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Especial/Como identificar o fascismo? (2)

Especialista explica características do movimento de Mussolini

19 out 2018 - 17h41
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ANSA: Como o líder constrói essa simbiose com as massas no fascismo? Zani: Isso é cientificamente construído graças a uma ideologia permeada de ritos, mitos, símbolos, como uma saudação particular - saudação romana - e a camisa negra. Isso significa que, em certa medida, os totalitarismos do século 20, em particular o nazismo e o fascismo, se constroem como religiões políticas.

    Pretendem fé de seus apoiadores, não apenas obediência. Primeiro acreditar, depois obedecer e depois combater. Para construir esse universo de ritos e mitos, é preciso encontrar um passado que seja funcional a essa construção. O fascismo o identifica no Império Romano, na antiga missão civilizatória de Roma. Li nos jornais que o candidato Bolsonaro tem uma certa nostalgia de momentos ditatoriais do passado brasileiro. Essa é uma maneira de, a seu modo, se reconhecer em uma tradição, de propor um pedaço de passado que seja funcional a seu próprio modo de pensar. Sendo o fascismo feito de ação pela ação, ele recusa o iluminismo, o pensamento crítico, a racionalidade. Odeia as diferenças, as distinções, e ama a uniformidade.

    ANSA: O fascismo italiano pregava a destruição da antiga ordem liberal, mas se valeu dessa mesma ordem para conquistar o poder.

    Como era sua relação com as elites italianas? Zani: O fascismo italiano projeta no poder uma nova classe dirigente. E, no entanto, deve fazer as contas com uma situação precedente que ele não pode ignorar. Essa situação precedente tem, antes de tudo, um rei, uma monarquia, e o fascismo italiano faz uma espécie de compromisso com a monarquia, no curso do qual o poder real é progressivamente reduzido em relação ao poder do Duce. E tinha a Igreja Católica. Mussolini, com o Tratado de Latrão de 1929, tenta encontrar um compromisso. Cada um governa em seu campo. Mas como o fascismo, sendo uma ideologia totalitária, tenta formar novas gerações sob seu credo, entra necessariamente em contraste com a educação católica. Se o fascismo não tivesse acabado na Segunda Guerra, teria havido um progressivo atrito. Já a velha classe dirigente liberal, a não ser por alguns homens políticos iluminados, que pagaram com a vida por sua capacidade de compreensão, se ilude com a ideia de que pode constitucionalizar o fascismo, transformá-la em uma forma conservadora tradicional. Esse foi um erro gravíssimo. O fascismo não era uma força conservadora e autoritária tradicional, era uma coisa completamente nova. E nisso houve uma subestimação dos riscos. Uma vez no poder, o fascismo convive com as classes dirigentes anteriores, mas na medida em que essas classes dirigentes se tornam apoiadoras do fascismo. O fascismo foi apoiado pelos fazendeiros e, sobretudo no início, por uma parte dos industriais, mas nem uns nem outros entenderam que o fascismo era algo diferente daquilo que imaginavam.

    ANSA: Aqui no Brasil existe um debate se o fascismo - e até o nazismo - é um movimento de direita ou esquerda. O senhor acredita ser possível enquadrá-lo nessas definições? Zani: Há uma corrente de pensamento que identifica no nazismo uma força seguramente de direita, porque é fundamentalmente e profundamente antimoderna, ligada à recuperação de um passado mítico da pureza ariana. O fascismo italiano é um pouco diferente sob esse ponto de vista. Ele se põe como uma força até revolucionária, que olha para um futuro diferente. Mussolini, antes de se tornar o Duce, foi um dos principais líderes do socialismo revolucionário, então, de alguma forma, o fascismo é herdeiro dessa tradição do sindicalismo revolucionário. O grupo dirigente do primeiro fascismo tinha muitos ex-sindicalistas revolucionários. À luz disso, sou contrário à sua classificação em uma definição seca. Uma definição de fascismo exige duas páginas. Enquadrá-lo como de direita ou de esquerda me parece francamente reducionista.

    ANSA: Um dos ingredientes da ascensão do fascismo é o medo de uma revolução comunista. Porque o totalitarismo comunista causava mais medo do que o totalitarismo fascista? Zani: Um primeiro elemento de medo das massas populares moderadas nascia do fato de que a força da palavra de ordem da revolução vermelha nas primeiras décadas do século 20 era muito mais evocativa, muito mais forte, que a hipótese de uma revolução de direita, que, em certa medida, é proclamada e inventada pelo fascismo, em nome da ordem e da segurança contra os riscos da revolução vermelha. Aquilo era percebido ao nível de massa como o risco principal. O espectro principal, aquele do qual se nutrem os regimes totalitários de direita, era a revolução de esquerda. Esse elemento originário se sedimenta também porque os regimes totalitários de direita colocam muito foco na ordem e na segurança. São revoluções que não exaltam a revolução. Exaltam, por outro lado, a necessidade de se encontrar ordem e segurança.

    ANSA: O senhor disse que o fascismo histórico se encerrou com a experiência de Mussolini. Já Umberto Eco falava em "fascismo eterno". O senhor acredita que o fascismo possa se adaptar aos nossos tempos? Zani: Algumas características e a contextualização histórica do fascismo italiano não são repetíveis. Também é importante a figura do líder nesses regimes. Em sua ausência, é difícil pensar em uma simples repetição daquilo que já ocorreu. Mas há uma série de fatores que, em diferentes contextos históricos, com diferentes instrumentos de comunicação de massa, poderiam assumir um fascismo atualizado aos dias de hoje. Uma forma e uma modalidade muito diversas em relação ao passado. Umberto Eco tem sua parcela de razão, há uma série de elementos e fatores - aqueles que eu elenquei no início - que podem constituir um elemento identitário à luz da realidade de hoje.

Ansa - Brasil   
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