0 turbo. Na configuração 1.0 turbo, 99,4% têm câmbio automático, enquanto na 1.4 aspirado as vendas do câmbio automático representam apenas 23,7%. No Hyundai HB20, o levantamento da Bright mostra 75,9% das vendas para o motor 1.0 aspirado, 21,0% para o 1.6 aspirado e apenas 3,1% para o 1.0 turbo. O câmbio automático tem 100% de participação nas vendas do 1.0 turbo e 82% nas vendas do 1.6 aspirado. Na estratégia da Hyundai, a versão HB20 é vendida como um modelo à parte. E a nova versão Sport, mais barata que a topo de linha superior, também aparece no "Monte Seu Carro" como um modelo à parte.

Com tantos números e possibilidades, não é muito simples chegar a um conclusão. Porém, esse levantamento sinaliza que o público cativo do HB20 já estava numa faixa superior de consumo. Assim, o motor 1.0 turbo não representou uma grande novidade na mudança do carro, embora sua potência tenha subido de 105 para 120 cavalos. O motor turbo 1.0 turbo da Hyundai -- que poderia ser claramente mais mais eficiente do que o 1.6 aspirado -- é um pouquinho menos potente (3 cv).

Chevrolet Onix: a segunda geração colocou o carro num novo patamar, mais elevado.
Chevrolet Onix: a segunda geração colocou o carro num novo patamar, mais elevado.
Foto: GM / Divulgação

Em resumo, a estratégia da Chevrolet para o Onix é simples e clara, com modelos diferentes e potências diferentes. O mesmo ocorre em relação à tática da Ford para o Ka. Já a estratégia da Hyundai para o HB20 é bastante complexa. É preciso fazer muitas contas, muitas análises, e isso acaba deixando o consumidor mais confuso. Segundo estudiosos de consumo, o excesso de oferta, ao invés de ajudar o consumidor, muitas vezes o atrapalha e o afasta. Afinal, vivemos numa era em que é preciso tomar muitas decisões na compra de qualquer coisa -- até mesmo de um pão no supermercado, tamanha a variedade de ofertas. Dessa forma, o consumidor costuma ir no que é mais certo e mais tradicional, pois tem medo de errar na compra e, por consequência, sentir-se infeliz depois.

Para finalizar, ouvi a opinião de Cassio Pagliarini, um dos consultores da Bright. Sua opinião é relevante porque, além de ter trabalhado durante anos no marketing da Ford e da Renault, ele esteve à frente do projeto do Hyundai HB20 em seu lançamento no Brasil. Veja, na opinião de Pagliarini, as quatro razões sobre a derrapada inicial do HB20 nessa segunda geração. 

Primeira: “Percepção de tamanho. O HB20 aumentou de tamanho, mas os concorrentes aumentaram mais. Além disso, o formato da grade e a posição das lanternas traseiras contribuem ainda mais para a percepção de redução de tamanho.”

Segunda: “O design não foi feliz. O formato da grade, lanternas traseiras e faróis não combinam. Isso já acontecia no protótipo de 2017 e não foi corrigido. Os testes com clientes confirmaram isso.”

Terceira: “Ficou muito caro. Basta comparar com um Onix no mesmo nível de equipamentos.”

Quarta: “A campanha foi pouco impactante e muito conservadora. Em nenhum momento usou a história de evolução do veículo mais desejado do Brasil. Traduziram feio por ousado e usaram essa palavra na propaganda. É o cliente que deve sentir o que quer e não a montadora dizer a ele.”

Guia do Carro
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