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Tocantins vive sina de governos incompletos com cassação de mandatos e denúncias de corrupção

Nenhum chefe do Executivo termina o mandato desde 2006; para analista, trocas abalam políticas públicas

23 jan 2022 - 05h10
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Em dezembro, o Superior Tribunal de Justiça negou um pedido do governador afastado do Tocantins, Mauro Carlesse, para reaver o cargo e manteve a decisão que o retirara da função por 180 dias, até abril deste ano. Alvo de operação da Polícia Federal, Carlesse é suspeito de obstruir investigações e chefiar esquema de propina na Saúde, o que ele nega.

O afastamento de Carlesse repete uma sina no Estado que remonta à eleição de 2006. A partir daí, nenhum governo eleito terminou o mandato, criando o que especialistas chamam de "gestores de plantão" e prejudicando a continuidade de políticas públicas no Tocantins (mais informações nesta página). Em 16 anos, sete governadores passaram pelo Palácio Araguaia. Um deles, Marcelo Miranda (MDB), foi cassado duas vezes.

"No Tocantins, a crise é a ordem do dia", afirma Marcelo Brice Assis Noronha, doutor em sociologia e professor da Universidade Federal do Tocantins. Segundo ele, uma combinação entre grupos políticos locais e o "maquinário econômico" gera um cenário que propicia governos incompletos.

"Essa forma de cassação foi o meio que a política local encontrou para se perpetuar. Porque a normalidade impede a perpetuação, garante um espaço de discussão amplo e aberto. A crise se faz para se garantir a prática de reprodução", diz Brice.

Nenhum desses ex-governadores escapou de ações da PF ou de processos criminais e de improbidade administrativa. Houve dezenas de ações, com busca, apreensão e prisão. Denúncias de corrupção também atingiram integrantes do Judiciário e até o Tribunal de Contas do Estado (TCE-TO).

Início

A sucessiva queda de governadores começou com um arranjo político nas eleições de 2002. Miranda, então presidente da Assembleia Legislativa e aliado do governador à época, Siqueira Campos (DEM), se elegeu, mas, ao fim do mandato, rompeu o acordo de desistir da reeleição para que o filho de Siqueira, Eduardo (hoje deputado estadual pelo DEM), fosse o candidato da situação.

Miranda se reelegeu em 2006 contra o próprio Siqueira Campos. Para superar o rival, entregou 4.549 lotes a famílias carentes, nomeou 1.447 comissionados e fez doação de óculos a "perder de vista", nas palavras do então ministro Ayres Britto, do Tribunal Superior Eleitoral, durante a sessão que cassou o mandato de Miranda e do vice por abuso de poder político e econômico, em 2009, em ação ajuizada por Siqueira Campos.

O então presidente do Legislativo, Carlos Gaguim (agora deputado federal pelo DEM), assumiu o cargo - depois, foi eleito para um mandato tampão em eleição indireta na Assembleia. No pleito ordinário de 2010, Gaguim perdeu para Siqueira Campos. Miranda conseguiu uma vaga no Senado, mas teve a candidatura impugnada.

Siqueira Campos governou de 10 de janeiro de 2011 a 4 de abril de 2014. Para, de novo, tentar viabilizar a candidatura do filho Eduardo ao governo, ele e o vice renunciaram. Assumiu o Estado o presidente da Assembleia, Sandoval Cardoso (SD). Ele também se elegeu indiretamente no parlamento para o mandato provisório, de abril a dezembro de 2014, e se lançou candidato no pleito ordinário. Como Gaguim, acabou derrotado nas eleições daquele ano por... Marcelo Miranda.

Caixa dois

Ao assumir o governo, em 2015, o emedebista se segurou no cargo até março de 2018. Novamente, o TSE lhe cassou o mandato, agora por "caixa dois". Assumiu o Estado outro presidente da Assembleia, Mauro Carlesse (PSL), um paranaense que havia comprado fazendas no Sul do Tocantins, em Gurupi.

Carlesse conquistou o mandato tampão em eleições suplementares diretas, em junho de 2018. Três meses depois, se reelegeu para quatro anos, mas acabou afastado no ano passado pelo STJ após ser alvo de várias operações da Polícia Federal. Ele ainda responde a um processo de impeachment. No lugar de Carlesse, tomou posse o vice-governador Wanderlei Barbosa (sem partido).

Esse cenário reforça a importância das eleições no Tocantins em outubro. Até o momento, três pré-candidaturas se destacam. Barbosa deve tentar a reeleição, mas ainda não fechou por qual partido (PSD e PDT são opções). Outro potencial concorrente é o senador Eduardo Gomes (MDB), que tende a apoiar na corrida nacional Jair Bolsonaro (PL).

Já o ex-deputado petista Paulo Mourão tenta unir a esquerda na disputa regional, mas ainda não garantiu o apoio do ex-presidente Luiz Inácio da Silva para formar seu palanque no Estado.

Trocas abalam políticas públicas, diz analista

Para o doutor em sociologia e professor da UFT (Universidade Federal do Tocantins) Marcelo Brice Assis Noronha, sucessivas trocas de governo deixaram em segundo plano a continuidade de projetos e políticas públicas. "O que se tem é a não finalização dos projetos. Um projeto que se inicia, reúne poder político e força para poder garantir a perpetuação da prática, mas não se conclui. Então os hospitais não se concluem, as pontes não se concluem", afirma.

Segundo ele, nessa toada, os equipamentos públicos acabam ficando submissos "a uma lógica econômica de um grupo político que se perpetua eternamente nas práticas tocantinenses e não se consegue oferecer uma disputa honesta justa e enfrentada, porque os mesmos grupos políticos, que não são distintos, acabam se organizando de uma maneira em que eles se garantem por meio da cassação".

Tocantins é Estado mais novo das 27 unidades da federação - ele foi criado a partir da promulgação da Constituição de 1988. Sua atual área pertencia ao Estado de Goiás.

Convergência

Parte das denúncias de corrupção no Estado atingem também o Ministério Público, além do Tribunal de Justiça e o Executivo. Uma das operações da Polícia Federal foi batizada de "Convergência". No Estado, cinco desembargadores foram afastados após serem alvo de uma das ações da PF.

Nem mesmo o Tribunal de Contas do Estado escapou de operação da PF, que investigou fraude na licitação e construção do prédio anexo da Corte.

Estadão
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