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ESPECIAL-Groenlândia e a busca da Nasa por uma ciência climática mais precisa

20 set 2018 - 15h40
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(Veja versão multimídia em inglês em https://tmsnrt.rs/2xvdzOS)

Iceberg flutando no mar da Groenldândia 18/06/2018 REUTERS/Lucas Jackson
Iceberg flutando no mar da Groenldândia 18/06/2018 REUTERS/Lucas Jackson
Foto: Reuters

Por Alister Doyle, Elizabeth Culliford e Lucas Jackson

GROENLÂNDIA, 19 Set (Reuters) - Em um sobrevoo no leste da Groenlândia, cientistas da Nasa observam pelas janelas de um jato Gulfstream enquanto a aeronave repete o percurso exato que os pesquisadores fizeram nos anos anteriores, usando um radar para mapear a diminuição do gelo.

"Dentro do tubo", disse o engenheiro de voo David Elliott quando a equipe entrou na rota sobre a camada de gelo que cobre 80 por cento da maior ilha do mundo. Pelas janelas, grandes blocos de gelo partido lembram flocos de sal na água.

A missão de março foi parte do projeto Oceanos da Groenlândia em Derretimento (OMG), da Agência Aeroespacial dos Estados Unidos (Nasa), uma iniciativa de cinco anos e 30 milhões de dólares que visa melhorar as previsões sobre a elevação do nível dos mares entendendo como os oceanos cada vez mais quentes estão derretendo as camadas de gelo por baixo -- a pesquisa mais ambiciosa até hoje sobre o tema.

A elevação dos mares ameaça cidades em áreas baixas, ilhas e indústrias de todo o mundo. Mas existem grandes variações quando se projeta a altura e a rapidez dessa elevação, em parte porque os cientistas não sabem ao certo o quão rápido os oceanos em aquecimento estão derretendo camadas de gelo polar.

Essa incerteza prejudica os preparativos de governos e negócios e estimula os argumentos dos céticos da mudança climática.

O esboço de um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC), por exemplo, prevê que os mares devem subir entre 33 centímetros e 1,33 metro até 2100 -- uma margem maior do que a estimativa de 28 a 98 centímetros da última avaliação de 2013 do próprio IPCC.

As projeções do IPCC, que foram analisadas pela Reuters, não haviam sido divulgadas antes.

Até agora a maior parte das pesquisas sobre geleiras se concentrou em como o ar cada vez mais quente derrete camadas de gelo, mas os oceanos em aquecimento desempenham um papel crucial, disse Josh Willis, principal investigador do OMG.

"Não é só um cubo de gelo e um secador de cabelo", disse ele, usando uma metáfora comum para explicar como o ar mais quente derrete geleiras. "Estamos só começando a compreender como estas camadas de gelo se comportarão em um mundo em aquecimento".

O projeto OMG almeja esclarecer como a própria Groenlândia contribui para a elevação dos mares, mas também aplicar esse conhecimento ao estudo da região muito mais ampla da Antártida, que tem muito mais gelo e futuramente pode ter um papel muito maior nessa elevação.

Embora a maior parte do gelo da Groenlândia esteja em terras acima do nível do mar, grandes porções da camada de gelo do oeste da Antártida estão abaixo do nível do mar, o que as torna mais vulneráveis aos oceanos em aquecimento.

Atualmente o gelo em derretimento na Groenlândia acrescenta 0,8 milímetros de água aos níveis globais dos oceanos anualmente, mais do que qualquer outra região, segundo a Nasa -- água suficiente para encher 115 piscinas olímpicas.

Os cientistas responsáveis pelo estudo do IPCC, que se espera ser a avaliação mais qualificada já feita sobre a elevação dos mares, não quiseram debater os resultados preliminares do documento. Hans-Otto Poertner, um dos principais responsáveis pelo relatório, disse que ele "será submetido a análise e a uma nova revisão" antes de sua publicação, prevista para setembro de 2019.

Mas o alcance previsto da elevação dos mares provavelmente não ficará mais preciso, disse um cientista que trabalha no esboço sob condição de anonimato.

    "O alcance da elevação dos mares está aumentando", afirmou.

    Os mares mais elevados já estão criando marés altas mais perigosas, alertou o IPCC, exacerbando enchentes ou erosões litorâneas da Costa do Golfo dos EUA às Maldivas e à China. Algumas ilhas-nações em terras baixas, como Fiji e Vanuatu, transferiram algumas comunidades costeiras para terrenos mais altos.

O esboço do IPCC diz que o ritmo da elevação dos mares em 2100 dependerá muito da eficácia dos governos na redução da poluição de combustíveis fósseis, que o órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) disse ser a causa dominante do aquecimento global desde meados do século 20.

    Mas as lacunas na compreensão dos cientistas a respeito da dinâmica das camadas de gelo também tornam difícil prever como o derretimento das geleiras contribuirá para a elevação dos mares, disse David Holland, oceanógrafo da Universidade de Nova York que estuda as geleiras groenlandesas há 12 anos.

    "A modelagem dela é como queijo suíço", disse Holland. "Ela envolve projeções mais desafiadoras e uma física desconhecida".

    Algumas geleiras da Groenlândia estão desaparecendo mais rápido do que outras, e entender a razão é um dos objetivos centrais da missão da Nasa.

    Novos dados da agência sobre temperatura, profundidade e salinidade da água ajudaram a explicar porque o ritmo da perda de gelo da geleira groenlandesa Tracy é quase quatro vezes o ritmo daquele de Heilprin, uma geleira próxima -- a água fresca que flui da Tracy, que se assenta sobre um leito de rocha mais profundo, se mistura com uma camada de água quente e salgada que vem do litoral da Groenlândia, o que acelera o processo de derretimento, segundo os pesquisadores.

    Muitas outras geleiras da Groenlândia enfrentam um problema semelhante. No ano passado pesquisadores descobriram que 67 delas estão ligadas a uma camada mais quente e profunda ao menos 200 metros abaixo do nível do mar -- no mínimo o dobro do que se tinha conhecimento.

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