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Como as conversas do TikTok com a Microsoft viraram uma novela

O que para ser um negócio pequeno e benéfico se tornou um pesadelo para ambos os lados

27 ago 2020 - 05h10
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Quando a Microsoft iniciou negociações com a ByteDance, empresa controladora do aplicativo de vídeo TikTok, nenhuma delas tinha intenção de buscar um acordo arrasador.

Com as tensões entre Estados Unidos e China, juntamente com as complexidades de administrar uma rede social, uma grande aquisição parecia por demais arriscada. Assim, a Microsoft decidiu adquirir uma pequena participação no TikTok e se tornar um investidor minoritário da companhia, segundo pessoas próximas das conversas. Mesmo um acordo menor seria benéfico para as duas partes, era o que se pensava.

Para a Microsoft, um investimento minoritário potencialmente levaria o TikTok a usar o serviço de computação na nuvem Azure, e imediatamente se tornar um dos maiores clientes na nuvem da Microsoft (o TikTok utiliza hoje o serviço de computação na nuvem do Google).

Para a ByteDance e o próprio TikTok, um acordo com a Microsoft ajudaria a impulsionar a valorização do serviço de aplicativo fora da China, que alcançaria até US$ 80 bilhões. E também propiciaria o endosso de uma companhia americana líder de mercado de modo a apaziguar o governo Trump, que qualificou os vínculos chineses do TikTok uma ameaça à segurança nacional.

Mas o que começou como discussões sobre um pequeno investimento transformou-se numa grande e conturbada novela política. Empurrada pelo presidente Trump, que ordenou que as operações do aplicativo nos Estados Unidos fossem vendidas ou encerradas, a ByteDance agora discute vender partes das operações globais do TikTok para vários interessados potenciais. E com tantos grupos se juntando às conversações para obter uma fração de qualquer acordo, todos tentam orientar as negociações no sentido de seus próprios interesses e agendas.

Além da Microsoft, entre os outros candidatos está a Oracle, empresa de software empresarial. Bancos e investidores, alguns autorizados e outros simplesmente tentando conseguir um acordo, também falaram com Netflix, Twitter e a operadora Verizon sobre comprar o TikTok, mas não se sabe ao certo se essas empresas têm um real interesse numa aquisição.

A Microsoft, que conta com os maiores recursos e tem um valor de mercado de mais de US$ 1,6 trilhão, parece a mais adiantada no momento, disseram as pessoas ligadas às discussões.

Mesmo se uma venda da TikTok for realizada - o que será um referendo sobre a relação entre China e Estados Unidos - ainda assim ela pode ser afetada se Pequim ou Trump intervirem. Trump está profundamente interessado na questão, tendo mantido conversas com o presidente executivo da Microsoft, Satya Nadella, e afirmado que a Oracle poderia comprar o aplicativo.

Em 6 de agosto, por meio de uma ordem executiva, ele estabeleceu o prazo de 15 de setembro para as operações do TikTok nos Estados Unidos serem vendidas. Na segunda-feira, 24, o TikTok acionou judicialmente o governo alegando que a ordem executiva careceu do processo devido. A ação deve dar mais tempo para a empresa operar nos Estados Unidos se os tribunais assim ordenarem, uma tática protelatória que ajudará o aplicativo a funcionar até passar a eleição.

Steven Davidoff Solomon, professor de Direito na universidade da Califórnia, em Berkeley, afirmou que os Estados Unidos forçarem uma grande companhia a se colocar à venda "é um ato que não tem precedentes". E acrescentou que "esta é uma venda forçada e a ByteDance quer evitar o máximo possível uma venda tipo queima de estoque".

Este relato das discussões sobre o acordo da TikTok foi baseado em entrevistas com mais de uma dezena de pessoas envolvidas ou informadas da situação. Elas falaram sob condição de anonimato porque não estão autorizadas a discutir o assunto publicamente. Representantes de TikTok e ByteDance, Microsoft, Netflix, Twitter, Oracle e Casa Branca não quiseram comentar a respeito.

Um porta-voz do TikTok e da Byte Dance, Wag Wenbin, qualificou a ordem executiva de Trump de "puro ato de intimidação", acrescentando que o governo dos Estados Unidos vai acabar "colhendo o que semeou".

A rede social de vídeos, criada pela ByteDance, decorrente de uma compra por US$ 1 bilhão do aplicativo Musical.ly em 2017, se tornou um fenômeno nos Estados Unidos e em outros lugares. Mais de 100 milhões de americanos o utilizam regularmente, especialmente adolescentes e jovens.

