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Trump se prepara para dois anos de 'guerras sem trégua'

A paralisação do governo é apenas o prenúncio de uma batalha que ainda não começou

19 jan 2019 - 12h30
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WASHINGTON - Esta é a situação no presente momento: na semana passada, perguntaram ao presidente dos Estados Unidos se ele é um agente russo. E ele se recusou a responder diretamente. À indagação, feita por uma entrevistadora de maneira amistosa, e não por um dos jornalistas da "mídia fake" que ele tanto menospreza, ele respondeu: "É a coisa mais insultuosa que já me perguntaram". Mas é uma pergunta que, há dois anos, continua sem resposta em sua presidência.

Presidente Trump fala com repórteres
Presidente Trump fala com repórteres
Foto: Jim Young / Reuters

Se o impasse do fechamento do governo que se criou entre Trump e o Congresso dos Estados Unidos parece terrível, talvez venha a ser considerado bem menos afrontoso diante do que está por vir. A luta pelo muro na fronteira é apenas uma escaramuça preliminar nesta nova era de governos divididos. A verdadeira batalha ainda não começou.

Com a atual maioria democrata na Câmara dos Deputados, o assessor jurídico especial concluindo sua investigação sobre a interferência da Rússia nas eleições e o envolvimento da campanha de Trump, os veículos de comunicação disputando furos e os primeiros artigos sobre o impeachment já prontos, Trump está diante da perspectiva de uma guerra política em todas as frentes, a qual pode tornar o fechamento parcial do governo, sem solução até o momento, um problema bem menor.

Os últimos dias foram repletos de premonições. Os democratas que acabam de ocupar seus postos convocaram o advogado pessoal do presidente para depor depois que ele implicou Trump em um esquema ilegal de pagamentos antes das eleições de 2016, destinados a calar mulheres que afirmavam ter tido casos amorosos com o candidato. Documentos legais revelaram que o coordenador da campanha de Trump compartilhou dados de pesquisas de opinião com um associado ligado pelos promotores à inteligência russa.

Desde então, os artigos aumentaram a sensação de cerco à Casa Banca. The New York Times noticiou que depois que Trump demitiu o então diretor do FBI, James B. Comey, em 2017, o departamento abriu uma investigação para saber se o presidente estava colaborando com os russos. E o Washington Post afirmou que Trump tenta de todas as maneiras, como presidente, ocultar, até mesmo de integrantes de seu governo, detalhes de suas conversações com o presidente da Rússia, Vladimir V. Putin.

Ainda não é possível estabelecer aonde tudo isso levará. Não foi totalmente decidido se levará a um inquérito total na Câmara dos Deputados em vista de um processo de impeachment. Mas ressalta a possibilidade de que, com os candidatos já preparados para desafiá-lo em 2020, Washington passará os próximos meses debatendo o futuro da presidência e os rumos do país.

"Na realidade, os próximos dois anos serão de guerra política sem tréguas", afirmou Andy Surabian, estrategista republicano e ex-assistente especial de Trump.

Nesse meio-tempo, o círculo íntimo do presidente se reduziu e ele dispõe de menos assessores nos quais confia. Seu chefe de gabinete na Casa Branca atua apenas em posição temporária, e a Ala Oeste está vazia por causa do fechamento. Como ele mesmo escreveu no Twitter, no dia 12 de janeiro, "não há quase ninguém na Casa Branca, só eu".

Surabian disse que o resto do partido terá de reconhecer a ameaça e cerrar fileiras ao redor do presidente. "Os republicanos precisam compreender que os democratas do Congresso, fiéis à 'resistência', não estão interessados no bipartidarismo. Eles querem é sangue", disse. "É uma guerra que podemos ganhar, mas somente com fortaleza de espírito, mensagens coerentes e a vontade de lutar".

Os democratas, por sua vez, afirmam que querem os responsáveis, e não sangue. Seu objetivo é obrigar um presidente, que o Congresso republicano deixou agir praticamente sem controle em seus dois primeiros anos no cargo, a explicar os inúmeros escândalos que envolvem seus negócios, sua situação fiscal, sua campanha e a sua administração.

É possível que no meio de tudo isso tenha se perdido a chance de decisões políticas bipartidárias. O que está em jogo na atual batalha são os US$ 5,7 bilhões que Trump prometeu para a construção do muro na fronteira, aproximadamente um oitavo de um por cento do total do orçamento federal. Se um oitavo de um por cento do orçamento pode provocar o mais longo fechamento do governo da história americana, o potencial para futuras disputas a respeito dos restantes 99,88% parece considerável. Em questões como assistência médica, impostos, mudanças climáticas, armas e segurança nacional, os dois lados começam esta nova de um governo dividido muito distantes um do outro.

Julian Epstein, que foi o assessor jurídico dos democratas na Comissão do Judiciário da Câmara, durante a batalha pelo impeachment de Clinton, há 20 anos, disse que temas preocupantes, como o encolhimento da classe média, em grande parte não treinada para a economia do século 21, deixariam de ser tratados durante as batalhas que estão por vir.

"A classe política de hoje está viciada em conflitos maniqueístas como meio de vida", disse Epstein. "Tornou-se algo tão imprescindível quanto o leite da mãe - para os eleitores da base de ambos os partidos que em seu conjunto representam uma parcela minoritária do eleitorado, assim como para a televisão a cabo e as redes sociais".

Em vez de discutir como acabar com o fechamento, o presidente passou pelo menos parte do último final de semana defendendo-se das suspeitas de sua afinidade com Putin. Ele insistiu que, na realidade, tem sido mais rigoroso com a Rússia do que seus antecessores, e que o FBI é dirigido "por uns fracassados que tentam acabar com seu presidente".

No dia 12 de janeiro, ele pegou o telefone para falar com um programa da Fox News, apresentado por Jeanine Pirro, que participou de um comício de campanha com ele, no fim do ano passado. Ela perguntou num tom sarcástico sobre a investigação do FBI noticiada pelo Times.

"Vou lhe fazer uma pergunta: está trabalhando ou já trabalhou para a Rússia, senhor presidente?", indagou Jeanine.

"Acho que esta é a pergunta mais insultuosa que já me fizeram", ele respondeu. "Acho que é o artigo mais insultuoso que já vi. E se você lesse o artigo, veria que eles não encontraram absolutamente nada".

Então a jornalista citou o artigo do Post sobre seus esforços para ocultar detalhes de seus encontros particulares com Putin. "Tivemos uma conversa excelente", ele prosseguiu. "Falamos sobre Israel, sobre a segurança de Israel e sobre um monte de outras coisas, e foi uma conversa excelente. Não guardo segredo de nada. Não ligo a mínima".

Jeanine manifestou sua comiseração pelas batalhas que ele estava enfrentando. "O senhor tem uma enorme disposição para lutar. É inacreditável".

"Bom, acho que tenho bons genes", ele respondeu.

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