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Por que o chavismo adiantou a eleição presidencial na Venezuela e que impacto isso tem sobre a oposição

A Assembleia Nacional Constituinte ordenou que o pleito, normalmente realizado em dezembro, seja feito até abril.

26 jan 2018 - 13h42
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Diosdado Cabello (à esq.), considerado o número 2 do chavismo, disse que o presidente venezuelano Nicolás Maduro será o candidato à reeleição do PSUV
Diosdado Cabello (à esq.), considerado o número 2 do chavismo, disse que o presidente venezuelano Nicolás Maduro será o candidato à reeleição do PSUV
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Se o mundo quer nos aplicar sanções, nós aplicaremos eleições." Com essas palavras, Diosdado Cabello, considerado o número dois do chavismo, justificou nesta semana sua proposta de antecipar as eleições presidenciais no país de dezembro para até o dia 30 de abril.

Cabello apresentou essa iniciativa diante da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), que rege a Venezuela com poder absoluto, e a casa imediatamente aprovou um decreto ordenando o Conselho Nacional Eleitoral a fazer a convocação das eleições para o primeiro semestre.

A realização das eleições era um dos principais pontos de discussão nas negociações entre o governo do presidente Nicolás Maduro e a oposição venezuelana, que acontecem desde setembro de 2017 na República Dominicana.

No entanto, a antecipação do pleito foi uma decisão unilateral do chavismo, fora da mesa de negociações.

Veja a seguir as respostas das principais perguntas sobre as eleições da Venezuela.

1- Por que o chavismo convoca essas eleições agora?

"O adiantamento das eleições presidenciais não é surpreendente. É o que mais convém ao governo nas atuais circunstâncias", diz à BBC Carmen Beatriz Fernández, consultora política da empresa Datastrategia e professora de Comunicação Política da Universidade de Navarra, na Espanha.

O presidente da República Dominicana, Danilo Medina (ao centro), com os outros líderes que participaram do diálogo entre o chavismo e a oposição
O presidente da República Dominicana, Danilo Medina (ao centro), com os outros líderes que participaram do diálogo entre o chavismo e a oposição
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A especialista diz que essa possibilidade apareceu depois das eleições regionais de outubro de 2017, quando o chavismo elegeu 18 dos 23 governadores do país em um processo acusado de fraudulento pela coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD).

Em dezembro, a MUD se absteve de participar das eleições municipais, o que permitiu ao chavismo ficar com 308 das 335 prefeituras do país.

Fernández diz que interessa ao governo aproveitar o desânimo que cresce na oposição.

"As perspectivas econômicas são muito ruins. O país entrou em um processo de deterioração forte de todos os indicadores, que, além disso, vão piorar. Quanto mais tarde houver eleições, mais difícil será para o governo", diz a especialista, referindo-se à crise de abastecimento e à hiperinflação na Venezuela.

Fernández diz que a convocação das eleições tambiém é uma reação às sanções impostas pela União Europeia contra funcionários do governo venezuelano.

2- É normal que as eleições presidenciais sejam antecipadas na Venezuela?

Quando Chávez se tratava de um câncer, em 2012, as eleições foram antecipadas de dezembro para outubro
Quando Chávez se tratava de um câncer, em 2012, as eleições foram antecipadas de dezembro para outubro
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Desde a instauração da democracia, em 1958, as eleições presidenciais na Venezuela sempre foram realizadas em dezembro.

Mas houve três exceções: o pleito de julho de 2000 para legitimar novamente todos os poderes após a aprovação da nova Constituição; o de outubro de 2012, quando Hugo Chávez buscou sua reeleição após ter tido um câncer; e o de abril de 2013, para escolher o sucessor de Chávez após sua morte.

Realizar as eleições até abril foge da tradição, mas não é algo ilegal, já que a lei não diz ser obrigatório que elas aconteçam em dezembro.

3- Como a oposição reagiu diante dessa mudança?

As primeiras reações foram divergentes. O ex-governador do Estado de Lara, Henri Falcón, se postulou como pré-candidato e propôs que o candidato da oposição seja eleito por consenso.

O opositor Henri Falcón já se colocou como pré-candidato presidencial, mas disse que o candidato apoiado pela oposição deve ser decidido em consenso
O opositor Henri Falcón já se colocou como pré-candidato presidencial, mas disse que o candidato apoiado pela oposição deve ser decidido em consenso
Foto: EPA / BBC News Brasil

Já o ex-prefeito de Caracas Antonio Ledezma, que se exilou no ano passado, disse que não foram oferecidas condições para que a oposição participe do pleito.

