E o Brasil virou uma rede social
Quem acompanha conversas nas redes sociais entende que os eleitores estão com raiva
Imagine, caro leitor, se Ciro Gomes (PDT) desse uma espetacular arrancada nestes últimos dias, desbancasse Fernando Haddad (PT), e no domingo chegasse ao segundo turno para disputar com Jair Bolsonaro (PSL) a finalíssima desta eleição. Não vai, daqui, nenhuma torcida. Ciro entra no raciocínio por um único motivo: é ele, e não qualquer outro, quem está em terceiro. Estivessem nesta posição Geraldo Alckmin (PSDB) ou Marina Silva (Rede) ou ainda João Amoêdo (Novo), também para eles valeria. Ocorre que é Ciro.
Estatisticamente, nada indica que um movimento destes esteja em curso.
Então, numa arrancada final, Ciro chega ao segundo turno. Com baixa rejeição perante o adversário, e num clima de otimismo daqueles que só nasce quando algo próximo do impossível é feito, muito provavelmente seria embalado rumo à vitória. A verdade, e a gente vê isso tanto nas pesquisas quanto sente em nossas conversas cotidianas, é que tem gente com horror ao PT. E tem gente com horror a Bolsonaro. Há horror a esses dois, mas não aos outros.
Aliás, muitos dos que votam em Haddad votariam noutros; muitos dos que votam em Bolsonaro, idem.
Nós já assistimos a vitórias eleitorais em ambientes de otimismo e generosa expectativa. Foi assim com Fernando Henrique, em 1994. Assim como foi com Lula, em 2002. Um parecia ter terminado com a hiperinflação - e, para quem não viveu, acreditem: era um pesadelo. Vindos da Ditadura, do Sarney e do Collor, parecia que enfim o Brasil iniciaria seu futuro. Com a chegada de Lula não foi diferente. Até o próprio FH era só sorrisos passando a faixa. Tínhamos um país normal, com transições normais, em que grupos políticos são sucedidos por outros.
Sim, os eleitores de Bolsonaro e Haddad poderiam votar em outros - mas não vão fazê-lo. E quem acompanha as conversas das redes sociais — do Facebook ao Twitter, passando pelo WhatsApp - entende logo seu estado de espírito. Eles têm raiva. Petistas querem ir à forra contra o "sistema". Bolsonaristas querem humilhar. É bom "jair" acostumando. Não basta ganhar, é preciso lacrar, deixar o vencido de joelhos. Quando entram num embate, não importa em qual caixa de comentários, é com gana que o fazem. Têm verdades e uma forte carga emocional. Têm, principalmente, não adversários - mas, sim, inimigos.
O clima das redes sociais se tornou o clima das ruas. No domingo, quando formos às urnas para muito possivelmente levar PT e Bolsonaro ao segundo turno, sabemos que estamos criando um embate entre dois pesadelos brasileiros. Nossa história de corrupção, nossa história ditatorial. Não poderemos escolher entre o melhor que o Brasil pode ser. Teremos de suspirar e tentar compreender o que é menos pior.
Que profunda tristeza, esta escolha.
Se o eleitor de Bolsonaro poderia escolher alguém que causaria menos dor aos outros, mas não o faz, ele está mandando um recado. Se o eleitor de Haddad faz o mesmo, passa a mesma mensagem. É isto que têm em comum. A mensagem é: queremos continuar brigando pelos próximos quatro anos. Pois, elegendo-se um ou outro, ao menos metade do Brasil estará profundamente insatisfeita.
A internet das redes sociais produz conversas ásperas. Ao levar para lá nossa conversa sobre política, a política virou destilação de ódio, rancores passados e lacração. Com a diferença de que, aqui fora, não tem como dar block. O Brasil poderia escolher um caminho eleitoral que apontasse uma terceira via, poderia escolher o apaziguamento e buscar otimismo. Mas não é o clima que, coletivamente, escolhemos seguir. Escolhemos seguir brigando.
E assim essa terra cumprirá seu ideal: vai tornar-se um imenso Facebook.