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Por que a morte de Qasem Soleimani pelos EUA é uma boa notícia para o Estado Islâmico

Assassinato de general iraniano provocou suspensão de operações de coalizão que combatia grupo jihadista e muda foco de milícias xiitas, que estavam entre principais inimigos do EI no Iraque.

10 jan 2020 - 09h33
(atualizado às 09h44)
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O chefe da milícia iraquiana Abu Mahdi-al-Muhandis morreu no mesmo ataque dos EUA que matou Qasem Soleimani
O chefe da milícia iraquiana Abu Mahdi-al-Muhandis morreu no mesmo ataque dos EUA que matou Qasem Soleimani
Foto: AFP / BBC News Brasil

A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de assassinar o general Qasem Soleimani, chefe da Força Quds do Irã, desencadeou uma série de consequências.

Uma das primeiras está ligada à guerra inacabada contra jihadistas — extremistas em "guerra santa" contra o Ocidente.

Quase imediatamente, a coalizão liderada pelos EUA que luta contra o grupo Estado Islâmico suspendeu as operações no Iraque. Os EUA e seus aliados anunciaram que seu principal trabalho agora é se defender.

Do ponto de vista militar, provavelmente eles não tinham outra escolha.

O Irã e as milícias que o apoiam aqui no Iraque juraram vingança pelos assassinatos causados pelo míssil disparado por um drone americano contra o veículo de Soleimani, quando este deixava o aeroporto de Bagdá.

Isso coloca as forças americanas no Iraque, além das forças dos aliados ocidentais que trabalham ao lado dos EUA, diretamente na linha de tiro.

Isso é muito bom para o Estado Islâmico e vai acelerar sua recuperação dos golpes que levou quando seu "califado" foi destruído.

O fato de o Parlamento iraquiano ter aprovado uma moção exigindo a retirada das tropas americanas de todo o país também foi uma boa notícia para os extremistas.

O Estado Islâmico tem sido muito resiliente ao longo de muitos anos. Ele se regenerou das ruínas de um grupo anterior, a Al Qaeda, no Iraque.

Uma grande operação militar em 2016 e 2017 foi necessária para acabar com o controle do Estado Islâmico sobre um território que se estendia pelo Iraque e pela Síria.

Muitos combatentes jihadistas acabaram mortos ou na prisão. Mas isso não acabou com a organização. Ela ainda está ativa em seus antigos locais no Iraque e na Síria, montando emboscadas, extorquindo fundos e acabando com mais vidas.

O Estado iraquiano possui unidades militares e policiais de elite, treinadas principalmente pelos americanos e aliados europeus que se juntaram à luta contra o Estado Islâmico.

Desde o assassinato de Soleimani, os EUA suspenderam o treinamento e as operações, assim como a Dinamarca e a Alemanha.

Os alemães estão levando seus treinadores militares que estavam no Iraque para a Jordânia e o Kuwait.

As forças iraquianas assumem a maioria dos riscos em relação às operações contra o Estado Islâmico. Mas, além do treinamento, eles contam com a ajuda logística vital das forças americanas, que agora estarão confinados em suas bases.

Os militantes do Estado Islâmico têm ainda mais a comemorar. Quando Donald Trump decidiu matar Soleimani, eles assistiram a um espetáculo em que um de seus inimigos, o presidente dos EUA, assassina outro.

Em 2014, os jihadistas foram para a ofensiva, capturando grandes áreas do Iraque, incluindo a cidade de Mosul.

O principal clérigo xiita no Iraque, o aiatolá Ali al-Sistani, chamou às armas para combater os extremistas sunitas.

Jovens xiitas se voluntariaram aos milhares — e Soleimani e sua Força Quds tiveram um papel de peso na transformação desses jovens em unidades armadas. Essas milícias eram inimigos cruéis e muitas vezes brutais do Estado Islâmico.

As milícias xiitas apoiadas pelo Irã na força de Mobilização Popular desempenharam um papel fundamental na guerra contra o Estado Islâmico.
As milícias xiitas apoiadas pelo Irã na força de Mobilização Popular desempenharam um papel fundamental na guerra contra o Estado Islâmico.
Foto: AFP / BBC News Brasil

Agora, os grupos apoiados pelo Irã foram absorvidos pelas forças armadas iraquianas sob uma organização abrangente chamada Mobilização Popular. Os líderes de milícias mais importantes tornaram-se poderosos líderes políticos.

Nos anos seguintes a 2014, os EUA e as milícias enfrentaram o mesmo inimigo. Mas as milícias xiitas agora parecem voltar às suas raízes, que estão na luta contra a ocupação liderada pelos EUA após a invasão de 2003.

Eles mataram muitos soldados americanos — ajudados pelo treinamento e melhores armas fornecidas por Soleimani —, o que foi uma das razões que levaram Trump a ordenar o ataque na semana passada.

Desde que Trump retirou-se unilateralmente do acordo nuclear do Irã em 2018, a relação entre americanos e iranianos estava ficando cada vez mais tensa.

Manifestantes atacaram a embaixada dos EUA em Bagdá após ataques dos EUA a uma milícia iraquiana.
Manifestantes atacaram a embaixada dos EUA em Bagdá após ataques dos EUA a uma milícia iraquiana.
Foto: AFP / BBC News Brasil

Antes de Soleimani ser morto, as milícias xiitas já tinham voltado a atacar americanos.

Um ataque no final de dezembro a uma base no norte do Iraque — em que um funcionário americano foi morto — foi respondido com ataques aéreos que mataram pelo menos 25 combatentes de um grupo chamado Kataib Hezbollah.

O líder do grupo, Abu Mahdi al-Muhandis, se encontrou com Soleimani no aeroporto de Bagdá e estava com o general iraniano no mesmo carro alvejado pelo drone na sexta-feira (03) passada.

A história revela que os extremistas jihadistas têm mais sucesso quando podem tirar proveito da instabilidade, caos e inimigos divididos e enfraquecidos.

Isso já aconteceu antes e há uma forte chance de que isso aconteça novamente.

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