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'Meu filho quer se matar': o testemunho da mãe do jovem que ficou cego após levar tiros da polícia venezuelana

Procurador-geral da Venezuela confirma jovem foi ferido por tiros disparado por policiais durante protesto e que estes serão 'severamente punidos'; caso reacende acusações de truculência das forças de segurança no país.

5 jul 2019 - 07h09
(atualizado às 07h15)
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Rufo Antonio Chacón, de 16 anos, ficou cego após ser baleado em protesto na Venezuela
Rufo Antonio Chacón, de 16 anos, ficou cego após ser baleado em protesto na Venezuela
Foto: TWITTER @FRANKLYNDUARTE_ / BBC News Brasil

"Meu filho não quer mais viver, arruinaram a vida dele", diz Adriana Parada.

Seu filho, Rufo Antonio Chacón, de 16 anos, ficou conhecido na Venezuela como vítima de um recente episódio de denúncia de brutalidade policial no país.

O jovem perdeu a visão dos dois olhos na última segunda-feira por tiros disparados por policiais à queima-roupa.

Chacón participava de um protesto contra a falta de gás na comunidade onde ele vive, no município de Cárdenas, no Estado de Táchira, que faz fronteira com a Colômbia.

O procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, confirmou que o jovem foi ferido por tiros disparado por policiais, que causaram "ferimentos graves".

Saab anunciou a prisão de dois agentes que, segundo ele, serão "severamente punidos".

"Ninguém vai devolver os olhos do meu filho", protesta a mãe do adolescente.

O caso de Rufo Antonio Chacón reacendeu as críticas à truculência das forças de segurança na Venezuela e a discussão sobre a frágil situação dos direitos humanos no país.

A mãe do adolescente ferido relata que a polícia começou a reprimir o protesto sem dar qualquer qualquer aviso prévio
A mãe do adolescente ferido relata que a polícia começou a reprimir o protesto sem dar qualquer qualquer aviso prévio
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A notícia chegou à imprensa local logo após o governo de Nicolás Maduro ter admitido a morte do capitão Rafael Acosta Arevalo quando este esteve sob custódia da inteligência militar.

Acosta foi acusado pelo governo de participar de uma tentativa de golpe contra o presidente Nicolás Maduro.

A esposa do militar alega que seu marido morreu após ser torturado por agentes dos serviços de segurança.

Adriana Parada testemunhou o ataque a seu filho porque estava entre os vizinhos que participaram do protesto depois de três meses sem fornecimento de gás.

"Estamos com fome e cansados de cozinhar com lenha", diz ela.

A crise no país levou muitos venezuelanos a deixar o país
A crise no país levou muitos venezuelanos a deixar o país
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Junto com Rufo e seu outro filho de 14 anos, Parada foi às ruas participar do protesto que bloqueou a estrada para exigir soluções. Manifestações como essa são comuns na Venezuela, ante os problemas crônicos de abastecimento de energia.

Apesar de ter - segundo o governo - as maiores reservas de petróleo comprovadas do mundo, em muitas regiões do país há escassez de combustível - e em muitos lugares a falta de gás levou a protestos de moradores e bloqueios de estradas.

'Ele atirou quando meu filho já estava no chão'

Adriana Parada conta que a participação dela e de seus filhos no protesto era pacífica e que também havia mulheres e crianças no ato.

"De repente, a polícia chegou e, sem aviso, começou a atirar e bater na gente", diz ele.

"Fui socorrer meu filho de 14 anos, que estava sendo golpeado na cabeça. Quando olhei, eles estavam avançando na direção do meu filho mais velho", continua ela.

"Um policial atirou nele primeiro. O outro atirou quando meu filho já estava no chão."

As imagens do rosto ensanguentado do jovem a caminho de um hospital viralizaram na Venezuela.

Um porta-voz do Hospital Central de San Cristóbal, no qual foi atendido, relatou que o jovem tinha oito balas de chumbinho alojadas no globo ocular esquerdo e quatro no direito.

"Infelizmente, ele perdeu sua visão", concluiu o oficial.

Adriana lamenta que eles "desfiguraram" seu filho. Ela diz que os médicos "tiveram que colocá-lo para dormir porque ele quer se matar".

"Ele é um estudante que estava feliz consertando celulares e que teve seu sonho de ser engenheiro de computação destruído."

Bachelet considerou em sua visita que "a situação no país se deteriorou de maneira extraordinária"
Bachelet considerou em sua visita que "a situação no país se deteriorou de maneira extraordinária"
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Parada conta que seu salário como cozinheira do Ministério do Serviço Penitenciário não era suficiente para sustentar seus três filhos, e que tem trabalhado em Cúcuta, no outro lado da fronteira com a Colômbia, para ganhar a vida limpando casas e empresas.

Ela deixou as crianças sob os cuidados de sua mãe, de 80 anos, mas depois do que aconteceu, diz que seu lugar é ao lado de seu filho ferido.

"Eu sou uma mãe solteira que está disposta a lutar pelos seus filhos", afirma ela.

A Venezuela recebeu na semana passada a visita da Alta Comissária da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet.

A ex-presidente chilena alertou que "a situação no país se deteriorou de maneira extraordinária" e denunciou sequestros e homicídios cometidos por membros das forças de segurança.

Durante sua visita, o presidente Maduro afirmou seu compromisso "para que a Venezuela tenha um sistema de direitos humanos cada vez melhor".

Adriana Parada diz que em sua comunidade é frequente que "a polícia intimide o povo de maneira impune".

Para ela, o caso de seu filho mostra que na Venezuela "não há direitos humanos".

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