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Incêndios em florestas da Bolívia colocam iniciativas agrícolas de Evo em xeque

9 set 2019 - 14h41
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Na cidade tropical boliviana de Santa Cruz de la Sierra, um polo agrícola rico no extremo da floresta tropical amazônica, o presidente Evo Morales se reuniu com fazendeiros no mês passado para comemorar o primeiro envio de carne bovina à China.

Tronco de árvore em chamas em área de conservação ambiental da Bolívia
29/08/2019
REUTERS/David Mercado
Tronco de árvore em chamas em área de conservação ambiental da Bolívia 29/08/2019 REUTERS/David Mercado
Foto: Reuters

Uma cerimônia elaborada foi realizada para marcar o que deveria ser uma conquista decisiva do plano de Evo de tornar a Bolívia uma fornecedora global de alimentos: a entrada no enorme mercado chinês no momento em que Pequim busca alternativas a produtores dos Estados Unidos.

"É outra política que permita que a Bolívia siga crescendo economicamente", disse o primeiro presidente indígena da Bolívia no evento de 28 de agosto. O país enviará 8 mil toneladas de carne bovina à China no ano que vem, acrescentou.

Mas nos arredores da cidade, o custo de um avanço rápido na agricultura e na pecuária é visível. Incêndios florestais ardiam, provavelmente provocados por um aumento nos cortes e queimadas em terras para o pasto ou para plantação de soja.

Os incêndios em território boliviano, que espelham aqueles que devastam vastas áreas da Amazônia brasileira, ameaçam frustrar a busca de Evo por um quarto mandato consecutivo e mais cinco anos de "Evonomics", sua modalidade de capitalismo misturado com intervencionismo estatal socialista.

Críticos ligam os incêndios a leis que Evo sancionou incentivando agricultores e fazendeiros a se estabelecerem em áreas florestais nos últimos anos. Elas incluem permissão neste ano para usar métodos de cortes e queimadas para acelerar a produção, apesar de uma seca.

A escala dos incêndios é imensa, ameaçando o que é visto como um escudo natural contra a mudança climática. Nas últimas semanas, eles arrasaram mais de 2,1 milhões de hectares no país sem saída para o mar, consumindo mais de 700 mil hectares de floresta em reservas protegidas, segundo um relatório do grupo conservacionista local FAN.

E eles chamaram atenção para o apoio recém-descoberto de Evo a um setor antes em atrito com seu governo, colocando-o na defesa antes da eleição de 20 de outubro.

CURSO DA HISTÓRIA

O apoio de Evo à agropecuária surpreendeu algumas pessoas. Ao contrário do presidente Jair Bolsonaro, que classificou a mudança climática como uma farsa, Evo é conhecido como um ambientalista aguerrido no exterior, que costuma falar da necessidade de proteger a "Pachamama", ou Mãe Terra, no fóruns internacionais.

Mas ele também está determinado a fomentar o desenvolvimento e o crescimento econômico na Bolívia, um dos países mais pobres da América do Sul. O governo Morales se tornou mais conhecido como um promotor das matérias primas agrícolas, chamando-as de "novo ouro" que ajudará a diversificar a economia que depende da exportação de gás natural.

"O bomo é que o incêndio conseguiu reverter o curso da história", disse o cientista político Franklin Pareja, radicado em La Paz. "É tão grande... que começou a expor outras coisas. Por exemplo, que não se trata só de utilizar as pessoas pobres, mas que há interesses corporativos agroindustriais que serão os mais favorecidos."

Após uma onda de críticas à reação inicialmente lenta de seu governo aos incêndios, Evo entrou em ação no final de agosto, alugado um avião anti-incêndio Boeing SuperTanker para lançar água sobre as chamas e se unindo aos bombeiros que os combatem com mangueiras.

Agora as chances de sucesso eleitoral de Evo podem depender de seu principal rival, Carlos Mesa, ser capaz de capitalizar a revolta com os incêndios. Algumas pesquisas de opinião recentes indicam que Mesa pode triunfar em um possível segundo turno.

"Isto é um desastre nacional", disse Mesa à emissora nacional Red Uno. "Sabemos quem causou este desastre, Evo Morales e suas políticas irresponsáveis de uso da terra."

O governo negou que suas políticas atiçaram os incêndios, chamando a acusação de "uma mentira" e prometendo investir o que for necessário para replantar as florestas.

Evo, que já foi plantador de coca, culpou as secas periódicas que atingiram o território duramente neste ano. "Se você fumar um cigarro e o jogar fora, tem faísca, tem incêndio", disse Evo a fazendeiros na cerimônia em Santa Cruz na semana passada.

MATANDO A GALINHA DOS OVOS DE OURO

Uma década atrás, Evo era tão desprezado em Santa Cruz que evitou sua feira agrícola anual. A província tradicionalmente conservadora temia seus planos para dividir grandes propriedades rurais.

Mas ele se tornou mais popular em Santa Cruz desde 2013, quando seu governo anunciou um plano para triplicar para 13 milhões de hectares as terras de cultivo da Bolívia até 2025, um objetivo que alguns dizem só ser possível destruindo grandes porções de floresta.

Uma série de indultos do governo ao desmatamento ilegal a partir daquele ano incentivou colonos sem terras a desbravar as profundezas da Amazônia, que viu o desmatamento para a agricultura dobrar entre 2014 e 2018, como disse a agência florestal boliviana em um relatório emitido em abril.

Neste ano, Evo aprovou uma regra para estimular mais exportações de soja e, no início da estação seca, autorizou o uso de incêndios controlados para expandir a fronteira agrícola em províncias amazônicas hoje à mercê de incêndios.

Os agropecuaristas dizem que essas medidas eram necessárias para apoiar o setor e apelaram a Morales para que não ceda diante das demandas para reprimir o setor, apesar dos incêndios.

"As normas questionadas foram bem pensadas e bem elaboradas... não devem ser rejeitadas", disse Oscar Pereyra, presidente de uma grande associação pecuária. "Não podemos matar a galinha dos ovos de ouro" do setor agrícola, acrescentou.

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