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Racismo na moda?

Os estilistas Isaac Silva e Luiz Claudio Silva contam sua trajetória em um mercado com pouca representatividade

7 jun 2020 - 05h11
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Somos um País de 210 milhões de habitantes. A maior parte (54%) é formada por negros. Se levarmos esses números para a moda, veremos que são poucos os estilistas que não se classificam como brancos. Essa porcentagem diminui quando analisamos o número de estilistas negros a desfilar em uma semana de moda, a ter sua própria marca ou a trabalhar em empresas consagradas do segmento em cargos de criação. Isso nos faz questionar a real oportunidade dada a esses profissionais na moda e os motivos que barram as eventuais trajetórias de sucesso. Para entender melhor sobre essa realidade, conversamos com dois estilistas negros brasileiros de diferentes gerações.

Isaac Silva, 30 anos, nasceu e foi criado no interior da Bahia, no município de Barreiras. Integrante do calendário oficial da moda brasileira, a São Paulo Fashion Week, tem sua loja própria em São Paulo e comercializa suas criações no mercado online. Isaac tem consciência que ocupa um lugar privilegiado no mundo da moda. Sua vocação apareceu cedo, quando ele nem tinha 10 anos, ao ver a costureira amiga da mãe realizar a mágica de criar uma roupa por meio de alguns tecidos. "Pensava que, se estudasse e me esforçasse, teria um trabalho na moda, mas não foi assim. Quando enxerguei que o mercado era racista e não iria me absorver por ser negro, fui estudar e buscar referências para ver como era possível mudar aquilo."

O jovem estilista não desistiu. Estudou e encontrou nomes como o de Ann Lowe (1898-1981), uma das primeiras estilistas negras a entrar para a história da alta-costura americana. Ela criou o vestido de noiva da então primeira-dama americana Jacqueline Kennedy para o seu casamento com John F. Kennedy em 12 de setembro de 1953. "Na época, as revistas disseram que Ann era costureira. A falta de reconhecimento era por ela ser negra, mesmo sendo ela uma das grandes estilistas de uma geração", diz Isaac.

O estilista brasileiro, que tem entre suas clientes as atrizes Camila Pitanga e Thaís Araújo, realizou o figurino do mais recente trabalho lançado pela cantora Elza Soares. As peças desenhadas por ele representam uma moda jovem e ativista, que desafia o preconceito racial com uma coleção repleta de referências afro-brasileiras e indígenas.

De uma geração talvez com ainda menos representatividade e oportunidade no mercado, Luiz Claudio Silva, 46 anos, nome à frente da ótima Apartamento 03, nasceu em Minas Gerais, onde trabalhou por anos com serviços gerais, incluindo limpeza de banheiro em uma empresa que projetava cozinhas em Belo Horizonte. Durante o almoço, ele cobria o atendimento telefônico e desenhava, por vontade e talento. Foi ali que uma colega, branca, viu os desenhos que fazia e o convidou para ajudá-la nos projetos das tais cozinhas. Vilma abriu a primeira porta e Luiz entrou. "Sabia que tinha menos chances por ser negro, mas aquela oportunidade fez nascer uma esperança de que poderia trabalhar com moda, meu sonho de criança."

Filho de costureira, Luiz fez supletivo e faculdade, ganhou o prêmio de moda Smirnoff, em 2000, e hoje é um dos grandes nomes na semana de moda de São Paulo. "Quando recebi meu primeiro prêmio, um amigo me disse: 'Parabéns, mas você sabe que acaba aí, né? Não existe negro na moda'."

Mas Luiz continuou firme em seu caminho. "Moda é sobre criação, design e formas, e não sobre a cor de quem cria", diz. Na estética da Apartamento 03, marca que assina como diretor criativo, Luiz traz um olhar masculino para criar a roupa feminina. Não à toa, sua alfaiataria, com modelagens perfeitas e elegantes, é destaque nas coleções. Hoje, Maria Bethânia e Fafá de Belém são amigas e clientes. As criações dele vestem também as cantoras Iza e Ludmila, enquanto Luiz segue desenhando, criando e acreditando que teremos mais oportunidades para as próximas gerações de negros brasileiros.

Estadão
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