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"Não dá para negociar nada com Bolsonaro"

13 jun 2019 - 10h17
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Em entrevista à DW, eurodeputado Martin Häusling diz que presidente brasileiro não compartilha mesmos valores democráticos da União Europeia e que por isso não há base para negociar acordo com Mercosul.O acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul é negociado há mais de 20 anos e, em vários momentos, a conclusão das negociações foi anunciada como próxima. Na semana passada, foi a vez de o presidente Jair Bolsonaro e o presidente argentino, Mauricio Macri, garantirem que a assinatura do pacto seria iminente.

Segundo Häusling, com acordo União Europeia pode contribuir para o desmatamento da Amazônia
Segundo Häusling, com acordo União Europeia pode contribuir para o desmatamento da Amazônia
Foto: DW / Deutsche Welle

Do lado europeu, o status das negociações é tratado de outra forma. Segundo o eurodeputado alemão Martin Häusling, do Partido Verde, não há bases no momento para negociar um acordo com o atual presidente do Brasil.

"Bolsonaro não é um defensor dos direitos humanos, dos direitos das mulheres e nem dos direitos ambientais. Apesar de ter sido eleito democraticamente, ele não tem os mesmos princípios básicos da União Europeia e com uma pessoa assim não dá para negociar nada", afirmou, em entrevista à DW Brasil.

Häusling é integrante das comissões do Parlamento europeu para Agricultura e Desenvolvimento Agrário e para Meio Ambiente, Segurança Alimentar e Saúde Pública.

Na entrevista, Häusling contou que, apesar das declarações de Bolsonaro e Macri, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, disse que o acordo ainda não está pronto para ser assinado pela UE.

O eurodeputado alemão falou ainda sobre os impasses nas negociações e os riscos do acordo para ambas as partes, além de comentar as políticas ambientais e agrárias de Bolsonaro. Antes de ser eleito eurodeputado em 2009, Häusling era agricultor na Alemanha.

DW Brasil: Logo após a eleição de Bolsonaro, a chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, disse que as negociações ficariam mais difíceis com ele. Já o presidente da França, Emmanuel Macron, vinculou o acordo comercial à permanência do Brasil no Acordo de Paris, que visa conter o aquecimento global. Você acha que é possível negociar esse acordo com Bolsonaro?

Martin Häusling: Não, pois da maneira como ele se posiciona, ele mostra que está fora da tradição democrática. Bolsonaro não é um defensor dos direitos humanos, dos direitos das mulheres e nem dos direitos ambientais. Apesar de ter sido eleito democraticamente, ele não tem os mesmos princípios básicos da União Europeia, e com uma pessoa assim não dá para negociar nada.

Bolsonaro é um extremista de direita que já falou várias vezes que deseja desmatar a Amazônia e retirar a proteção das comunidades indígenas. Não dá para negociar como se ele fosse um líder democrático normal.

Recentemente, Bolsonaro e Macri anunciaram que acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul era iminente. As negociações estão realmente quase concluídas?

Não fazemos parte das negociações, mas há anos é alegado que as negociações estão quase no final. Houve progressos, mas nesta semana o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, disse que ainda não há a assinatura do lado da União Europeia, apesar de os sul-americanos afirmarem que está pronto, pois ainda há críticas sobre o acordo.

Quais são essas críticas?

Há muitas críticas de vários países europeus, como da França e Irlanda, que veem a ampliação da importação de produtos agrícolas, principalmente carne bovina, de forma muito negativa. Há outros países, como a Alemanha, que acham o acordo positivo.

O acordo sempre foi muito controverso e continua sendo controverso. Há divergências em relação a alguns pontos específicos como proteção do certificado de origem e abertura para o mercado do leite. Neste caso, acredito que os brasileiros não estavam muito satisfeitos com a União Europeia, que quer o livre acesso a esse mercado nos países sul-americanos.

Por que há essa resistência em relação à importação de carne da América do Sul?

As condições de produção não são as mesmas. No Brasil, os regulamentos de proteção animal e as inspeções não são iguais às existentes na Europa. Lá podem ser usados mais antibióticos e mais hormônios do que aqui e também há um fraco controle. No ano passado, estive no Brasil e pude ver mais de perto. Não há como comparar. Há déficit de controle.

Além disso, entrará mais carne no mercado europeu que é produzida de forma mais barata, também devido ao desmatamento de florestas. Isso não pode ser do interesse da União Europeia.

O que já se sabe sobre o acordo?

Não sabemos muito como parlamentares. Acredito que o principal não mudou, os europeus receberão mais produtos agrícolas, e os sul-americanos precisam abrir seus mercados para serviços e carros.

Quais são os riscos do acordo para a Europa?

Na questão de políticas climáticas, nós poderemos abrir outras portas para a destruição de florestas na América do Sul, não só da Floresta Amazônica, mas também do Cerrado. Não podemos aceitar isso. Estaremos legitimando o desmatamento. Além do desmatamento ilegal, há um desmatamento legal para produzir soja e gado e estaremos legitimando isso com o acordo.

O que a Europa pode fazer para proteger o meio ambiente?

A Europa deve exigir a manutenção do Acordo de Paris, os países se comprometeram a tomar medidas neste sentido, inclusive o Brasil. Além disso, a proteção de direitos humanos deve também ser a base para fazer acordos comerciais. No caso do Brasil, isso não está sendo assegurado. Sem falar do Paraguai, onde a situação de direitos humanos também é muito precária.

Qual deveria ser papel da Europa na negociação?

A Europa precisa ser o advogado do meio ambiente e dos direitos humanos nestas negociações e não levar apenas em consideração os interesses da economia.

Quais são os riscos do acordo para o Mercosul? Podem ocorrer situações como aconteceu em Gana, por exemplo, onde o frango subvencionado importado da União Europeia acabou com o mercado interno por o produto europeu ser muito mais barato?

A Europa querer ter acesso livre ao mercado do leite. Na América do Sul, a produção de leite está nas mãos de pequenos agricultores, que com certeza serão pressionados por essa situação.

Há alguma previsão de quando o acordo ficará pronto?

Espero que não seja finalizado na atual Comissão Europeia comandada por Juncker. Provavelmente, no próximo ano, haverá uma nova discussão no Parlamento Europeu, que foi eleito em maio, para debater se o acordo faz sentido ou não. No momento, não acho que será concluído rapidamente.

O que você acha das políticas ambientais de Bolsonaro?

Ele não tem nenhuma. Um país pode ter boas leis, mas não adianta nada se elas não são aplicadas. Esse é o problema de deixar os grandes latifundiários agirem livremente e pode ser percebido na velocidade do desmatamento, que desde a eleição aumentou drasticamente.

O que você acha da atual onda de liberação de agrotóxicos no Brasil?

Dá para ver que não se pode falar de legislação ambiental. Agrotóxicos que são proibidos na Europa e nos Estados Unidos estão sendo novamente liberados. Além disso, não há nenhum controle do uso, não há nenhum sistema para verificar como os agricultores estão aplicando esses produtos.

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