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'Escritório inteligente' ganha espaço, mas mistura de vida pessoal e trabalho preocupa

Especialistas apontam que, com mais dispositivos em casa, compartilhamento de dados e vulnerabilidades podem afetar o negócio das empresas, que ficam mais expostas

4 dez 2021 - 05h11
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Dispositivos domésticos inteligentes chegaram às nossas salas de estar e quartos em todo o mundo para nos ajudar a desligar as luzes e a trancar as portas remotamente. Agora esses produtos estão conquistando um novo território: nossos escritórios em casa.

Grandes empresas de tecnologia, incluindo Amazon, Meta (empresa-mãe do Facebook) e Google, estão expandindo os aplicativos de trabalho para a casa inteligente, controlada por um grupo de dispositivos conectados que podem ser acessados remotamente.

A pandemia do novo coronavírus confundiu os limites entre a vida doméstica e profissional das pessoas. Como resultado, alguns trabalhadores estão pedindo à Alexa ou ao assistente do Google para agendar reuniões virtuais, buscar metas de faturamento ou lembrá-los sobre eventos importantes em seus calendários de trabalho. E, embora todos esses recursos de produtividade no trabalho possam adicionar conveniência ao trabalho em casa, os especialistas dizem que também estão levantando questões de segurança e privacidade que podem custar aos funcionários e às suas empresas se não forem gerenciadas de maneira adequada.

"As linhas ficaram todas borradas durante a pandemia. Tudo está se transformando em telas ", disse Mark Queiroz, vice-presidente e gerente geral de marketing de produto da divisão de monitores da Samsung.

Dispositivos domésticos inteligentes, como a caixa de som Echo ou a linha Nest de termostatos inteligentes, alarmes de fumaça e campainhas, são agora considerados uma tecnologia convencional, de acordo com uma pesquisa da empresa de pesquisa de mercado International Data. E os consumidores também estão se animando com a ideia de usar seus dispositivos domésticos inteligentes para fins de trabalho: quase 50% das cerca de 1,7 mil pessoas entrevistadas que trabalham e possuem um dispositivo doméstico inteligente disseram que estariam dispostas a usar os dispositivos para o trabalho para fins como chamadas de videoconferência ou para recuperar os números de vendas mais recentes do software relacionado ao trabalho conectado.

"Em breve, cada pessoa poderá ter 10 dispositivos vinculados a ela", disse Mark Ostrowski, chefe de engenharia da empresa de segurança cibernética Check Point Software. "Dez dispositivos por pessoa vezes uma casa de quatro - são 40 dispositivos para entrada", disse ele, referindo-se aos pontos de entrada que poderiam ser alvos de hackers.

Mesmo assim, as grandes empresas de tecnologia esperam aproveitar a oportunidade.

Os funcionários que usam o Alexa, o assistente virtual da Amazon, podem participar de reuniões do Zoom com um simples comando de voz no smart display da Amazon chamado Echo Show. Com os mesmos dispositivos habilitados para o Alexa, eles também podem ser lembrados em um momento específico sobre detalhes em suas listas de tarefas ou compromissos do dia, ouvir música específica e ler seus e-mails em voz alta para os quais possam responder verbalmente.

A Amazon tem cortejado clientes corporativos com a Alexa for Business, que ajuda as empresas a implantar e gerenciar dispositivos habilitados para Alexa, desde 2017. Embora tenha conquistado clientes como a General Electric, o grupo de mídia Condé Nast e o sistema de saúde sem fins lucrativos Hawaii Pacific Heath, a empresa lista apenas um pouco mais de uma dúzia de clientes corporativos. E, em 2018, o WeWork supostamente interrompeu seu piloto do Alexa for Business, embora a empresa não tenha especificado o motivo para isso.

Mas os dispositivos habilitados para a Alexa têm um histórico de gravações sigilosas de conversas. Às vezes, o dispositivo é ativado depois de ouvir o próprio nome, ou algo que soa como seu nome, mesmo quando seus usuários nunca tiveram a intenção de ativá-lo. Essas conversas - que no atual ambiente de trabalho remoto podem muito bem estar relacionadas ao trabalho - têm o potencial de serem ouvidas por indivíduos que trabalham para melhorar o reconhecimento de voz do Alexa se as pessoas que usam seus dispositivos pessoais habilitados não optarem por sair dos processos.

