PUBLICIDADE

Mundo

O desespero das meninas afegãs com proibição de escola secundária pelo Talebã

A BBC ouve jovens sobre o impacto prejudicial da proibição de professoras e alunas em 13 províncias afegãs.

9 dez 2021 - 08h36
(atualizado às 08h54)
Compartilhar
Exibir comentários
garotas escrevem em caderno
garotas escrevem em caderno
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Meninas adolescentes no Afeganistão contaram à BBC sobre seu crescente desespero enquanto continuam sendo excluídas da escola mais de três meses após a tomada do Afeganistão pelo Telebã.

"Não poder estudar é como uma pena de morte", disse Meena, de 15 anos. Ela conta que ela e suas amigas se sentem perdidas e confusas desde o fechamento de sua escola no nordeste da província de Badakhshan.

"Não temos nada para fazer além do trabalho doméstico... estamos simplesmente congeladas em um lugar", disse Laila, de 16 anos, cuja escola na província de Takhar fechou no dia em que o Talebã tomou o poder em agosto.

Entrevistas da BBC com estudantes e diretores em 13 províncias mostram a frustração das meninas por ainda serem impedidas de frequentar a escola secundária, apesar das garantias do Talebã de que elas poderiam retomar seus estudos "o mais rápido possível".

As escolas no Afeganistão só reabriram para meninas no nível primário de ensino
As escolas no Afeganistão só reabriram para meninas no nível primário de ensino
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Professoras, quase todas sem pagamento desde junho, disseram que a situação estava afetando o bem-estar das meninas, com uma delas atribuindo o casamento infantil de três de suas alunas ao fechamento das escolas.

Uma diretora de Cabul, que mantém contato com suas alunas via Whatsapp, disse: "As alunas estão muito chateadas, estão sofrendo mentalmente. Tento dar esperança a elas, mas é difícil porque estão expostas a tanta tristeza e decepção. "

As professoras também relataram uma queda preocupante na frequência de meninas nas escolas primárias, que foram autorizadas a retornar. Elas disseram que o aumento da pobreza e das preocupações com segurança levou as famílias a ficarem relutantes em mandar as meninas mais novas para a escola.

gráfico mostra queda na frequência escolar de meninas afegãs
gráfico mostra queda na frequência escolar de meninas afegãs
Foto: BBC News Brasil

As autoridades evitaram anteriormente confirmar que se tratava de uma proibição total. No entanto, em uma entrevista à BBC, o vice-ministro da Educação em exercício, Abdul Hakim Hemat, confirmou que as meninas não teriam permissão para frequentar a escola secundária até que uma nova política educacional fosse aprovada no ano novo.

Apesar disso, algumas escolas para meninas foram reabertas após negociação com autoridades locais do Talebã.

Mapa do Afeganistão mostra províncias onde algumas escolas secundárias foram reabertas
Mapa do Afeganistão mostra províncias onde algumas escolas secundárias foram reabertas
Foto: BBC News Brasil

Na cidade de Mazar-i-Sharif, no norte da província de Balkh, uma diretora escolar nos disse que não havia problemas e que as meninas frequentavam a escola normalmente.

Mas outra estudante na mesma cidade disse à BBC que um grupo de combatentes armados do Talebã estava se aproximando de meninas nas ruas, dizendo-lhes para se certificarem de que seus cabelos e bocas não estivessem visíveis. Como resultado, cerca de um terço de suas colegas de classe parou de ir à escola.

"Ficamos com a vida na mão quando saímos de casa. As pessoas não sorriem. A situação não está calma. Estamos tremendo de medo", disse ela. O governo do Talebã ordenou que os meninos voltassem à escola secundária em setembro, mas não fez menção às meninas.

Diretoras de três províncias diferentes disseram à BBC que reabriram escolas e apenas um dia depois foram informadas por autoridades locais, sem explicação, que deveriam fechá-las. Garotas apareciam nos portões da escola todos os dias perguntando quando teriam permissão para voltar, disse uma delas.

Algumas alunas continuam estudando em casa
Algumas alunas continuam estudando em casa
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Laila, que quer ser enfermeira parteira ou médica, diz que mantém o material escolar limpo e arrumado no quarto, não permitindo que ninguém toque nele, esperando o momento em que possa voltar a usá-lo.

"Quando vejo minhas roupas, livros, lenço e sapatos, todos novos simplesmente parados no meu armário sem serem usados, fico muito chateada. Nunca quis ficar sentada em casa", diz ela.

Meena quer ser cirurgiã, mas tem dúvidas se terá permissão para continuar seus estudos.

Ela se lembra de fazer fila no parquinho da escola e rir com as amigas, onde cantavam o hino nacional antes de ir para as aulas.

"Sempre que penso nesses momentos, fico chateada e sem esperança em relação ao nosso futuro", diz ela.

Hemat, o vice-ministro da Educação em exercício, disse que a situação atual é um atraso temporário enquanto o governo garante um "ambiente seguro" para as meninas irem à escola.

Ele enfatizou a necessidade de segregar as aulas para meninos e meninas, algo que já é comum em todo o Afeganistão.

gráfico mostra aumento de 6% em 2003 para 39% em 2017 relativo à frequência de meninas nas escolas secundárias
gráfico mostra aumento de 6% em 2003 para 39% em 2017 relativo à frequência de meninas nas escolas secundárias
Foto: BBC News Brasil

Meninas e mulheres foram banidas de escolas e universidades durante o governo anterior do Talebã, de 1996 a 2001.

Os fechamentos deste ano já tiveram um efeito permanente na vida de algumas meninas, de acordo com o depoimento de uma diretora da província de Ghazni, no sudeste.

"Pelo menos três de nossas meninas de 15 anos ou menos se casaram desde que o Talebã assumiu", disse a professora, que temia que a mesma coisa acontecesse a outras meninas, pois suas famílias ficam frustradas por vê-las em casa "sem fazer nada".

A Unicef disse estar profundamente preocupada com relatos de que o casamento infantil está aumentando no Afeganistão.

Uma diretora na província central de Ghor disse à BBC que a questão do fechamento de escolas era irrelevante em comparação com os outros problemas que suas alunas enfrentam.

"Acho que muitas de nossas alunos vão morrer... Elas não têm comida suficiente para comer e não conseguem se manter aquecidas. Você não pode imaginar a pobreza", disse ela.

*Todos os nomes das entrevistadas foram alterados para proteger suas identidades

Reportagem adicional do serviço afegão da BBC.

Sabia que a BBC está também no Telegram? Inscreva-se no canal.

BBC News Brasil BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
Compartilhar
Publicidade
Publicidade