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Startups de moda circular querem revirar seu armário

Com apoio de tecnologia e celebridades, empresas de moda circular avançam com mudanças de comportamento

9 dez 2020 - 05h10
(atualizado às 12h21)
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Seja em um brechó ou no boca a boca, não é de hoje a prática de comprar uma roupa seminova ou vender aquela peça que está ocupando espaço no armário. Nos últimos anos, a internet ampliou esses horizontes, mas, muitas vezes, o custo da operação não compensava a oportunidade de adquirir uma peça de segunda mão. Agora, porém, uma série de empresas tem usado a tecnologia para dar escala a esse processo: no lugar de lojas empoeiradas, elas usam plataformas e algoritmos para conectar guarda-roupas abarrotados a quem busca um novo look.

São as chamadasstartups de moda circular, que vêm ganhando espaço no Brasil e atraindo a atenção do mercado. Com um acervo de 40 mil peças, a curitibana Troc ilustra bem esse interesse: em setembro, a empresa levantou um aporte com a Reserva. No mês seguinte, acabou tendo 75% de seu capital adquirido pela grife Arezzo&Co, que já havia comprado a marca de Rony Meisler anteriormente.

Fundada em 2017 por Luanna Toniolo, a empresa surgiu depois que a advogada largou o Direito e foi estudar Marketing na Universidade Harvard. Nos EUA, ela percebeu uma movimentação forte no mercado de brechós online e também que a proposta poderia funcionar no Brasil, em uma nova tendência de consumo. "Além do problema de descarte de roupas, existe a acumulação, em que se perde dinheiro com peças estocadas. Era uma questão de tempo para esse tipo de serviço crescer por aqui", conta ela.

Com produtos como roupas, sapatos e bolsas, incluindo peças infantis, a Troc intermedeia toda a venda: se o vendedor for de Curitiba, sede da startup, ou de São Paulo, é só agendar a coleta do item na casa dele. Para outras cidades, o envio deve ser feito pelo correio. É a empresa que realiza a análise, a etiquetação, o cadastro e o anúncio das peças na plataforma digital, desenvolvida internamente. Depois da venda, a Troc fica com uma comissão que varia de acordo com o valor da peça - para roupas de até R$ 250, a taxa é de 60%.

A Troc também possui um programa com grandes marcas, que permite ao consumidor repassar uma peça usada para ganhar desconto em uma nova compra - modelo bastante popular no mercado de smartphones e que agora aparece em novos setores. Sob o guarda-chuva da Arezzo, a plataforma da Troc agora pode ser acessada pelo site da grife. A startup, porém, continuará existindo no seu site independente e não vai se limitar somente à venda de produtos da Arezzo&Co.

Segundo a grife, há vários motivos para a compra da Troc - como o foco em sustentabilidade e em tecnologia. "A Troc traz uma oportunidade de análise de dados, de entender o que os clientes têm no guarda-roupa e o tempo de uso das peças. Com isso, abrem-se possibilidades, como parceria com marcas que são muito usadas pelos clientes", afirma Aline Penna, diretora de estratégia da Arezzo&Co.

Sacola

Quem também mostra que o mercado está aquecido é a Repassa, que levantou um aporte de R$ 7,5 milhões em setembro, com participação dos fundos Redpoint eventures e Bossa Nova. A Repassa também tem uma loja própria, mas funciona de forma ligeiramente diferente. Quem quer vender precisa comprar uma sacola de R$ 25 (a "sacola do bem") para enviar os produtos. Após o controle de qualidade pela startup, as peças são colocadas à venda no site. Quem está abrindo mão de uma roupa recebe 60% do valor da venda, que pode ser sacado, doado ou usado em novas compras - neste último caso, há o benefício de ter 10% de desconto.

"As roupas ficam paradas porque as pessoas não têm tempo para fotografar, cadastrar e anunciar uma peça online. Assumimos, então, todo esse trabalho", diz o publicitário Tadeu Almeida, fundador da Repassa. A startup tem ainda uma parceria com a C&A e faz um programa-piloto com a Renner para a distribuição de sacolas entre os clientes de programas de fidelidade das varejistas.

Na vitrine

Para especialistas, a aceleração dos brechós online é reflexo de um amadurecimento da economia circular, que se tornou uma tendência contemporânea com a ideia de se viver com "menos posse e mais experiências". "Essas propostas sempre tiveram importância sustentável, mas havia medo de gerar impacto econômico negativo. Mas elas estão mostrando o contrário, que é positivo criar valor e levar de volta para o mercado um recurso que estava parado", afirma Daniel Guzzo, professor do Insper.

Segundo ele, a quarentena também influenciou. "Muitos estão em casa revisitando seus armários e a crise também pode levar as pessoas a buscarem produtos mais baratos", diz o professor. É algo sentido pelas startups: até o fim de novembro, a Repassa viu sua receita crescer 180% em relação a 2019.

O setor está tão aquecido que já tem até uma empresa na Bolsa de Valores: nascida como um blog em 2009, a Enjoei já conectou quase 2 milhões de vendedores e 1,5 milhão de compradores. Na estreia na Bolsa, em novembro, a empresa captou R$ 1,13 bilhão. "A abertura de capital é um momento de financiamento para nossas frentes de expansão, como melhorar a experiência da plataforma e parcerias com marcas", diz a cofundadora Ana Luiza McLaren.

Luxo

Nesse universo de brechós 2.0, há também quem esteja focado em produtos de luxo. É o caso da Gringa, fundada em junho pela atriz Fiorella Mattheis, que começou a empreender após uma experiência pessoal. "Comecei vendendo minhas peças, mas não encontrei no Brasil um lugar que me passasse confiança. Aí vi oportunidade de negócio", diz Fiorella ao Estadão. Segundo a atriz, a Gringa tem crescido cerca de 25% por mês e já vendeu mais de 500 produtos em sua plataforma.

Outra startup que aposta em luxo e tem celebridades no meio é a Cansei Vendi, que tem a atriz Luana Piovani como uma das sócias. "Hoje, o valor médio de uma compra é de R$ 2,5 mil. Nós ajudamos o cliente a ter segurança por trás desse valor", afirma Leilane Sabatini, CEO da empresa. A startup nasceu como uma conta no Instagram e depois, devido a alta demanda, acabou se estruturando com um site próprio.

Para Mariana Rocha, professora de moda da Faculdade Santa Marcelina, os brechós online ainda têm um longo caminho para conquistar o mercado em geral. "Ainda é um movimento muito restrito a um grupo mais informado e envolvido com reaproveitamento. Além disso, há um desafio cultural na resistência às roupas usadas."

Dentro do setor, há a expectativa de que celebridades e o apoio de grandes marcas ajudem a mudar essa visão. "Agora, temos a chancela de um grande grupo falando que moda circular é o futuro", diz Luanna, da Troc.

Estadão
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