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Bolsonaro edita MP e adia entrada em vigor da lei de dados para maio de 2021

Recebida com surpresa, medida pode gerar insegurança jurídica e passa por cima de acordos feitos no Congresso, na visão de especialistas e juristas ouvidos pelo 'Estado'

29 abr 2020 - 20h42
(atualizado às 22h44)
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O presidente Jair Bolsonaro editou nesta quarta-feira, 29, uma medida provisória (MP) que adia a entrada em vigor da a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). A lei entraria em vigor em agosto deste ano e agora, segundo a MP, passará a vigorar a partir de 3 de maio de 2021. A Medida Provisória tem duração de 120 dias para ser analisada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, - o que, na visão de especialistas e fontes jurídicas ouvidas pelo Estado, aumentar a insegurança jurídica em torno do tema. Isso porque, caso a MP não seja analisada ao longo do prazo de 120 dias, ela caduca e pode ter como consequência a entrada instantânea da lei em vigor, no final de agosto.

A edição da MP foi recebida com surpresa pelo mundo jurídico, uma vez que um adiamento para a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados já vinha sendo discutido no Congresso. Em março, o projeto de lei 1.179/2020, do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), propôs adiar para agosto de 2021 o prazo para as novas regras. Após negociação, o texto foi aprovado no Senado Federal com alteração da entrada em vigor para janeiro de 2021. A proposta aguardava votação na Câmara dos Deputados para, então, ser levada à sanção presidencial.

Na visão de especialistas e fontes jurídicas ouvidas pelo Estado, a MP aumenta a insegurança jurídica em torno do tema, uma vez que denota mais uma mudança para a entrada em vigor da lei, com uma nova proposta de data que precisará ser, mais uma vez, debatida pelo Congresso e pela sociedade civil. Segundo Danilo Doneda, membro do Conselho Nacional de Proteção de Dados e Privacidade, a edição da MP torna o processo para a entrada em vigor da lei "mais complicado". "Há uma possibilidade concreta de que a Câmera atue na votação do PL, mas agora, o Congresso terá de modificar a MP para evitar que entremos numa situação muito confusa."

"O fato de se editar uma Medida Provisória mostra a relevância do tema. Porém, a MP passa por cima de um acordo que já havia sido alcançado no Senado", afirma o diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), Carlos Affonso Souza. "A especulação é de que o setor privado precisa de mais tempo para se adequar aos termos da lei e para o poder público estruturar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados", afirma, fazendo referência ao órgão governamental que será responsável por fiscalizar o bom cumprimento da lei.

Na visão de Souza, porém, o adiamento é uma má notícia. "No atual estado de combate ao coronavírus, a LGPD não devia ser postergada. A gente precisa dela em vigor hoje, para dar conta das situações envolvendo tratamento de dados." Entre elas, está o uso de dados de geolocalização dos smartphones dos brasileiros, por operadoras, gigantes de tecnologia e startups, para saber se há respeito às medidas de isolamento social recomendadas pelas autoridades. O tema tem provocado polêmica nas últimas semanas.

Para Bruno Bioni, fundador e professor do Data Privacy Brasil, "a prorrogação da LGPD é ruim não só para o cidadão, mas também para o próprio governo, que precisa de uma agenda econômica positiva". Isso porque, segundo o especialista, há vários acordos e contratos econômicos internacionais, com blocos como a União Europeia e a OCDE, que dependem que o Brasil tenha uma legislação de proteção de dados para poderem ser validados. "A LGPD tem um efeito colateral positivo, que é destravar um mercado econômico, algo essencial para a retomada do País."

Na visão de Doneda, que também é professor do Instituto Brasiliense de Direito Público, a nova data para entrada em vigor da LGPD é arbitrária. "É uma data inexplicável, talvez só porque é a primeira segunda-feira daqui a um ano. É algo que mostra o amadorismo como a proteção de dados vem sendo tratada pelo Executivo Federal. É simbólico para que a MP seja contestada no Congresso", afirma.

Segundo José Eduardo Pieri, sócio do escritório BMA Advogados, a edição de uma medida provisória não segue o "rito correto" para o tema, além de não ser a medida mais urgente. "O Executivo teve o tempo de vacância da lei para organizar a ANPD, que caso estivesse constituída, diminuiria os danos de não termos uma legislação sobre o tema. Organizar a ANPD, mais do que mudar a data da lei de dados, é que é uma medida urgente."

Vale lembrar que esta não é a primeira MP editada sobre o tema de proteção de dados: há duas semanas, o governo utilizou o mesmo recurso para ordenar que as operadoras cedam ao IBGE dados sobre a movimentação dos brasileiros - a medida foi derrubada pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber.

Estadão
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