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Oriente Médio

"O mundo evoluiu", diz brasileiro ex-chefe da Opaq sobre Nobel da Paz

11 out 2013 - 19h47
(atualizado às 20h30)
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O prêmio Nobel da Paz recebido pela Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq) é um sinal de que "o mundo evoluiu" e representa "o reconhecimento do multilateralismo e do diálogo para a solução dos conflitos", disse à BBC Brasil o embaixador do Brasil na França, José Maurício Bustani, que foi o primeiro diretor-geral da entidade.

A Opaq tem um papel-chave no desmantelamento do arsenal de armas químicas da Síria.

Segundo ele, "houve uma mudança importante na política norte-americana".

"A decisão sábia dos Estados Unidos de aceitarem uma tentativa de solução para o problema na Síria através da organização pode abrir uma nova era não só para o multilaterismo como para a solução de conflitos que não seja pela via unilateral militar", diz Bustani.

O brasileiro comandou a Opaq entre 1997 e 2002 e diz se sentir um pouco o "pai" da organização.

Bustani foi destituído da Opaq, após ter sido reeleito em 2000 por unanimidade, um ano antes de terminar seu primeiro mandato, justamente por pressão dos Estados Unidos. "Foi um momento traumático", afirma.

Ele defendia a adesão do Iraque à organização para conseguir realizar inspeções de armas químicas no país. No ano seguinte à sua destituição do cargo, os Estados Unidos atacaram o Iraque sob a alegação de que o país escondia tais armas.

"Meu trabalho naquele momento foi prejudicado porque estava apenas cumprindo a convenção ao seduzir e convencer os países a entrar para a organização. Esse processo foi interrompido porque os Estados Unidos prefiriram adotar um enfoque militar unilateral em relação ao Iraque."

"Se o reconhecimento da Opaq tivesse ocorrido antes, muito dissabor teria sido evitado", afirma o embaixador em Paris.

Segundo ele, não apenas a guerra no Iraque, em 2003, poderia ter sido evitada, mas também poderiam não ter ocorrido os recentes ataques com armas químicas na Síria.

"Se naquele momento tivesse sido permitido ao Iraque e à Libia, países que estavam dispostos a aceitar inspeções por meio da adesão à convenção sobre armas químicas, teríamos talvez evitado o que aconteceu no Iraque", diz Bustani.

"A partir da entrada do Iraque e da Líbia na Opaq, teríamos criado mais credibilidade e dado mais segurança para países como a Síria e o Egito para aderirem à convenção. E talvez não tivéssemos vivido as experiências mais recentes na Síria, com utilização do gás sarin", afirma o embaixador.

Para Bustani, o prêmio Nobel "merecido" recebido pela Opaq "é o reconhecimento que o enfoque multilateral para a solução dos problemas do mundo é o que deve prevalecer".

"Obviamente esse prêmio não diz respeito à operação na Siria, que apenas começou. Mas é o reconhecimento do trabalho da Opaq nos ultimos 15 anos, das qualificações que a organização desenvolveu e da utilidade que ela representa para a solução da crise síria", afirma o embaixador.

"Fico contente que a organização tenha sido finalmente reconhecida", afirma.

Bustani diz ter criado uma cultura na Opaq, que segundo ele se manteve, para permitir a implementação da convenção (sobre armas químicas) "que se aplica da mesma forma a qualquer país, seja uma grande potência ou uma ilha do Pacífico".

Segundo ele, a Opaq é uma organização "fundamentalmente técnica com uma dimensão política muito grande'.

"A Opaq lida com situações muito sensíveis do ponto de vista político. O diretor-geral não é um técnico, ele precisa ter conhecimentos técnicos, mas tem de ter capacidade de implementar a convenção a partir de uma visão política do que significa a convenção de proibição das armas químicas", afirma.

O embaixador afirma ainda que a organização já cumpriu grande parte de suas tarefas em relação à destruição de arsenais químicos, que é um processo lento e muito caro.

"No caso da Síria, vai ser necessário um aporte financeiro. Com a cooperação de todos, a convenção será aplicada. Talvez não com a velocidade que se espera. É preciso saber se as armas estão colocadas em projéteis lançadores ou contâiners separados. Dependendo da situação, o processo de destruição pode ser mais oneroso", afirma.

Quando Bustani assumiu o comando da Opaq, a organização reunia 87 países-membros. No momento de sua saída, o número havia pulado para 158. Atualmente, com a Síria, são 190 países.

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