"Queremos eleições, mas transparentes, limpas, com monitoramento internacional, não eleições manipuladas", disse ele à Radio Caracol.

O ex-candidato presidencial Henrique Capriles Radonski publicou em seu perfil de Twitter que o governo pode perder as eleições diante de uma oposição unida.

"Se garantirem o direito que tem o nosso povo de decidir, eles vão embora", disse.

Carmen Beatriz Fernández, da Universidade de Navarra, diz que agora a oposição precisará decidir de forma consensual se vai participar ou não da disputa. "O pior que pode acontecer é alguns decidirem concorrer e outros não, o mesmo que aconteceu nas eleições para governador."

Ela adverte, no entanto, que não há garantias de que o processo eleitoral seja transparente.

"Para a oposição, a negociação na República Dominicana tinha como objetivo tentar equilibrar o sistema eleitoral venezuelano para que houvesse eleições minimamente competitivas. Com o adiantamento das eleições, sabemos que isso não acontecerá", diz.

4- Quem são os possíveis candidatos?

"O único candidato presidencial pelo SUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) será o atual chefe de Estado, Nicolás Maduro."

Com essas palavras Diosdado Cabello, o segundo homem mais importante do governo, encerrou qualquer discussão sobre quem será o representante chavista nas eleições.

O presidente Maduro já disse que concorrerá à reeleição
O presidente Maduro já disse que concorrerá à reeleição
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Maduro manifestou sua vontade de tentar a reeleição, mas indicou que a decisão será tomada numa convenção do partido no dia 4 de fevereiro.

Até agora não há no PSUV nenhum aspirante com intenção e apoio político suficientes para disputar com o presidente a posição de candidato oficial.

Já na oposição há vários aspirantes a candidatos, incluindo o ex-presidente da Assembleia Nacional Henry Ramos Allup e o ex-governador do Estado de Bolívar Andrés Velásquez.

E vários outros líderes que poderiam tentar se candidatar, como Leopoldo López, Henrique Capriles ou Antonio Ledezma, estão impedidos legalmente.

Leopoldo López, um dos dirigentes mais populares da oposição, está preso há quatro anos e não poderá concorrer
Leopoldo López, um dos dirigentes mais populares da oposição, está preso há quatro anos e não poderá concorrer
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

5- Como a comunidade internacional reagiu à notícia?

O adiantamento das eleições presidenciais da Venezuela foi questionado pelo chanceler do México, Luis Videgaray. Ele afirmou que a convocação é incompatível com a negociação na República Dominicana.

"A data da eleição era uma das coisas mais importantes que estavam sendo negociadas ali, e ainda não havia nenhum acordo a respeito", disse Videgaray no Twitter.

O chamado Grupo de Lima - formado por 14 governos da América Latina e do Caribe, incluindo o Brasil - também rechaçou a antecipação das eleições.

"Esta decisão impossibilita a realização de eleições presidenciais democráticas, transparentes e com credibilidade conforme padrões internacionais e contradiz os princípios democráticos e de boa fé para o diálogo entre o governo e a oposição", disse o grupo em um comunicado.

O grupo já havia dito, no ano passado, que não reconhecia a legitimidade da Assembleia Constituinte formada pelo governo.

O chanceler do México, Luis Videgaray, disse que a convocação das eleições atrapalha a negociação com a oposição que aconteceu na República Dominicana
O chanceler do México, Luis Videgaray, disse que a convocação das eleições atrapalha a negociação com a oposição que aconteceu na República Dominicana
Foto: EPA / BBC News Brasil

O governo dos Estados Unidos fez críticas semelhantes, dizendo que respalda "um sistema de eleições real, completo e justo, e não a Assembleia Constituinte ilegítima que foi feita por Maduro".

Diante dos questionamentos internacionais, Diosdado Cabello disse, ironicamente, no Twitter, que depois de haver solicitado eleições antecipadas, "os dirigentes da oposição e seus chefes imperiais" agora criticam sua convocação.

O chavismo sempre negou as acusações de supostas fraudes nas eleições venezuelanas e diz que o sistema eleitoral do país é o "mais seguro" do mundo.

Após a polêmica eleição da Assembleia Nacional Constituinte em julho de 2017 - que foi boicotada pela MUD por ser considerada fraudulenta -, a empresa Smartmatic, responsável pelo software das urnas venezuelanas, afirmou que foram contabilizados pelo menos um milhão de votos a mais do que seria esperado.

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