Para clientes empresariais, a Amazon disse que todas as interações com a Alexa são anônimas e não vinculadas a nenhum usuário individual. E que, por padrão, as gravações de voz não são salvas.

"Nós definitivamente vemos a Alexa desempenhando um papel maior no trabalho no futuro. Os clientes nos contam como Alexa não apenas os ajuda a fazer mais ao longo do dia, ajudando-os a trabalhar de forma mais inteligente, produtiva e segura", disse Liron Torres, chefe da Alexa Smart Properties, na Amazon.

O Google, que também permite que usuários optem pela revisão humana e salvamento de gravações, tem uma história semelhante com dispositivos equipados com o assistente ativado por voz. O Google também é conhecido por explorar as atividades online dos usuários para lhes oferecer melhores anúncios.

Semelhante à Amazon, o Google visa a equipar os trabalhadores com ferramentas de produtividade que podem ajudar no trabalho. Por exemplo, os usuários agora podem criar rotinas do dia de trabalho que os lembram automaticamente sobre os compromissos anotados em suas agendas, bem como quando deveriam fazer uma pausa ou tomar um copo d'água. Esse recurso foi lançado durante a pandemia.

Antes da pandemia, os trabalhadores já podiam usar o assistente do Google para ações como criar listas de tarefas e itens de calendário, armazenar lembretes e entrar automaticamente em videochamadas no display inteligente da empresa chamado Nest Hub Max, que começou a dar suporte ao Zoom no final do ano passado.

Facebook quer entrar no 'escritório inteligente'...

O Facebook também quer participar da ação no mundo do trabalho, mas também teve seus próprios problemas de privacidade.

A empresa, que recentemente mudou seu nome corporativo para Meta, disse no início da pandemia que redefiniu suas prioridades para o Portal. O dispositivo, alimentado por seu próprio assistente virtual - chamado de Assistente do Facebook - e a Alexa, lembra um tablet e possui um alto-falante inteligente e uma câmera que segue as pessoas pela sala enquanto elas conversam.

"Tivemos vários usuários que viram que seu dia de trabalho consistia em entrar e sair de diferentes serviços de vídeo", disse Micah Collins, diretor de gerenciamento de produto da Meta. "Vimos reais pontos problemáticos de muitos usuários do Portal e nos concentramos nisso".

Os usuários do Portal agora podem usar seus dispositivos para fazer chamadas de vídeo em serviços como BlueJeans, GoToMeeting, Webex e Zoom. Também conseguem integrar suas agendas de trabalho a partir de serviços como do Google e da Microsoft. E as empresas também podem implementar e gerenciar um grupo de dispositivos para seus funcionários por meio de contas especiais de trabalho.

Mas, em 2019, o Facebook foi punido com uma multa histórica de US$ 5 bilhões da Federal Trade Commission (FTC) por violar a privacidade dos consumidores. A FTC investigou a empresa depois que o gigante das redes sociais deixou até 87 milhões de dados de usuários vulneráveis à empresa de análise de dados Cambridge Analytica antes da eleição presidencial de 2016 nos EUA. Desde então, a empresa vem sendo grandemente penalizada por maciças violações a dados de usuários e está sendo atentamente examinada pela quantidade de dados coletados dos usuários.

... assim como a Samsung

Enquanto isso, a gigante de eletrônicos de consumo, Samsung, espera obter mais monitores conectados que façam tudo em um dispositivo independente. Assim, os funcionários podem usar um software como o Microsoft 365, complementar suas telas de laptop e desktop e assistir a entretenimento por streaming também. Isso significa adicionar mais telas nas casas de mais funcionários. Mais telas significam mais conexões e mais riscos, dizem os especialistas em segurança.

Eles dizem que os consumidores devem ter cuidado ao misturar seus dados e dispositivos pessoais e profissionais. Os trabalhadores podem estar criando novas oportunidades para que os criminosos roubem informações confidenciais da empresa, mesmo que pareçam estar bem protegidas por um software de segurança.

