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Facebook paga US$ 20 por mês a usuário para espionar celular

Projeto da empresa pedia que pessoas entre 13 e 35 anos instalassem aplicativo capaz de monitorar todas as ações do smartphone

30 jan 2019 - 00h04
(atualizado às 08h54)
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Mais um escândalo de privacidade atinge o Facebook: foi descoberto um programa da empresa que paga US$ 20 ao mês para usuários de smartphones entre 13 e 35 anos nos Estados Unidos e na Índia pelo uso de um aplicativo de pesquisa, o Facebook Research. O programa, porém, dá acesso total às ações e informações do usuário no celular para a rede social controlada por Mark Zuckerberg. As informações foram reveladas pelo site americano especializado em tecnologia TechCrunch, em reportagem publicada na noite desta terça-feira, 29.

Segundo a publicação, o programa, chamado de Project Atlas, tem funcionamento semelhante ao do aplicativo de VPN (virtual private network, em inglês) Onavo, banido da loja de aplicativos oficial da Apple em agosto do ano passado. As redes privadas virtuais (VPN, em inglês) permitem que um dispositivo se conecte a um determinado servidor ou outro dispositivo de maneira privada, usando a infraestrutura pública da internet. Na prática, porém, esse tipo de aplicativo dá a quem opera a rede - no caso, o Facebook - acesso total às informações trafegadas pelo aparelho.

De acordo com o TechCrunch, o projeto foi iniciado em 2016 e pede para que usuários instalem um aplicativo em seus celulares iOS ou Android. A partir dele, a rede social é capaz de ver mensagens privadas em redes sociais, mensagens trocadas por apps como o WhatsApp, bem como buscas e atividades de navegação. A rede social chega a pedir até que os usuários compartilhem capturas de tela de suas compras na varejista Amazon.

Facebook aparece no centro de mais uma controvérsia sobre privacidade dos usuários
Facebook aparece no centro de mais uma controvérsia sobre privacidade dos usuários
Foto: Dado Ruvic/Ilustração / Reuters

"É um programa que dá ao Facebook acesso contínuo dos dados mais sensíveis do usuário. Muitos não serão nem capazes de ofercer consenso a esse acordo, porque não há nem como explicar quanto poder é entregue ao Facebook quando um contrato desses é assinado", declarou a consultoria de segurança Strafach, procurada pela reportagem para avaliar o projeto.

O programa é administrado a partir dos serviços de testes de aplicativos Applause, BetaBound e uTest - como forma de mascarar a participação da rede social no projeto. Para recrutar usuários, os serviços chegaram a veicular anúncios no Instagram e no Snapchat em busca de usuários, inclusive menores de idade. No caso destes, era pedida a autorização dos pais para participar do projeto. Em troca dos dados, os participantes recebiam vales-compra digitais no valor de US$ 20.

No contrato, os serviços Applause, Betabound e uTest diziam ao usuário que, ao aceitar as condições, ele estava "deixando nossos clientes coletar informações sobre quais aplicativos você tem no seu celular, como e quando você os utiliza, atividade de navegação e até mesmo quando o aplicativo utiliza criptografia."

Segundo o TechCrunch, o sistema viola as regras de aplicativos e testes da Apple. Uma das infrações é a de que o "app espião" só consegue ser instalado com uma rotina específica, liberada pela fabricante do iPhone a desenvolvedores internos - e não a qualquer usuário recrutado pela internet aleatoriamente. Ao ser questionado pelo site americano, um porta-voz do Facebook confirmou o projeto e disse que segue as regras da Apple, mas não soube explicar como isso é verdade quando confrontado com as infrações.

"Como muitas empresas, convidamos usuários a participar de pesquisas que nos ajudam a identificar coisas que podemos fazer melhor", disse o porta-voz. "Essa pesquisa é voltada para ajudar o Facebook a entender como as pessoas usam seu dispositivos móveis, de forma que nós explicamos o tipo de dados que coletamos. Não dividimos esses dados com terceiros e as pessoas podem deixar de participar a qualquer momento".

O que mais chama a atenção na reportagem do TechCrunch é o fato de que o Facebook praticamente reutilizou a infraestrutura e o código do Onavo para o novo aplicativo, alterando apenas alguns aspectos visuais e de interface. Antes de ser banido pela Apple, o Onavo já havia sofrido críticas: reportagem feita pelo Wall Street Journal em 2017 mostrou que o aplicativo foi vital para o Facebook espiar o rival Snapchat, antes de lançar ferramentas de mensagens efêmeras como Instagram Stories e WhatsApp Status.

O Onavo, vale lembrar, foi criado por uma startup homônima, comprada por US$ 120 milhões pela empresa de Mark Zuckerberg em 2013. O serviço também foi utilizado pela rede social para descobrir, por exemplo, que o fluxo de mensagens do WhatsApp era o dobro do Facebook Messenger - munindo a empresa de argumentos para pagar US$ 16 bilhões pelo app de mensagens mais popular do Brasil hoje em dia. Apesar do banimento pela Apple, o Onavo Protect continua disponível para download no Android - e contabiliza mais de 10 milhões de usos.

Hoje, por exemplo, o Facebook está preocupado com a quantidade de adolescentes que tem deixado sua rede social principal e migrado para aplicativos como Snapchat, YouTube e o chinês TikTok, recentemente "clonado" pela empresa de Mark Zuckerberg. No entanto, a sede da companhia por dados de seus usuários deve ser questionada - nesta quarta-feira, 30, a empresa divulga seus resultados financeiros para o período entre outubro e dezembro de 2018.

Também impressiona a audácia do Facebook em desafiar as regras da Apple mais uma vez - nos últimos tempos, os presidentes executivos das duas empresas têm trocado farpas em público. No ano passado, após a explosão do caso Cambridge Analytica, Tim Cook criticou o rival. "Nós poderíamos ganhar muito dinheiro se nossos usuários fossem o nosso produto, mas escolhemos não fazer isso", disse ele, em entrevista à emissora americana NBC. Zuckerberg retrucou dizendo que a Apple fazia produtos pouco acessíveis à população. O TechCrunch informou a Apple sobre o projeto, mas a empresa não respondeu imediatamente sobre o assunto.

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