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Digitalização de livros pelo Google segue gerando polêmica

3 fev 2009 - 17h13
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Em 2002, o Google começou a beber o milkshake do mundo dos livros. Na época, segundo a história oficial do gigante de buscas na web, ele começou um "projeto secreto de livros". Hoje, o projeto é conhecido como Pesquisa de Livros do Google e, com o suporte de um acordo jurídico, promete transformar a forma pela qual a informação é coletada: quem controla a maioria dos livros; quem tem acesso a esses livros; como o acesso será vendido e alcançado. Em outras palavras, haverá sangue.

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Como os barões do petróleo no final do século XIX, o Google está sedento por uma matéria-prima vital - conteúdo digital. Nas palavras de Daniel J. Clancy, diretor de engenharia da Pesquisa de Livros do Google, "o núcleo do nosso negócio é busca e descoberta, e buscas e descobertas melhoram com mais conteúdo."

Ele pode mesmo soar como um prospector de petróleo quando afirma que o Google começou seu esforço de digitalizar milhões de livros "porque há uma quantidade imensa de informação disponível por aí," acrescentando posteriormente, "e não vimos ninguém mais fazendo isso."

Mas existe uma distinção crucial. Diferente de Daniel Plainview, o anti-herói do filme Sangue Negro (There Will Be Blood), interpretado por Daniel Day-Lewis, que gargalha ao descrever como seu equipamento pode sugar o petróleo submerso da propriedade de outras pessoas - beber seus milkshakes, se preferir -, os originais dos livros copiados pelo Google continuam a existir.

Em vez disso, a "propriedade" sendo invadida é representada por direitos autorais e outros tipos de posse. Haverá processos.

Na última edição da New York Review of Books, Robert Darnton, dirigente do sistema de bibliotecas de Harvard, escreve sobre o acordo jurídico do Google com a paixão de um militante na ditadura. "O Google vai desfrutar de algo que pode apenas ser chamado de monopólio - um novo tipo de monopólio, não de ferrovias ou aço, mas de acesso à informação," escreve Darnton. "O Google não tem competidores sérios."

Acrescenta, "apenas o Google tem o dinheiro para digitalizar em grande escala. E através do acordo com autores e editoras, ele pode explorar seu poder financeiro protegido por uma barreira legal, já que a ação pública cobre a classe inteira de autores e editoras."

O Google está certamente solidificando uma posição dominante no mundo dos livros ao digitalizar as maiores coleções do planetao. Ele conta com um princípio matemático básico: não importa quantos volumes Harvard ou Oxford tenham, nenhuma dessas universidades tem mais que Oxford, Harvard, Michigan e outras juntas.

Segundo Darnton, o acordo (que o juiz ainda precisa aprovar) "vai dar ao Google o controle sobre a digitalização de praticamente todos os livros protegidos por direitos autorais nos Estados Unidos."

Enquanto o Google possuir um conjunto de milhões de livros que apenas ele pode oferecer ao público, argumenta, ele terá um monopólio a ser explorado. Você quer aquela dissertação de 1953 sobre o planejamento do Estado alemão? Terá de pagar. Ou, algo mais sério, sua biblioteca quer acesso irrestrito a esses milhões de livros? Terá de adquirir assinatura.

Apesar de Harvard ter permitido que o Google digitalizasse suas obras de domínio público, a universidade ainda não concordou com o desfecho legal. "Ao contrário de muitos relatos, Harvard não rejeitou o acordo," escreveu Darnton por e-mail, no qual disse que seu artigo "não tem a intenção de atacar o Google." "Ela está estudando a situação enquanto o acordo proposto avança nos processos do tribunal."

Para acadêmicos que acompanham a natureza dinâmica do conteúdo da internet, sem mencionar os funcionários do Google, a idéia do Google como um barão industrial é fantasiosa. O Google não tem interesse em controle de conteúdo, disse Clancy, e nos poucos casos em que cria seu próprio conteúdo - mapas ou informação financeira, por exemplo - ele procura torná-lo disponível gratuitamente.

Eben Moglen, professor de Direito de Columbia e ativista do conteúdo aberto, coloca da seguinte forma: se a briga pela digitalização de livros fosse uma de fabricantes de carroça contra montadoras automobilísticas, o Google seria a rodovia.

Para aqueles que escrevem sobre a importância da Pesquisa de Livros do Google - e um pequeno grupo a respeito tem se formado online nesses poucos meses - não é o papel do Google como dono do conteúdo que os preocupa. Nem a digitalização em si: é a centralização - e homogeneização - da informação.

Para Thomas Augst, professor de Inglês da Universidade de Nova York que estuda a história das bibliotecas, inclusive aquelas do passado que funcionavam como negócios, o significativo é que a digitalização de livros está acabando com a distinção entre bibliotecas circulantes, direcionadas ao público, e bibliotecas de pesquisa, direcionadas a acadêmicos. Mas não é como se qualquer um do público pudesse entrar na biblioteca de Harvard.

"Uma forma de olhar o que o Google está fazendo," disse, "é que ele está aumentando a circulação de livros e diminuindo essas diferenças." Como resultado final, o acordo para ação pública de direitos autorais digitais tem potencial para tornar as bibliotecas físicas novamente relevantes. Cada biblioteca pública terá um computador com acesso completo à Pesquisa de Livros do Google, um serviço que viria como parte de uma assinatura paga.

Uma das preocupações de Darnton é que apenas um computador talvez não seja suficiente para satisfazer a demanda do público. Mas Augst já vê um grande benefício.

O Google está "criando uma nova razão para visitar bibliotecas públicas, o que acho fantástico," disse. "Bibliotecas públicas têm função comunitária, uma função simbólica que só pode se realizar se as pessoas estiverem lá."

Tradução: Amy Traduções

The New York Times
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