Michael Siegel, diretor de segurança cibernética do MIT Sloan, disse que poderia ser tão simples quanto alguém invadir o termostato inteligente ou alarme de fumaça da casa de uma pessoa, por exemplo. Nesse caso, tudo o que eles precisam fazer é aumentar a temperatura da casa ou disparar o alarme de fumaça na tentativa de fazer com que você desligue o alarme de fumaça para que eles roubem sua casa.

"Quanto mais estivermos conectados ao nosso escritório, mais expostos estaremos às atividades da mal-intencionadas da engenharia social", disse ele. "Todas essas coisas podem fazer com que você baixe a guarda."

Além de roubar fisicamente um dispositivo - e todos os seus dados - os criminosos também terão mais maneiras de obter dados corporativos confidenciais à medida que as pessoas aumentam o número de dispositivos que se conectam a elas, dizem os especialistas.

Ari Lightman, professor de mídia digital e marketing da Faculdade Heinz de Sistemas de Informação e Políticas Públicas da Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, Pensilvânia diz: "Se houver um mecanismo a ser explorado, os bandidos tentarão fazê-lo".

Problemas de privacidade

Mas os trabalhadores podem não apenas estar aumentando sua exposição a hackers, como também potencialmente a seus empregadores. Adam Wright, analista sênior da empresa de segurança e tecnologia da informação IDC, disse que os dispositivos domésticos inteligentes como o Portal, do Facebook, deveriam ser considerados como laptops fornecidos pela empresa, facilmente ser monitorados pelos empregadores. Aos funcionários do Facebook, por exemplo, foram oferecidos dispositivos gratuitos do Portal após o início da pandemia para ajudar nas reuniões virtuais. Mas os dispositivos deveriam ser manuseados com cautela, sugeriu Wright.

"Empregadores têm todas as habilidades para monitorar seus funcionários com seus dispositivos", disse Wright. "Seria incrivelmente ingênuo supor que o mesmo tipo de práticas de monitoramento de funcionários usadas em dispositivos tradicionais, como laptops e smartphones, não fosse ser usado em outros dispositivos fornecidos pelo empregador, como monitores inteligentes e alto-falantes inteligentes".

Trabalhadores que estão usando seus dispositivos domésticos inteligentes para o trabalho deveriam fazer algumas coisas, disse Pardis Emami-Naeini, pesquisadora do Laboratório de Pesquisa de Segurança e Privacidade da Universidade de Washington. Primeiro, eles precisam se familiarizar com a privacidade e a segurança de seus dispositivos inteligentes de casa para entender o que podem precisar fazer para proteger seus dados e os de sua empresa da melhor maneira possível. Essas pessoas também deveriam atualizar o dispositivo regularmente, se este não for atualizado automaticamente, para evitar vulnerabilidades de segurança adicionais, assim como fariam com seus smartphones.

"Agora que o propósito (do dispositivo) é diferente, eles não deveriam presumir que as práticas normais de seu comportamento diário vão funcionar", disse Emami-Naeini. "O objetivo é diferente e os dados que eles compartilham são mais confidenciais."

Mark Ostrowski, da Check Point, empresa de segurança na internet, disse que a responsabilidade não recai apenas sobre o trabalhador, mas também sobre o empregador, que deve fazer de tudo para proteger seus dados e rede, mesmo que o dispositivo pessoal de uma pessoa seja comprometido.

"Tem menos sobre o que fazer para proteger ou perseguir 10 mil funcionários para se assegurar de que a própria higiene digital está boa. Tem mais a ver sobre como se pode ter certeza de que quando eles vierem para o ambiente corporativo, eles não tenham a chance de trazer uma pegada mal-intencionada junto com eles ", disse.

Janneke van Ooyen, gerente de comunidade de uma empresa de gaming em Barcelona, que recentemente equipou sua casa com oito luzes inteligentes, uma barra de som inteligente e um Amazon Echo Dot, disse que ainda não está segura para usar esses dispositivos para fins de trabalho.

"Como os dados são muito confidenciais e não se sabe onde ficam armazenados - essa seria minha maior preocupação para não" usá-los, disse ela. "Trabalhamos com muitos licenciadores, então, se algo vazasse, seria muito ruim". / TRADUÇÃO DE ANNA MARIA DALLE LUCHE.

Estadão
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