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O que está em jogo com o julgamento do STF sobre 2ª instância?

Votos dos 11 ministros da Corte podem definir futuro de presos de renome na cena política

17 out 2019 - 06h11
(atualizado às 11h47)
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Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciar o julgamento sobre três ações que contestam a execução antecipada da pena - a chamada prisão em segunda instância -, os onze ministros da Corte estarão, também, sendo responsáveis por definir o futuro de presos de renome no cenário político brasileiro, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e até mesmo da Operação Lava Jato.

A expectativa dentro da Corte é a de que a atual posição seja revista, e que caberá ao presidente, ministro Dias Toffoli, definir o resultado. O presidente do Supremo já defendeu a posição de que a execução de pena deve aguardar uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que funciona como uma espécie de terceira instância.

Confira abaixo alguns tópicos que podem ser impactados pela votação:

Polarização no Supremo Tribunal Federal

No pano de fundo da votação está o embate entre os ministros do Supremo. De um lado estariam os juristas favoráveis a seguir "ao pé da letra" o que prevê a Constituição, entendendo que a prisão só pode ocorrer depois que a sentença transitar em julgado - quando se esgotam todos os recursos -, e, de outro, os que consideram que o princípio da presunção de inocência não seria afrontado porque o réu já teria sido julgado e condenado na primeira e na segunda instâncias.

No entanto, há a possibilidade de os ministros colocarem em discussão uma opção "intermediária", colocando como medida temporal para a execução antecipada de pena a condenação em terceira instância. "A princípio seria 5 a 5, e com a expectativa que, diante desse placar, como agiria o Dias Toffoli", afirmou a constitucionalista Vera Chemim, mestre em Direito.

Na véspera do julgamento, houve embate entre ministros em duas ocasiões distintas, com Toffoli pedindo "respeito" a Luís Roberto Barroso. Os dois devem estar em lados opostos em seus votos, com base em julgamentos anteriores.

Futuro da Operação Lava Jato

A prisão em segunda instância foi uma das principais práticas ao longo da Operação Lava Jato. O Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) tem cerca de 100 condenados em segunda instância a partir da operação Curitiba. Eles podem buscar alteração no cumprimento de suas penas de alguma forma caso o STF mude o entendimento consolidado desde 2016 sobre a possibilidade de prisão após condenação final em segundo grau. Desse grupo, pelo menos 15 estão presos atualmente - entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Entre os condenados da Lava Jato que estão presos, e que podem requerer alteração de seu quadro penal, estão o ex-ministro José Dirceu, detido em Curitiba, e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), preso no Rio.

Já Lula foi preso em 7 de abril de 2018 com base em decisões de 2016 e 2017 do STF e em súmula do próprio TRF-4 . Em abril deste ano, a sentença do petista - estipulada em 8 anos e 10 meses de prisão - foi confirmada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a terceira instância. Há dúvidas sobre o benefício para o petista, diante de um novo entendimento do Supremo. O ex-presidente ainda pode recorrer.

"Caso reconheça que a Constiuição garante a presunção de inocência, parece razoável crer que isso implicará também o reconhecimento das ilegalidades cometidas durante uma operação desde o início marcada pela seletividade. Um reconhecimento, aliás, necessário", avaliou Valdete Souto Severo, presidente da AJD (Associação Juízes para a Democracia). .

Destino de presos importantes

O Conselho Nacional de Justiça informou nesta semana que 4.895 presos podem ser impactados em todo o País caso seja revista a possibilidade de prender pessoas antes da condenação em segunda instância.

Um deles é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Caso prevaleça a solução intermediária do STJ, Lula continuaria na prisão, segundo os especialistas, uma vez que sua condenação já foi confirmada por esse tribunal. Em abril deste ano, embora tenha reduzido a pena de 12 anos e 1 mês para 8 anos e 10 meses, o STJ decidiu por unanimidade manter a pena imposta pelo TRF-4 em janeiro de 2018.

Entidades defendem entendimento 'literal' da Constituição

Representantes das entidades que patrocinam as ações diretas de constitucionalidade (ADCs) no julgamento decidiram que vão concentrar esforços na aprovação da tese de que a sentença só pode ser aplicada após o trânsito em julgado, ou seja, depois de esgotar todos os recursos.

Entidades como a autora da ação, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e co-autoras têm revisado as peças processuais e se preparam para que o STF coloque o assunto em pauta ainda em outubro. Até algumas semanas atrás, advogados contrários à prisão em segunda instância admitiam a possibilidade de uma solução intermediária, na qual a sentença poderia ser cumprida depois de condenação STJ.

O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, autor da ADC que previa a solução intermediária, disse que o ideal é que o Supremo considere a tese do trânsito em julgado ou da "literalidade" da Constituição.

"A Constituição é muito clara. Só pode ser preso depois do trânsito em julgado", ele diz.

Idas e vindas

O STF já se reuniu ao menos seis vezes nos últimos nove anos para analisar a legalidade da prisão após condenação em segunda instância. Ao julgar, em 2009, um habeas corpus de um réu que havia sido sentenciado em segundo grau, a Corte decidiu por 7 votos a 4 que a execução da pena ficava condicionada ao trânsito em julgado.

Esse entendimento foi mantido até 2016, quando houve novos julgamentos sobre o tema, já com a Lava Jato em curso. Em fevereiro daquele ano, o STF autorizou prisão de réus após condenação em segunda instância ao analisar um habeas corpus de um réu condenado por roubo qualificado. Em outubro, a Corte decidiu manter por 6 votos a 5 a possibilidade de execução de penas após a condenação pela Justiça de segundo grau.

Essa decisão teve repercussão geral - passou a ser válida em todos os casos. Foi com base nesse entendimento que a Corte negou o habeas corpus do ex-presidente Lula, condenado em segunda instância no caso do triplex do Guarujá.

'Problema de fundo'

Na avaliação do jurista Walter Maierovitch, no entanto, a discussão deveria abordar outro aspecto: as causas do problema. "O motivo é o processo penal, a organização judiciária, o tempo de duração e processos que não terminam nunca", explica. "E isso leva a recursos, faz com que a Justiça seja lenta. Solucionado isso, se tivéssemos processos com prazo razoável, não estaríamos discutindo isso agora".

'Mapa' dos votos

Veja como os ministros do STF já se posicionaram em julgamentos anteriores:

A favor da execução de pena após condenação em 2.ª instância:

Alexandre de Moraes

Cármen Lúcia

Edson Fachin

Luís Roberto Barroso

Luiz Fux

Contra a prisão após condenação em 2.ª instância:

Celso de Mello

Marco Aurélio Mello

Ricardo Lewandowski

Gilmar Mendes*

Dias Toffoli*

Dúvida:

Rosa Weber (A ministra já votou contra a execução provisória de pena, mas tem seguido a jurisprudência do STF favorável à medida)

* Os dois ministros já defenderam a possibilidade de a prisão ser determinada após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que funciona como uma espécie de 3.ª instância. /PAULO BERALDO, VINÍCIUS PASSARELLI, RICARDO GALHARDO e TULIO KRUSE

Estadão
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