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Fracasso dos IPOs frustra cidade de São Francisco em 2019

Mau desempenho na bolsa de unicórnios como Uber, Lyft e Slack fez com que expectativas de explosão de milionários na cidade fosse frustrada

2 jan 2020 - 05h11
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Há sete meses, a rede Four Seasons de São Francisco enviou um comunicado à imprensa falando que em breve chegariam notícias promissoras: novas residências para os novos ricos. Estava em construção um prédio de 43 andares projetado em aço e vidro, com mármore francês da Savoia e móveis da Poggenpohl. O apartamento da cobertura, avaliado em US$ 49 milhões, seria o mais caro da cidade californiana. "Vamos atender a uma nova classe de compradores, bem no momento da nova onda de aberturas de capital (IPOs) milionárias na cidade", dizia a nota.

Mas a onda de ofertas públicas iniciais, que supostamente iria cunhar os novos super ricos da cidade, foi um fiasco. As ações da gigante Uber caíram quase 30% desde que a empresa entrou na bolsa em maio. Já os papéis da rival Lyft perderam perto de 40% do seu valor. Um declínio sentido também por Pinterest e Slack.

Ao fim do ano, parte dos trabalhadores em empresas de tecnologia sediadas em São Francisco ganharam dinheiro com ações, talvez acumulando algumas centenas de milhares de dólares. Mas isso não é muito para uma cidade onde o custo médio para a compra de uma residência gira em torno de US$ 1,6 milhão.

Os gestores de fortunas privados agora estão se reunido com uma clientela mais humilde. As incorporadoras vêm tendo de reduzir os preços dos imóveis - algo impensável há um ano.

O dinheiro antes estava tão perto: uma startup que coordenava passeios de cães levantou US$ 300 milhões. As valorizações das já gigantescas empresas de carona compartilhada quase que dobraram. O WeWork, uma startup que administra escritórios e possui uma parte muito pequena do seu próprio imóvel, estava avaliada em US$ 47 bilhões.

Arranha-céus

Diante de tanta expectativa positiva, torres surgiram por toda a cidade para fazer frente às necessidades dos novos milionários. Elas tinham mármore polido, pisos aquecidos nos banheiros e piscinas privadas.

"O mundo mudou em um ano", disse Herman Chan, corretor imobiliário da Sotheby's International. "Esperávamos uma trajetória ascendente, mas na verdade tudo se esvaziou. Essas companhias não estão morrendo, mas o clima cultural daquele momento, o ímpeto dos IPOs, passou. Ninguém mais fala disso", diz.

Os incorporadores imobiliários, que lutaram com problemas de regulamentação e zoneamento para construir suas residências de vidro, planejaram a conclusão de suas construções para a época dos IPOs. No entanto, o interesse que conseguiram despertar foi sobretudo de compradores estrangeiros - em sua maioria jovens herdeiros de fortunas estrangeiras e executivos mais velhos em busca de uma segunda residência na cidade.

Antes das aberturas de capital de tecnologia, Deniz Kahramaner, na época analista de dados do setor imobiliário da corretora Compass, reunia salas inteiras de corretores e investidores para falar sobre a bonança que tinham pela frente.

Ele exibia mapas e estimativas dos milhares de novos milionários, elevando o preço de algumas residências para mais de US$ 5 milhões. Agora ele está mais quieto. "O dinheiro vindo das aberturas de capital não chegou como mencionei na minha apresentação original", admitiu. Mas acrescentou que ainda é cedo. "As pessoas precisam de mais tempo."

Riqueza e sindicatos

No lugar dos iates, os trabalhadores do setor de tecnologia estão financiando objetivos mais prosaicos, como planos de poupança para a faculdade. "Este ano trouxe muitas pessoas de volta à realidade", disse Ryan S. Cole, consultor de patrimônio privado na Citrine Capital.

No entanto, alguns desses gestores afirmam que, de certo modo, se sentem aliviados. "O dinheiro só existe de verdade quando ele cai na conta", disse Jonathan DeYoe, também gestor de fortunas. "Tive clientes do Uber e Lyft que estão desapontados. A casa dos sonhos é diferente agora, assim como os planos para mandar os filhos para a faculdade. Mas ninguém ficou mais pobre."

Na medida em que os funcionários com posições hierárquicas mais baixas percebem que não vão enriquecer com ações das companhias de tecnologia, a atratividade de trabalhar longas horas sem um salário real comparável também está diminuindo.

Quem afirma isso são sindicalistas, que ganharam espaço num setor que sempre foi resistente a sindicatos. "A ideia era se sujeitar agora a condições difíceis para ter uma grande recompensa no futuro ", disse Paul Thurston, que estuda a sindicalização dos trabalhadores da área de tecnologia em São Francisco. "Agora, engenheiros, designers de apps e desenvolvedores vão ser tratados muito mais como os empregados que são em vez de serem tratados como sócios - que é o que lhes foi dito desde sempre."

Jonathan Wright, diretor da organização que reúne os engenheiros e cientistas da Califórnia, disse que vem mantendo conversas para sindicalizar os funcionários de várias grandes empresas de tecnologia. "A promessa era: você trabalha 100 horas por semana, dorme sobre sua escrivaninha e então será recompensado com a riqueza de Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo. Esse mito desapareceu há anos. A era do unicórnio acabou". /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Estadão
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