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Tempo e ócio: enigmas da sociedade pós-industrial
Quarta-feira, 19 de março de 2001

Uma pessoa que viver 60 anos, terá 530 mil horas de vida, 80 mil delas passará no trabalho. A conta é do professor da Universidade de Roma, Domenico de Masi, que pergunta o que tem sido feito do tempo dos indivíduos dentro e fora das empresas.

Produzir riqueza e felicidade. O sociólogo italiano Domenico de Masi passou parte da manhã de ontem na Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) avaliando porque o mundo empresarial ainda não foi capaz de conciliar essas duas vertentes, diante de uma platéia atenta de políticos, estudantes, professores e empresários. Uma das explicações é, até certo ponto, simples: a sociedade saiu da economia rural, viu nascer a indústria não só de produção de bens materiais, mas também de bens simbólicos e valores, e continua administrando o trabalho com os mesmos modelos do início da revolução industrial.

Em especial, o trabalho intelectual criativo tão em evidência num tempo em que as empresas não mais impõem o produto ao mercado e só vendem se oferecem bens que atendem às necessidades dos clientes. A palestra do sociólogo, aberta ao público e que lotou o auditório da Fiec, foi um evento paralelo ao encontro da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).

Qual o problema dentro das empresas, por que o trabalho se tornou chato? "Nós administramos o trabalho intelectual com as mesmas regras do tempo em que administrávamos operários e analfabetos em 1900", responde Domenico de Masi. O sociólogo percorre o mundo defendendo a idéia do "ócio criativo". Na segunda vez em que esteve no Ceará, não foi diferente. Para ele, o grande problema da sociedade pós-industrial é não promover tempo livre para as pessoas e ainda como usar esse tempo de forma criativa. Família, amigos, livros, cinema. Tudo pode ser utilizado no processo criativo e canalizado para a atividade profissional, que tende cada vez mais a pedir pessoas que pensem seja no comando das máquinas ou no topo da empresa.

Em termos de emprego, isso significa também levantar a bandeira de que os indivíduos poderiam passar menos tempo nas organizações, que também deveriam oferecer mais subsídios para desenvolver a criatividade. Significa ainda, não dividir as áreas da vida e fundir os três fatores que ele batiza de jogo, trabalho e estudo, sempre separados no mundo industrial. "O operário não leva o instrumento de produção, as ferramentas, para casa, já o publicitário, o gerente e o jornalista podem levar suas mentes", diz.

Muita coisa, sem dúvida, mudou desde o início da era da indústria. Ele cita, por exemplo, algumas novidades que não têm sido consideradas nas organizações. No país dele, a média de vida era de 35 anos para homens e 36 para mulheres no início do século passado. Hoje, é de 76 para o sexo masculino e 81 para mulheres. Ou seja, as trabalhadores vivem mais e estão sendo obrigados a se aposentaram no auge do conhecimento, segundo ele. Outro ponto, é que os postos de trabalho braçais tendem a dar lugar ao trabalho que exige esforço intelectual.

O uso da informática e a evolução das técnicas também estão proporcionando menos trabalho para produzir mais bens. Há 50 anos, eram necessárias 90 horas de para se fabricar um veículo da marca Fiat. Atualmente, o mesmo automóvel é produzido em 16 horas. Isso poderia ocasionar mais tempo livre, ao contrário, gerou efeitos negativos, como demissões.

A mulher está retornando ao seu lugar, diz Domenico

De forma didática, o sociólogo Domenico de Masi respondeu às perguntas que a platéia que lotou a Fiec, na manhã de ontem, fez depois de quase uma hora de palestra. As questões envolveram o turismo, a participação da mulher do mercado de trabalho, a concentração de renda, a educação, marxismo e afins.

De Masi ouviu as perguntas em português mesmo e foi respondendo de forma tão clara que daria para se perguntar como não se percebeu tudo antes. Sobre turismo, por exemplo, ele fala que o mundo está dividido entre os que eliminam as fábricas de manufaturados para passar a fabricar idéias e aqueles que recebem as fábricas, entre eles o Brasil e a Coréia. Esses criam muitas riquezas e poucas idéias. E há ainda os que nada produzem. Nem produtos, nem idéias.

Os turistas do primeiro mundo fazem o tipo "politicamente correto e responsável", querem o mar pela manhã, visitar museus de arte à tarde e ir a um concerto magnífico à noite. Querem uma cozinha genuína. Além disso, compram silêncio e privacidade.

Os turistas do segundo pedaço do mundo querem muito barulho e uma permanente onda de confusão. Vêm em grande quantidade, rápido e são perigosos. "Como gafanhotos, fazem um grande estrago por onde passam." É este o turismo que está sendo atraído para o Brasil e o País deveria trabalhar pelo turismo de primeira qualidade. Para isso há apenas uma exigência: conhecimento. É preciso também estratégia turística. Algo mais elaborado. Ele citou a praia de Jericoacora, a 289 km de Fortaleza, como um exemplo de "fracasso extraordinário" de se fazer turismo.

A pergunta veio em tom de desafio, a resposta arrancou aplausos. "O que o senhor acha da mulher estar ocupando cada vez mais o lugar dos homens?" "Não é bem assim", ele começou. Deu uma volta pelo Iluminismo. Explicou que a partir daí a racionalidade tomou conta da emoção, identificou-se com o masculino, com o poder, e jogou as mulheres para fora do ringue. A emoção, ligada ao feminino tinha de ir para casa. "As mulheres estão retomando o lugar que o homem lhes tirou", afirmou.

O comunismo e o capitalismo não souberam resolver os problemas básicos envolvendo produção e distribuição. O comunismo distribui, mas não sabe criar riqueza. O capitalismo cria riqueza, mas não sabe distribuir. "O país tem de cuidar da distribuição, caso contrário, mais cedo ou mais tarde terá de enfrentar uma sociedade injusta."

"O senhor é marxista ou reformista?, perguntou outro participante. "Depende. No Brasil seria um revolucionário, não com armas, mas com violência verbal. Dialética é fundamental", observa o sociólogo.

A educação brasileira precisa mudar. As universidades em São Paulo são melhor estruturadas do que as universidades de Roma ou Milão. Esses prédios, que chegam a ser suntuosos aos olhos de Domenico de Masi, escondem no entanto o grave problema da exclusão social no Brasil. Alunos de universidades públicas são oriundos da escola particular. Com esse sistema, "os filhos dos ricos estudam por conta própria, enquanto que os filhos dos pobres se perdem para sempre", afirma.

Marília Cordeiro/O Povo

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