PUBLICIDADE

Por que hashtags com erros de grafia estão ficando populares no Twitter?

Para especialistas, uso de palavras com problemas de ortografia pode ser estratégia para fazer assunto repercutir por mais tempo; utilizado pelo Wikileaks durante eleições de 2016 nos EUA, estrategema também é usado por apoiadores de Jair Bolsonaro

24 mai 2020 - 05h10
Compartilhar
Exibir comentários

Após o ex-juiz Sérgio Moro pedir demissão do Ministério da Justiça no final de abril, uma das reações da rede de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro no Twitter foi levantar a hashtag '#FechadoComBolsolnaro'. Ela levava um erro de grafia - um 'L' a mais no sobrenome do presidente - e mesmo assim apareceu entre os assunto mais comentados da rede social no final de semana que sucedeu aquele 24 de abril. Para opositores, a iniciativa virou piada. Mas pode ser mais do que um descuido, revelando uma estratégia de como usar redes sociais para espalhar uma mensagem específica. Afinal, é difícil imaginar que um erro tão claro possa parar organicamente, com tantas pessoas o replicando, nos assuntos mais discutidos do Twitter.

É preciso entender como um assunto ou hashtag chega aos assuntos mais comentados do Twitter. A empresa não revela exatamente qual é fórmula para que um assunto chegue aos trending topics - ao Estadão, o gerente de políticas públicas do Twitter Brasil, Fernando Gallo, afirma que essa é uma maneira de evitar que esse recurso sofra manipulações. Ele diz também que o volume de mensagens é apenas uma das variáveis.

Um dos aspectos detectados por especialistas em redes sociais, porém, é o de que os assuntos comentados incluem termos que estão sofrendo picos de utilização - ou seja, um alto volume de mensagens num curto espaço de tempo é mais importante do que um assunto comentado constantemente em baixa rotação. Por exemplo, o algoritmo seria mais sensível a mil mensagens postadas em um minuto do que 100 mil postadas ao longo de um mês inteiro.

"Estudos sobre as características de hashtags mostram que quando você tem muitos usuários de perfis variados tuitando num curto espaço de tempo a mesma hashtag ou assunto, o algoritmo detecta essa explosão e coloca isso nos trending topics", explica Fábio Malini, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). "Os assuntos mais comentados são sempre muito afetados pelo o que acontece no mundo offline, como situações políticas ou mortes de celebridades. É difícil ser manchete o dia inteiro lá", diz.

Quando o volume de publicação de uma hashtag fica estável, significa que ela já começou o processo de saída da lista dos assuntos mais falados. E a volta não é tão simples. "Para voltar aos trending topics, uma mesma hashtag precisa chegar a outro pico. Ou seja, ela precisa morrer para depois ressuscitar", explica David Nemer, professor da Universidade da Virgínia (EUA) e especialista em antropologia da tecnologia. "Esse processo é demorado. Pode durar semanas até ela parar de ser publicada ou atingir um nível muito baixo", diz.

É de olho nessa dinâmica que a hashtag errada pode virar uma ferramenta. "Não é um equívoco. São estratégias para manter uma mensagem sempre entre os assuntos mais falados", diz Malini. Dessa maneira, quando uma hashtag perde o pico, outra extremamente parecida toma o seu lugar, sem passar por um processo de recuperação de popularidade. E uma letra errada, claro, não altera a mensagem contida na hashtag para bons entendedores.

Gallo confirmou à reportagem que erros de grafia não interferem na seleção de hashtags do algoritmo do Twitter. "Os termos e hashtags presentes nos Assuntos do Momento são baseados exclusivamente na atividade das pessoas no Twitter. Se uma conversa específica continua se enquadrando, ela estará presente", diz.

Tática conhecida

Embora esteja ganhando notoriedade na internet brasileira, a estratégia não é exatamente uma novidade. Um estudo com pesquisadores das universidades de Kentucky e de Maryland (ambas nos EUA) mostrou que em 2016, o Wikileaks utilizou 37 variações da mesma hashtag para revelar os pacotes de e-mails de John Podesta, ex-presidente da campanha presidencial de Hillary Clinton. Foram usadas as hashtags #PodestaEmails1, #PodestaEmails2 até chegar a #PodestaEmails37.

Nesse caso, não são erros de grafia, mas a lógica é a mesma: uma pequena variação de caracteres para manter o assunto em alta sem alterar a mensagem. "Ao criar a possibilidade de manter esse conteúdo persistentemente visível nos trending topics, o Wikileaks conseguiu potencializar nível de determinação de discussão mais do que se tivesse feito isso usando uma única hashtag", escreveram os pesquisadores Nicholas Proferes e Ed Summers na época.

Segundo eles, o Wikileaks conseguiu aparecer 1.917 vezes nos Assuntos Mais Comentados de todo o mundo, permanecendo lá em todos os 30 dias que antecederam as eleições presidenciais de 2016. A pedido da reportagem, a AP Exata, empresa especializada em análise de sentimentos em redes sociais, fez um levantamento de todas as hashtags que levavam o nome de Bolsonaro durante o mês de abril - tanto as de apoio quanto as de oposição.

A quantidade de hashtags com erros de grafia foi baixo em relação ao volume total, mas aparecem lá algumas variações de '#FechadoComBolsolnaro'. São elas: #FechadoComBolsobaro, #FechafoComBolsonaro, #FechadosComBolsolnaro, #fechadosComBoldonaro e #FechadosComBolsanaro. Apareceram também #EuApoioBolsolnaro e #somostodosbolsobaro, Nem todas tiveram grande eco, mas foram utilizadas. Nenhuma hashtag contra o presidente apareceu com a grafia errada.

Efeitos colaterais

O Twitter tem uma explicação um pouco mais simples para o fenômeno. "O recurso de autocompletar pode sugerir ao usuário um termo já utilizado anteriormente ainda que esteja escrito de forma equivocada", explica Gallo. Os especialistas concordam que esse recurso pode ajudar o impulsionamento orgânico de uma tática que começou em redes de robôs (bots).

Outra maneira que a hashtag errada tem para ganhar audiência orgânica é chamar a atenção de algum perfil influente no Twitter. "Nas eleições, percebemos que quando uma autoridade retuitava uma hashtag, ela explodia. Além disso, esse retuíte 'lava' a informação, no sentido de legitimizá-la", diz Raquel Recuero, professora da Universidade Federal de Pelotas.

No caso de uso político, um terceiro efeito seria o de pescar a atenção de opositores que, ao fazerem piada com uma hashtag errada, acabam ampliando a divulgação da mensagem contida nela.

Para Malini, a falta de transparência do algoritmo que determina os trending topics mais atrapalha do que ajudam a plataforma - segundo ele, isso tira credibilidade do serviço. Ele, porém, diz que vê como positivo o movimento da rede social de incluir assuntos e temas, e não apenas hashtags, nos trending topics. Isso, de acordo ele, amplia a variedade de pessoas e perfis que ficam em destaque.

"Como os spammers mudam suas táticas, nós modificamos ativamente nossas ferramentas tecnológicas para abordar tais situações", diz Gallo. "Especificamente no caso dos Assuntos do Momento, tomamos medidas preventivas como excluir tuítes e usuários automatizados de nossos cálculos de tendências".

Estadão
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Publicidade