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Nova regra abre espaço para startups no setor de psicologia

A partir de novembro, CFP vai permitir sessões online; para especialistas, mudança exige adaptação e traz debate ético

12 set 2018 - 05h11
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Uma nova norma do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que passa a vigorar em novembro deve abrir um novo mercado para as startups voltadas para a área no País. Sob a nova regra, psicólogos terão a possibilidade de realizar sessões de terapia online - antes, era possível apenas realizar 20 encontros, o que dificultava o trabalho das empresas iniciantes.

A mudança ocorre após um ano de estudos e observação do mercado. Ainda que vetadas, muitos psicólogos já usavam ferramentas como o Skype para fazer consultas online, especialmente em casos de atendimento com pacientes que tinham se mudado para outros países ou com dificuldades de deslocamento. "A norma estava desgastada", diz a conselheira Rosane Granzotto, do CFP. "Precisávamos mudar."

Uma das startups que busca surfar no novo movimento é a Vittude, criada pela engenheira civil Tatiana Pimenta em 2016. De lá para cá, a empresa recebeu R$ 650 mil em aportes e realizou 12 mil consultas; hoje, são 1,5 mil psicólogos e 4 mil pacientes cadastrados - 90% deles nunca havia feito tratamentos antes.

Além de atender pessoas físicas, a empresa também faz parcerias com empresas, oferecendo vouchers para os empregadores distribuírem entre os funcionários. "Há empresas que têm quase mil funcionários afastados por ansiedade ou depressão. É ruim para o empregador e para o INSS", diz Tatiana. "Queremos agir antes que seja preciso pedir afastamento."

Maré. A Vittude não está sozinha. Outra startup que atua nesse modelo é a Zenklub, fundada pelo médico Rui Brandão. A empresa tem hoje 5 mil profissionais cadastrados e já realizou mais de 20 mil consultas online. Entre seus investidores, está o fundo especializado em saúde HEALTH+, que aportou R$ 300 mil na empresa. A partir de um questionário e um algoritmo, a Zenklub busca filtrar qual o profissional mais indicado para o paciente. "Tentamos mudar a percepção das pessoas com terapia. Se você não se sentir bem com a primeira experiência, pode falar com outros profissionais. É mais confortável", diz o fundador.

O uso do algoritmo para direcionar pacientes aos profissionais é algo comum no setor. Após fazer um cadastro, os usuários devem responder algumas questões específicas. Elas são divididas entre aspectos demográficos, como sexo ou região onde mora, e perguntas mais objetivas para o tratamento. Se o paciente sente a necessidade de falar com o profissional de forma frequente, o algoritmo provavelmente excluirá terapeutas freudianos. Se for necessário ser mais ouvido do que interpelado, caem as chances de serem indicados psicólogos junguianos, por exemplo.

Depois de selecionado o psicólogo, a mecânica é simples: o paciente escolhe o horário e realiza o pagamento pela própria plataforma - a maioria delas aceita cartão de crédito e boleto. As empresas faturam com porcentagens das consultas, variando entre 15% e 30%.

Na hora marcada, é só entrar com um código na sala de conferência e começar a sessão, de 50 minutos. Também é possível fazer a consulta por meio de áudio - mas isso só é permitido quando a conexão de internet não suporta o uso do vídeo.

Outra empresa do setor é a TelaVita, da psicóloga Milene Rosenthal, que oferece sessões com valores entre R$ 80 e R$ 200. Para ela, a teleterapia é o futuro da profissão. "Poucos psicólogos de linha psicanalista atendem por videochamada. Afinal, eles têm uma técnica de não olhar para o paciente e manter certa distância", diz Milene. "Eles vão precisar achar um meio termo. Se Freud estivesse vivo, tenho certeza de que já estaria atendendo pela internet."

Linhas. Algumas vertentes da psicologia se adaptam mais facilmente à web. É o caso da linha analítica, em que o terapeuta busca dialogar com o paciente. Para a psicóloga Jussara Pascualon, adepta dessa linha, as sessões online funcionam bem - hoje, ela já realiza 20% de suas consultas pela TelaVita. "Muitos dos meus pacientes trabalham e se consultam comigo durante o horário de almoço ou após o expediente", afirma. Mas ela reconhece que é preciso se adaptar. "Tenho buscado novas técnicas: ler expressões e se comunicar pelo rosto é algo essencial na internet."

Há quem defenda que a experiência online ainda é aquém do ideal. É o caso de Éverton Gonçalves, na profissão há 32 anos. Em 2017, um paciente seu foi morar nos EUA e tentou seguir com o atendimento virtual. "Vi que não era a forma correta, então cessamos." O CFP reitera que há diferenças. "A tecnologia não recria tudo", diz Rosane.

Além disso, especialistas do setor alertam para a essência da profissão: o contato entre as pessoas. Sendo uma ciência humana, a psicologia não pode ser usada por meio de inteligência artificial.

É o caso da gaúcha Eurekka, fundada por três psicólogos em 2017. Ela faz a união de diversas tecnologias: inteligência artificial, por meio de um chatbot no app de mensagens Messenger, que aconselha pessoas; apps para reduzir estresse e ansiedade; e terapia online e presencial, realizada na região de Porto Alegre. "Há um conservadorismo na psicologia que a deixa parada no passado", diz o cofundador Henrique de Souza, de 23 anos. "Queremos mostrar como a tecnologia pode ser uma aliada da psicologia."

Quando consultado sobre a startup e novas tecnologias, o CFP diz que ainda não há regulação em torno da inteligência artificial, chatbots ou aplicativos. "Não é hora. E a robotização completa de terapia não é psicologia. Tem muito a ser discutido ainda", diz Rosane Granzotto, do CFP.

"O psicólogo não receita remédio. O medicamento é a própria relação com o profissional", diz Nelson Fragoso, professor de psicologia do Mackenzie. "É preciso pensar a tecnologia como ferramenta de suporte à terapia."

Estadão
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