PUBLICIDADE

Com Moro sob desgaste, Senado aprova lei de abuso

Proposta que prevê punição a juízes e membros do Ministério Público foi vista como reação ao caso envolvendo o ministro e procuradores; texto voltará à Câmara

26 jun 2019 - 20h44
(atualizado em 15/8/2019 às 08h56)
Compartilhar
Exibir comentários
Senado aprova projeto que criminaliza o abuso de autoridade
Senado aprova projeto que criminaliza o abuso de autoridade
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado / Estadão

BRASÍLIA - O Senado aprovou nesta quarta-feira, 26, a criminalização do abuso de autoridade. A proposta prevê punição a juízes e investigadores em uma série de situações e é considerada uma reação da classe política às operações recentes contra corrupção, como a Lava Jato. O texto, agora, deverá passar por nova análise da Câmara, uma vez que houve alteração ao que havia sido aprovado pelos deputados em 2017.

A votação do projeto no Senado ocorreu a toque de caixa. Num intervalo de sete horas, a proposta, parada na Casa há pelo menos dois anos, foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário, em votação simbólica - quando o voto individual dos senadores não são registrados.

A decisão foi criticada por membros da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e por senadores chamados de "lavajatistas", que classificaram a proposta como uma reação à divulgação de mensagens atribuídas ao então juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, e a procuradores, pelo site The Intercept Brasil.

Conforme o site, as conversas indicariam que o ex-juiz orientou ações do Ministério Público no caso. O ministro nega irregularidades e afirma não ser possível comprovar a autenticidade das mensagens.

"O projeto de abuso de autoridade surgiu como uma reação de pessoas que, à época, não concordavam com o que a Lava Jato estava fazendo. Votar isso é pedir para ser execrado pela opinião pública", afirmou o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR).

O coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, disse que o projeto aprovado tem "pegadinhas" e pode levar a ataques a investigadores. "Somos, sim, a favor de punição adequada do crime de abuso de autoridade, consistente, como aquela prevista no projeto de lei apresentado em 2017 no Senado, que não tem pegadinhas", disse, em referência a outro projeto aprovado na Casa, mas que parou na Câmara.

Associações ligadas à magistratura e ao Ministério Público criticaram a proposta, mas admitiram que a versão final do texto do Senado suavizou o que havia sido aprovado pelos deputados. "O relator (senador Rodrigo Pacheco, DEM-MG) aceitou parte das nossas sugestões como a necessidade de comprovar o dolo e retirada da possibilidade do investigado processar o investigador", disse Fernando Marcelo Mendes, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

A Ajufe considera que a proposta tem o objetivo de intimidar juízes, desembargadores, ministros e outras autoridades na aplicação da lei penal, principalmente em casos de corrupção que envolvam políticos, empresários e ocupantes de cargos públicos.

O principal ponto de críticas de entidades é tratar como crime a violação dos direitos e prerrogativas do advogado. Por outro lado, Pacheco rejeitou a criminalização da interpretação de juízes, o chamado crime de hermenêutica, e passou a exigir a existência de dolo específico, ou seja, é preciso que haja vontade de praticar o abuso para que haja punição.

Um dos pontos suavizados foi a pena prevista para quem cometer abuso de autoridade. Se antes a previsão era de reclusão, agora é de detenção de seis meses a dois anos, podendo começar em regime aberto ou semiaberto, além de multa.

"O que fizemos aqui foi um amadurecimento do texto para torná-lo o mais equilibrado possível. O que não se pode é deixar de punir o abuso de autoridade", disse Pacheco. Ele negou, contudo, que a votação seja uma reação à divulgação do caso envolvendo Moro.

À noite, horas depois da aprovação da criminalização do abuso de autoridade, Ségio Moro jantou com senadores na casa de Marcos do Val (Cidadania-ES).

'Mordaça'. Uma das polêmicas é o item que foi batizado como "lei da mordaça". De acordo com a proposta, juízes não podem expressar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento.

No caso dos membros do Ministério Público, a regra foi flexibilizada para, no lugar de "opinião", proibir "juízo de valor indevido sobre procedimento ou processo em andamento". Os procuradores, neste caso, teriam de se restringir a se manifestar com o "dever de informação e publicidade", além de se limitar a fazer críticas nos autos, em obras técnicas ou em aulas.

Além disso, o projeto classifica como abuso de autoridade atitudes de juízes e procuradores "com evidente motivação político-partidária". O texto aprovado na Câmara suprimia o termo "evidente".

Projeto também criminaliza o caixa 2 e a compra de voto

No mesmo projeto aprovado sobre abuso de autoridade, o Senado decidiu recuperar uma proposta do pacote que ficou conhecida como "10 medidas contra a corrupção" e criminalizar o caixa 2 eleitoral. A proposta também torna crime a compra de votos. Hoje, as duas condutas são consideradas ilícitos eleitorais.

Projeto do Senado também criminaliza caixa 2 e compra de voto
Projeto do Senado também criminaliza caixa 2 e compra de voto
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado / Estadão

O texto pune com reclusão, de dois a cinco anos, quem "arrecadar, receber ou gastar o candidato, o administrador financeiro ou quem de fato exerça essa função, ou quem atuar em nome do candidato ou partido, recursos, valores, bens ou serviços estimáveis em dinheiro, paralelamente à contabilidade exigida pela lei eleitoral".

A mudança não vale para crimes eventualmente cometidos antes da lei entrar em vigor, ou seja, casos relacionados a eleições passadas não poderão ser enquadradas na esfera penal.

O relator do texto, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que o caixa 2 e a compra de votos são os maiores problemas eleitorais.

A criminalização do caixa 2 é uma das propostas do pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, e encaminhado à Câmara dos Deputados.

A proposta de Moro ganhou uma versão idêntica no Senado que deve ser votada na próxima semana na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O relator do pacote de Moro no Senado, Marcos do Val (Cidadania-ES), votou contra o projeto nesta quarta-feira, 26.

Mesmo com a criminalização do caixa 2, senadores contrários ao projeto afirmaram que o Senado será alvo de críticas por colocar na mesma proposta o abuso de autoridade. "Por que oferecemos munição para atirarem contra nós numa hora em que se invertem, sim, prioridades?", questionou Alvaro Dias (Pode-PR).

Estadão
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Publicidade