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'Supremo tem de retomar a colegialidade', diz cientista político

Para o professor de Direito Oscar Vilhena, ministros da Corte devem evitar excesso de decisões individuais

6 jan 2019 - 05h11
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Professor de Direito da FGV-SP, o cientista político Oscar Vilhena afirma que o Supremo Tribunal Federal (STF) vive um momento de crise no contexto de um governo que tem se demonstrado hostil a parcelas da Constituição. "É um mau momento para se ter essa crise", afirmou ele em entrevista ao Estado.

Autor do recém-lançado A Batalha dos Poderes (Cia. das Letras), ele disse ver a necessidade de o STF retomar a "colegialidade". "A colegialidade foi se esgarçando e tem momentos de crise", afirmou Vilhena, em referência ao recente embate entre os ministros Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli. Em dezembro, Marco Aurélio suspendeu a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. No mesmo dia, Toffoli, presidente do STF, cassou a decisão.

PRISÃO EM 2ª INSTÂNCIA.

O Supremo já vem com uma divisão interna há um período muito longo. A colegialidade foi se esgarçando e tem momentos de crise. Este é um momento como outros. Evidentemente que isso se dá num contexto de um novo governo que tem se demonstrado hostil a parcelas da Constituição. É um momento ruim para se ter essa crise. Os ministros têm desafiado com muita frequência o plenário. É uma situação de confronto que já vem aberta. Não me surpreendeu (a decisão de Toffoli que contrariou Marco Aurélio). Se a presidência já marcou uma data para a solução, acho pertinente, independentemente do mérito da questão, que os ministros discordem. Agora, como é um tema sensível e há uma discordância forte, temos de aguardar o plenário decidir. Essa questão do duplo grau já deveria ter sido resolvida pelo plenário, o que teria evitado esse conflito.

DECISÕES MONOCRÁTICAS.

É um problema crônico do tribunal. O STF tem, a meu ver, uma sobreposição de competências que é inadequada. O Supremo Tribunal Federal brasileiro tem dois problemas fundamentais. É uma constituição muito extensa e, por isso, gera uma litigiosidade muito grande. É um problema de desenho, não do Supremo. Ele foi desenhado dessa maneira. É uma corte constitucional, uma corte de recursos dos tribunais e um tribunal que julga de maneira especializada, com o foro privilegiado. O acúmulo de todas essas atribuições é um erro. Para dar conta dessa quantidade de competências, o tribunal foi, ao longo dos anos, delegando competências do plenário aos ministros. Hoje, mais de 95% das decisões do STF são monocráticas.

EMBATE ENTRE MINISTROS.

No plenário, por mais intenso que seja, um embate é resolvido institucionalmente. Um grupo é derrotado, outro é vitorioso. É algo positivo. O problema não é discordarem rigorosamente. A questão é que nós, jurisdicionados, merecemos que haja uma lei que valha para todos. E isso depende de o Supremo tomar decisões colegiadas que ponham fim a conflitos. Ao delegar essas decisões para os ministros, que tomam decisões muitas vezes satisfativas para casos específicos, a lei não se torna algo igual para todos.

AGENDA DA CORTE EM 2019.

Esse questionamento sobre a autoridade do Supremo preocupa no contexto de um governo bastante heterodoxo que, embora diga a todo momento que a Constituição é fundamental, o que é muito positivo, tem diversos membros com discursos hostis a aspectos da Constituição. É um momento em que o papel do Supremo é muito importante. Um mau momento para estar fragilizado.

DIRETRIZ DO SUPREMO.

A diretriz essencial é retomar a colegialidade. Por isso, o embate (entre Marco Aurélio e Toffoli) foi ruim. Na medida em que retoma a colegialidade, contribui para retomar a credibilidade. É a regra número 1. O Supremo só deveria decidir monocraticamente medidas decididas exaustivamente pelo plenário.

NOMEAÇÃO DE MINISTROS.

Espero que não (haja mudanças no processo de escolha de ministros do STF). É um sistema consolidado historicamente no Brasil. Se consolida também em outros países presidencialistas. Evidentemente que pode ser qualificado, mas o modelo continua o mesmo. O presidente indica, o Senado ratifica. Parece que ainda é o melhor modelo e espero que não seja alterado.

STF E GOVERNO BOLSONARO.

O Supremo não deveria ser um órgão que fica à mercê da vontade da maioria. Ele existe para ser contramajoritário quando a maioria vai contra a Constituição, é sua função maior. A Constituição tem de proteger direitos, especialmente quando eles são colocados em xeque pela maioria. Esse é o sistema brasileiro, uma democracia constitucional.

PAPEL DO STF.

Sem dúvida nenhuma, e não é nada contra um governo ou outro, e sim em função do grupo que ascendeu ao poder ter um histórico muito hostil a aspectos da Constituição. Se tentarem transformar isso em políticas públicas, o Supremo deve ser o anteparo constitucional.

Estadão
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