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O difícil consenso sobre a política migratória europeia

20 jun 2018 - 13h35
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Em meio a diferentes interesses nacionais, intenção de Merkel de chegar a uma solução conjunta para a questão dos refugiados até a próxima cúpula da União Europeia parece ilusória.Há três anos os Estados-membros da União Europeia deliberam sobre uma reforma abrangente do sistema europeu de concessão de refúgio e sobre a proteção das fronteiras externas do bloco. A Comissão Europeia apresentou a respeito um pacote com sete propostas de emenda de lei.

Resgate de migrantes no Mediterrâneo: cena comum preocupa UE
Resgate de migrantes no Mediterrâneo: cena comum preocupa UE
Foto: DW / Deutsche Welle

Elas visam acelerar o processo de refúgio, unificar os critérios para o reconhecimento de solicitantes, e possibilitar a devolução mais rápida dos migrantes que prossigam viagem de um país da UE a outro. Em alguns campos já há grande consenso, em outros o combate é acirrado.

No último encontro de ministros da UE sobre a migração, em Luxemburgo, só se pôde constatar quão longe ainda se está de um acordo, e que de jeito algum a "solução total europeia" estará pronta até a próxima cúpula dos chefes de Estado e governo, em 28 e 29 de junho. O ministro alemão do Interior, Horst Seehofer, União Social Cristã (CSU), nem mesmo participou da reunião, enviando como representante seu secretário de Estado parlamentar.

A principal pedra no caminho da reforma é o assim chamado Regulamento Dublin III, estipulando que país-membro é responsável por quais requerentes de asilo. A Comissão Europeia propusera aliviar a carga sobre os países de entrada, sobretudo Itália e Grécia, com uma distribuição dos migrantes - sugestão esta que diversos países da Europa Central e Oriental rechaçam terminantemente.

Segundo diplomatas europeus em Bruxelas, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, devia que estar muito iludida se acreditava ser capaz de solucionar essa discórdia até a cúpula.

A questão migratória tem provocado severa disputai interna no governo da Alemanha, depois que a CSU - partido irmão da União Democrata Cristã, de Merkel - propôs a rejeição na fronteira dos migrantes que já tenham sido registrados em outros países europeus.

Que interesse, perguntam eles, poderia ter um governo polonês ou húngaro em ajudar a chanceler federal alemão a sair de sua crise de coalizão com a CSU? Vez por outra o premiê homólogo húngaro, Viktor Orbán, tem afirmado que ela "convidou" os migrantes e refugiados, e que por isso eles seriam um problema alemão.

A única coisa que Merkel pode tentar é abrir mão de uma solução europeia, em favor de acertos com países isolados, como permite o Artigo 36 do Regulamento Dublin III, a fim de acelerar os processos e encontrar soluções práticas nas fronteiras internas da UE.

Um acordo assim já existe há seis anos entre a Itália e a França: a polícia de fronteira francesa pode enviar de volta migrantes vindos do país vizinho, em bloco e sem grande verificação das circunstâncias. Merkel poderia utilizar essa regra como modelo para acordos próprios. Também aqui dificuldades consideráveis a esperam.

Itália

A coalizão governamental de populistas e ultradireitistas da Itália já endureceu consideravelmente a política migratória, com barcos de resgate sendo enviados de volta da costa italiana.

O novo premiê, Giuseppe Conte, comentou, após seu encontro com Merkel em Berlim, que "o sistema de Dublin precisa ser superado". Ou seja: a responsabilidade não deve mais pesar unicamente sobre os países onde os migrantes desembarcam, como a Itália. O ministro do Interior, o radical de direita Matteo Salvini, quer realocar os refugiados em outros Estados-membros da UE.

Então, o que Merkel deveria oferecer aos italianos, para que recebam de volta solicitantes de refúgio recusados por Berlim? Apelos à solidariedade para com o principal país de destino dos migrantes - ou seja, a Alemanha - de pouco adiantarão.

O governo italiano não se esqueceu que, antes de 2015, Merkel se negava terminantemente a aceitar um sistema de cotas para a UE, já discutido na época, a fim de reduzir a carga da Itália e da Grécia.

Áustria

Requerentes de refúgio que ingressaram na UE através da Itália ficariam, de qualquer modo, presos na fronteira alemã com a Áustria - situada entre os outros dois países -, caso o novo governo populista de direita em Viena não aprove também os acertos bilaterais.

E não parece que isso vá acontecer, pois o chanceler federal da Áustria, Sebastian Kurz, é um crítico veemente da política de concessão de refúgio de Merkel, e quer criar um "eixo dos dispostos" para melhor cerrar as fronteiras externas da União Europeia, evitando que os migrantes sequer ingressem no bloco.

Além disso, há tempos o chefe de governo austríaco pleiteia que os processos de refúgio deveriam, de preferência, transcorrer fora da UE, ou no Norte da África ou numa ilha deserta. Essa ideia é agora também respaldada por Roma.

Consta igualmente que o "Plano Mestre Migração" de Seehofer prevê tais centros de refúgio extraterritoriais. Será difícil dar uma forma mais concreta a tudo isso antes da próxima cúpula da UE.

Grécia

Poucos dias atrás, o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, elogiou expressamente Merkel por sua política para refugiados: ela estaria tentando agir dentro do espírito europeu, e ele admira isso. O acordo entre a UE e a Turquia, que tirou da Grécia boa parcela da pressão migratória, se deveu em grande parte aos esforços da chanceler federal.

Os gregos têm seguramente bem pouca vontade de receber agora de volta requerentes de refúgio recusados, mas que mesmo assim chegaram à Alemanha pela rota dos Bálcãs. Se os migrantes em questão não forem colocados num avião de volta à Grécia, diretamente na fronteira alemã, então é improvável que jamais retornem àquele país. Eles teriam que atravessar diversos "terceiros Estados", além do de entrada e o de destino.

Estados dos Bálcãs Ocidentais

A premiê alemã poderia combinar com os Estados não pertencentes à UE a devolução de refugiados e migrantes que os tivessem atravessado. No tocante à repatriação de cidadãos dos respectivos países, a coisa funcionou bem, do ponto de vista da Alemanha: caiu significativamente o número de solicitantes de refúgio da Sérvia, Kosovo ou Albânia.

Questionável, contudo, é se esses países dos Bálcãs Ocidentais também estariam dispostos a receber de volta migrantes de outras nacionalidades. Teoricamente seria possível uma deportação "dominó", da Alemanha, passando pela Áustria e os Bálcãs, até a Grécia.

Soluções europeias são especulação

Para o comissário da UE responsável pela Migração, Dimitris Avramopoulos, a chave para uma solução europeia é uma reforma do "sistema de Dublin", o qual, em sua opinião, "não funciona mais". Porém, enquanto os países-membros bloquearem uns aos outros nesse ponto, tampouco será possível implementar muitos outros aspectos da reforma das regras de refúgio.

Em princípio, os governos estão de acordo que o banco de dados Eurodac, de solicitantes de refúgio, precisa ser ampliado. Além disso, pela primeira vez em nível europeu, deverá haver uma lista de países de origem seguros. Merkel propõe até mesmo uma agência de refúgio europeia, que em sua versão final já tomaria as decisões concernentes nas fronteiras externas da UE.

Entretanto ainda podem transcorrer anos até que se chegue a essa solução europeia - se é que se chegará. Pois até o momento nenhum Estado-membro está disposto a abrir mão das decisões sobre concessão de refúgio e direcionamento da migração.

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