No ano passado, as tensões entre Estados Unidos e China se intensificaram e o Committee on Foreign Investment, uma comissão poderosa conhecida como CFIUS e que examina aquisições estrangeiras, abriu uma investigação sobre o acordo de compra do Musical.ly pela ByteDance, depois que parlamentares expressaram preocupação de que o TikTok estaria fornecendo dados de usuários americanos para Pequim.

O TikTok negou que colabora com Pequim. Para reduzir a pressão americana, Zhang Yiming, diretor executivo da ByteDance, iniciou consultas com um pequeno grupo de investidores da sua companhia de internet, incluindo a Sequoia Capital e a General Atlantic. A ByteDance, empresa privada, está avaliada em US$ 100 bilhões.

Doug Leone, um dos sócios da Sequoia, e Bill Ford, diretor da General Atlantic, serviram de ponte de Zhang para a Casa Branca. Nas suas conversas, o governo Trump estabeleceu condições específicas. Em primeiro lugar, exigiu uma reformulação da estrutura de governança e acionistas do TikTok para reduzir a propriedade da ByteDance sobre a rede social. Em segundo lugar, exigiu garantias de que os dados dos usuários americanos do aplicativo sejam armazenados num servidor nos Estados Unidos.

As empresas necessitavam de um grande parceiro de tecnologia nos Estados Unidos para realizar o acordo. Zhang e os investidores acharam que Facebook, Google e Amazon estavam sob investigação muito cerrada por parte dos órgãos antitruste. Mas a Microsoft, com um caixa de US$ 137 bilhões, experiência em operações na nuvem e um robusto relacionamento com o governo, poderia ser o caminho certo.

O tempo todo autoridades do governo ficaram atentas à situação. No mês passado, o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, chairman do CFIUS e que tem a palavra final nas recomendações da comissão sobre a compra da Musical.ly pela ByteDance, conversou com a TikTok e a Microsoft sobre como os dados do aplicativo devem permanecer em servidores dos Estados Unidos.

Em 31 de julho, Mnuchin apresentou a análise da CFIUS sobre a compra do Musical.ly pela ByteDance para Trump, recomendando que a companhia chinesa fosse ordenada a vender o TikTok para uma companhia americana, com a Microsoft adquirindo a maior parte das operações do aplicativo e a participação mantida por acionistas chineses da ByteDance reduzida a um investimento minoritário.

Mas no fim daquele dia, a bordo do Air Force One, Trump disse que pretendia banir o TikTok inteiramente. Vários assessores ficaram furiosos com a mudança de planos, dizendo que políticos radicalmente contrários à China, como Peter Navarro, diretor de políticas de comércio e manufatura da Casa Branca, haviam exercido muita influência, segundo funcionários da Casa Branca e pessoas próximas do presidente.

Num comunicado, Navarro afirmou que "ninguém exerce influência" sobre o presidente Trump. Ele ouve atentamente as diversas opiniões com frequência e depois profere a sua melhor e mais bem informada decisão".

As 72 horas seguintes foram caóticas. Vazaram notícias de que a Microsoft estava negociando a compra do TikTok. Empresas de private equity e bancos entraram na história. Por um breve período, Stephen A. Schwarzman, diretor executivo do Blackstone Group, também se apresentou, segundo pessoas próximas das conversações. Mas a Blackstone não quis falar a respeito.

Neste mesmo fim de semana, Trump conversou com Nardela, informando que a ByeDance tem 45 dias para concluir uma venda das operações do TikTok nos Estados Unidos. E acrescentou que qualquer acordo ajudaria o governo dos Estados Unidos de alguma maneira, talvez na forma de criação de emprego ou outros benefícios econômicos ou algum tipo de oferta para o Departamento do Tesouro.

Executivos da Microsoft e do TikTok ficaram chocados. O prazo de 45 dias colocava o TikTok em desvantagem para negociar o melhor acordo. E Trump também pareceu estar defendendo "uma gorjeta", basicamente exigindo uma porcentagem da venda para o Tesouro.

Em dois de agosto, a Microsoft divulgou comunicado sobre as negociações de aquisição da rede social declarando que o acordo "traria benefícios econômicos para os Estados Unidos, incluindo o Tesouro americano". Mas não forneceu mais detalhes.

Alguns dias depois, Trump assinou a ordem executiva para bloquear o TikTok se não fosse vendida até meados de setembro. E uma semana depois expediu nova ordem dando à ByteDance 90 dias para fechar um acordo.

Desde então outros interessados potenciais surgiram, incluindo a Oracle. A ByteDance, colocada contra a parede pela Casa Branca, busca o melhor preço para seu aplicativo e não só de um interessado, no caso a Microsoft. Sentindo a fraqueza da ByteDance, muitos potenciais compradores estão analisando atentamente o aplicativo que é cada vez mais popular e que cresce rapidamente. Tudo isto pode afastar a Microsoft de uma compra. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Estadão
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