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Papa Francisco

Com Francisco, freira brasileira espera mais espaço para mulheres na Igreja

Em entrevista ao Terra, a catarinense Cecília Berno defendeu maior participação das mulheres na Igreja: "na época de Jesus, o contexto sócio-cultural era outro"

24 mar 2013 - 09h41
(atualizado em 9/9/2013 às 14h22)
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A irmã Cecília Berno não gosta de falar sobre engajamento político, mas é uma dessas vozes dissonantes dentro da Igreja Católica. A bandeira desta catarinense de 66 anos é a igualdade de gênero. Desde que decidiu abraçar a vida religiosa há mais de quatro décadas, ela milita para que as mulheres possam ser ordenadas sacerdotisas e tenham mais voz dentro de uma instituição que ainda guarda traços de um machismo medieval.

A irmã Cecília Berno em Roma, onde está em missão há cerca de seis meses
A irmã Cecília Berno em Roma, onde está em missão há cerca de seis meses
Foto: Mário Camera / Especial para Terra

Filiada ao PT "desde os primeiros anos da fundação do partido", a Irmã Cecília  não gosta da definição direita-esquerda. Além da ordenação de mulheres, defende a Teologia da Libertação e diz respeitar os homossexuais. Além disso, afirma que muitos dos problemas sexuais na Igreja teriam sido evitados se houvesse uma flexibilização do celibato de padres: "assim, eles poderiam decidir se querem ou não ter uma família". 

Ela encontrou a reportagem do Terra, em Roma, onde está em missão há cerca de seis meses. Sempre em "defesa da liberdade", ela falou sobre como vê a Igreja e o papel desempenhado pelas mulheres na instituição.

Terra - O novo papa pode trazer mais igualdade para as mulheres dentro da Igreja?

Irmã Cecília Berno - Sei que, talvez, eu não estarei aqui para ver meu sonho realizado. Mas eu aposto nele. Quero acreditar. Em seu primeiro dia, aqui na Praça de São Pedro, ele disse: "estamos começando um caminho juntos". Ele convidou todo mundo, não só os homens. Ele me convidou; eu sou mulher. E quero caminhar com ele. Não é algo simples. Essa é uma Igreja muito masculina. Mas isso está mudando.  

Terra - Quais foram suas primeiras impressões de Francisco?

Irmã Cecília Berno - Foram muito boas. Isso é algo bom. Quando a pessoa tem o perfil de querer estar junto ao outro, é porque tem sensibilidade. Compreender as pessoas e abrir espaços. Como dizia o papa João XVII: "não tenha medo de abrir a janela, deixe o sol entrar".    

Terra - Nos últimos 30 anos, durante os papados de João Paulo II e Bento XVI, houve um aumento da influencia de organismos ultraconservadores dentro da Cúria. Isso não atrapalha as aspirações por mais igualdade e modernidade dentro da Igreja?

Irmã Cecília Berno - Durante o Concílio Vaticano II, o papa João XVII pediu uma volta às raízes do evangelho, à igualdade dos povos. Dentro da Igreja, temos grupos que não concordam com isso e que se fortaleceram. Os novos sacerdotes acabaram sendo formados a partir desta visão, voltada mais para dentro da Igreja. Isso foi um retrocesso.

Terra - Atualmente, até onde vai a participação da mulher nas decisões da instituição? 

Irmã Cecília Berno - A Igreja é uma instituição com uma missão religiosa e constituída de homens e mulheres. Então, por que não pode existir uma participação igualitária da mulher em suas decisões? Na época de Jesus, o contexto sócio-cultural era outro. Hoje, nós mulheres até temos uma ampla participação dentro da Igreja, mas quando chega um momento decisão, a mulher não pode participar.

Terra - A senhora sofreu discriminação de membros da Igreja por ser mulher?

Irmã Cecília Berno - No meu trabalho, eu sempre fui muito valorizada - por padres, inclusive. Mas, no âmbito das decisões, nós nunca somos chamadas, pois não somos bispos, padres, cardeais. É salutar a igreja discutir esse assunto.

Terra - Existe um movimento forte dentro da Igreja que seja capaz de derrubar essa visão de que a mulher é inferior ao homem no que diz respeito às tomadas de decisão?

Irmã Cecília Berno - Eu prefiro usar a palavra "conquistar", em vez de "derrubar".  Prefiro pensar no lado positivo da coisa, pois quando você conquista um espaço, naturalmente você o transforma. 

Terra - Qual a sua opinião sobre a posição da Igreja em relação aos métodos contraceptivos?

Irmã Cecília Berno - Antes de dizer se sou favorável ou não a métodos contraceptivos, quero dizer que eu sei que todo mundo usa. Devemos dar o devido peso às coisas. Não é um pecado usar um preservativo. Ao mesmo tempo, vejo que existe uma banalização do sexo. Acho que é mais importante educar os jovens, para que eles saibam que ter um filho é uma responsabilidade muito grande. 

Terra - A senhora sempre defendeu um sistema mais participativo dentro da Igreja Católica...

Eu sou favorável à maior participação possível. Eu vivi isso - principalmente, na política, mas também na Igreja. À medida em que você conversa em conjunto sobre as necessidades, as pessoas assumem responsabilidades e começam a participar das decisões. 

Terra - Durante o período da ditadura militar no Brasil, a senhora chegou a sofrer algum tipo de perseguição por suas posições?

Nós nunca sentimos isso diretamente. Mas, na cidade, nós tínhamos um centro de formação pastoral missionário e eu sei que o exército esteve lá em busca de material sensível. Em algumas de nossas escolas, os livros do Paulo Freire foram recolhidos. 

Terra - Como a senhora encarava isso?

Irmã Cecília Berno - É impossível concordar com a ditadura. Nós tivemos irmãs que foram obrigadas a sair do país por estarem em regiões mais visadas pela ditadura. Mas, o nosso trabalho, nós conseguimos ir levando.

Terra - Houve pressão por parte da Igreja para que a senhora, de alguma maneira, mudasse a sua posição?

Irmã Cecília Berno - Não, pelo contrário, na época, quando soube das ações do exército, nosso bispo foi para a porta desse colégio pastoral e disse "nesse centro mando eu". 

Fonte: Especial para Terra
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