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Escritórios compartilhados buscam saídas durante e depois da quarentena

Popular entre startups e empresas que buscam ser inovadoras, modelo terá de ser revisto por questões de saúde e finanças

3 jun 2020 - 05h11
(atualizado às 10h50)
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Além do uso esperto de tecnologia, da predileção por apelidos baseados em animais fantásticos e de um vocabulário próprio, uma das ideias que as startups ajudaram a popularizar ao longo da última década foi o uso de escritórios compartilhados. Com bancadas coletivas, um estilo de decoração próprio e café ou água saborizada à disposição, esses espaços pipocaram nas grandes cidades do mundo, chamando a atenção de empresas que buscavam flexibilidade na hora de pôr a mão na massa. Agora, porém, com a onda de isolamento social e novas precauções por conta da pandemia do coronavírus, esse modelo se encontra numa encruzilhada.

O problema já começou por conta da quarentena, quando muitos desses espaços tiveram de fechar, obedecendo a ordens das autoridades. Em pesquisa realizada com 39 escritórios compartilhados no País, 92% deles afirmaram ter queda de faturamento no primeiro mês de pandemia - mais da metade, segundo o estudo feito pelo Instituto Nexxera e pelo Studio Sapienza, tiveram queda de receita entre 25% e 75%. É um impacto menor do que outros setores, mas ainda assim é significativo.

"Os espaços de coworking não foram afetados imediatamente como restaurantes. Estima-se que até 15% dos espaços devem fechar no Brasil, pois essa é uma crise de fluxo de caixa" diz Roberta Vasconcellos, fundadora da BeerOrCoffee, startup que funciona como uma plataforma de escritórios compartilhados. Por meio de uma assinatura, o usuário da empresa pode acessar coworkings em mais de 150 cidades brasileiras. "A crise deve afetar principalmente os nomes menores do setor", afirma a executiva.

O tamanho exato do impacto ainda é difícil de medir. Tanto startups quanto escritórios estão renegociando os seus contratos de aluguel de espaços para tentar baixar os custos durante a crise. "Por enquanto, apenas dois ou três espaços deixaram a nossa rede", diz Roberta. Na pesquisa da Nexxera, apenas 2%, ou um único espaço, afirmou que fechará as portas, enquanto 71% disseram que estão renegociando contratos como estratégia de retenção.

Renegociação

Esse é um movimento que acontece no Cubo, localizado na zona sul de São Paulo. O centro de startups administrado pelo banco Itaú não tem a locação como principal fonte de renda - a maior parte dos recursos vem do patrocínio de empresas interessadas em estar "perto da inovação". Isso não impediu o espaço de entrar num movimento de renegociação com as 130 startups e as 30 grandes empresas que mantêm seus braços de inovação no local.

"Procuramos as startups com um plano de auxílio enquanto o Cubo estiver fechado. Aquelas que ocupam até 10 cadeiras, pagarão por uma. As que têm mais de 10 cadeiras, pagarão por três", explica Pedro Prates, responsável pelo Cubo Itaú. Até o momento, nenhuma startup presente no Cubo fechou as portas - para estar no local, é preciso passar por um comitê de seleção e pagar pelo menos R$ 1 mil para cada posição no prédio.

Porém, o edifício de 13 andares que sedia o Cubo, no qual circulam entre 1 mil e 2 mil pessoas por dia, também é alugado, o que forçou a organização a se readequar. Prates não confirma se houve renegociação no contrato, mas diz que precisou rever e cortar diversos custos do local.

Maior empresa do setor, a ponto de ter virado sinônimo de escritório compartilhado, o WeWork também confirmou ao Estadão que foi afetado pela pandemia. Com 828 unidades em todo o mundo, a empresa já vinha tendo problemas antes mesmo da crise - no ano passado, a startup fundada por Adam Neumann cancelou seus planos de abertura de capital por problemas de governança e falta de solidez em seu modelo de negócios, com dificuldades para dar lucro.

O drama continua: no mês passado, a agência de notícias Bloomberg reportou que a avaliação de mercado da empresa foi reduzida para US$ 3 bilhões - na época do plano de abertura de capital, esse número girava em torno de US$ 47 bilhões. Mas a empresa não perde as esperanças. "Em alguns mercados em que nossas unidades já foram reabertas, como na Ásia, já é possível perceber que a demanda pelo produto da WeWork está muito relacionada à reavaliação, por parte das empresas, da necessidade de contratos de longo prazo", explica Lucas Mendes, diretor geral da companhia no Brasil.

Flexibilidade

Para Roberta, a flexibilidade é algo que pode ajudar o setor. "Os coworkings surgiram em 2008, após a crise do mercado imobiliário nos Estados Unidos. "Quem sobreviver à crise de agora vai crescer", afirma. E enquanto as startups e algumas companhias questionam se um espaço compartilhado vale a pena, outras podem se interessar pelo modelo justamente depois da quarentena, após serem forçadas a descobrir que podem funcionar longe de seus escritórios.

Além da flexibilidade de contratos, as empresas de qualquer tipo vão precisar de espaços com mais possibilidades. Estima-se que, ao mesmo tempo que procurarão escritórios menores, elas precisarão de mais espaço entre cada uma das pessoas - segundo a Organização Mundial da Saúde, o espaçamento de cadeiras deverá ser de 1,8 metro no escritório do futuro.

Até mesmo a localização dos escritórios deverá ser mais flexível. Um dos movimentos é que startups e empresas tentem colocar funcionários em espaços mais próximos de suas residências. Isso ajudaria a evitar o uso de transporte público, que tem potencial de aglomerações.

No final das contas, não é a quantidade café gourmet ou o móvel descolado que determina qual startup será a mais inovadora - uma aparência na qual muita gente acreditou. "O que torna faz uma startup ser uma startup não é o espaço físico ou o escritório", afirma André Barrence, diretor do centro Google for Startups Brasil. "É muito maior e estamos colocando isso à prova. É um bom momento para quem quer sair fortalecido."

Estadão
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