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Protestos nos EUA reavivam questão racial na França

11 jun 2020 - 12h38
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Morte de George Floyd gera uma nova onda de manifestações contra o racismo e o comportamento da polícia perante minorias na França, problema há décadas negligenciado.É uma noite amena, e centenas de pessoas ajoelham-se em silêncio na histórica Place de la Republique, em Paris, para prestar homenagem a George Floyd, que estava sendo sepultado a mais de 8 mil quilômetros de distância, no estado americano do Texas.

"Vidas negras importam também na França": protesto em Paris
"Vidas negras importam também na França": protesto em Paris
Foto: DW / Deutsche Welle

Sob uma imponente estátua de Marianne, a personificação da República Francesa, cartazes dizem "Vidas negras importam também na França", "Não ao racismo" e "Não consigo respirar".

Manifestantes, muitos claramente desconfortáveis, lutam para ficar de joelhos por cerca de nove minutos - o tempo que um policial branco em Minneapolis manteve o joelho no pescoço de Floyd, levando-o à morte.

A brutalidade daqueles momentos finais da vida de Floyd, filmados e reproduzidos aos milhões na internet, ressoa fortemente na França, que há décadas lida com seu próprio problema de violência policial.

"Na França, dizemos que somos todos iguais, mas não somos todos tratados igualmente. Se você é um jovem negro ou um homem árabe, você é alvo e assediado pela polícia", comenta Denis, um jovem negro de 22 anos, que prefere não dizer seu sobrenome. "Não estamos inventando isso, mas os brancos não querem nos ouvir ou acreditar em nós. Eles acham que estamos exagerando".

Dina Sanches Tavares tem visão semelhante. "Meu irmão de 16 anos é constantemente parado e revistado pela polícia, mesmo quando simplesmente está voltando da academia de ginástica. Temo muito pela segurança dele", diz. "Você consegue imaginar como é assustador ser tratado como um criminoso simplesmente por causa da sua aparência?"

Caso Adama Traoré

A raiva é palpável na França, onde o assassinato de George Floyd reacendeu os apelos à justiça para Adama Traoré, um jovem negro de 24 anos que morreu sob custódia policial em julho de 2016. Apesar de não haver vídeo, as circunstâncias têm levado a comparações com a morte de Floyd.

No mês passado, um relatório médico ordenado por um tribunal determinou que os policiais que prenderam Traoré não tiveram envolvimento na sua morte e que ele morreu devido às condições de saúde subjacentes e à insuficiência cardíaca. No entanto, uma autópsia independente ordenada pela família concluiu que a morte de Traoré foi causada por técnicas de detenção, provocando protestos em toda a França, com a participação de milhares de pessoas.

"Hoje não estamos falando apenas da luta da família Traoré. É a luta por todos. Quando lutamos por George Floyd, lutamos por Adama Traoré", disse sua irmã, Assa Traoré, em um protesto no início deste mês, à agência de notícias AFP.

Assim como nos Estados Unidos, as minorias na França também estão exigindo da polícia transparência.

"Tanto na polícia americana quanto na francesa, o racismo é estrutural", diz Madjid Messaoudene, político e ativista local em Seine-Saint-Denis, um subúrbio do norte de Paris.

A França tem muito menos tiroteios fatais envolvendo a polícia do que os EUA, mas muitos dizem que o país está fazendo menos para combater a violência policial que os americanos.

"Temos muitas famílias na França que estão esperando por justiça para seus filhos mortos pela polícia. Eles não podem virar a página e seguir em frente porque sentem que a vida de seus filhos não é considerada importante. Isso tem que mudar", afirma o político.

É uma história muito familiar em Seine-Saint-Denis, que é notória por seu alto desemprego, baixa renda e prédios altos. Assim como o banlieu - ou subúrbio - onde Adama Traoré morreu, Seine-Saint-Denis é o lar de muitos árabes e negros com raízes nas antigas colônias francesas.

As relações com a polícia são tensas há muito tempo. O dia a dia da maioria dos jovens, diz Madjid Messaoudene, envolve checagem de identidade, revistas, assédio e violência por parte dos policiais.

"Em nossa sociedade, quando você é jovem, se você não é branco e se você vai fazer uma reclamação contra a polícia, ninguém vai lhe dar ouvidos. Isso é um fato", diz Messaoudene. "Para que seja feita verdadeira justiça, todo policial racista tem que ser investigado e banido da força. Mas até agora, nenhum policial foi preso por matar alguém na França. A impunidade é a regra aqui".

Reagindo à raiva sobre a violência policial, o ministro do Interior francês, Christophe Castaner, disse nesta semana que a França vai banir o polêmico usado da asfixia para prender suspeitos.

Racismo velado

Na semana passada, o Ministério Público de Paris abriu uma investigação preliminar sobre insultos racistas e instigações ao ódio racial em comentários supostamente publicados por policiais em um grupo privado do Facebook.

Mas as autoridades negam que o país tenha um problema de racismo. A França espera que os cidadãos obedeçam a um princípio de universalismo e se identifiquem com a nação sobre qualquer identidade étnica ou religiosa. Em 2018, os legisladores votaram para retirar a palavra "raça" da Constituição francesa, e o governo não tem permissão para coletar informações sobre a raça ou religião do povo.

Mas, segundo Eric Fassin, professor de sociologia da Universidade de Paris 8, as coisas estão mudando lentamente. Ele aponta para um relatório do ombudsman nacional, uma autoridade independente que supervisiona os direitos humanos na França, que constatou que os jovens árabes e negros são 20 vezes mais propensos a serem detidos do que brancos. Isso confirma o que jovens ativistas denunciam há anos.

Os protestos atuais que assolam a França, diz Fassin, estão se desdobrando ainda mais em tabus em torno de raça e privilégios brancos, apesar de ter havido uma reviravolta dos líderes políticos avessos às discussões sobre um racismo sistêmico.

"Muitos comentaristas e a mídia estão agora falando sobre raça, eles agora falam tanto sobre pessoas brancas quanto negras nas manifestações. As pessoas na França estão percebendo que existe um problema racial. E que esse problema racial também é um problema policial", diz Fassin. "Minha esperança é que vamos perceber que falar sobre raça não é contra a democracia, mas sim sobre democracia".

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