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Mundo

Entenda o complexo sistema de eleição indireta nos EUA

Colégio eleitoral possibilita vitória de menos populares

29 out 2020 - 14h44
(atualizado às 14h56)
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Tida como favorita, Hillary Clinton teve quase 3 milhões de votos a mais que Donald Trump na eleição presidencial dos EUA em 2016, mas uma diferença de 77.744 sufrágios em favor do republicano em três estados-chave acabou colocando o improvável magnata no Salão Oval da Casa Branca.

Trump já venceu com menos votos em 2016 e pode repetir a dose em 2020
Trump já venceu com menos votos em 2016 e pode repetir a dose em 2020
Foto: EPA / Ansa - Brasil

A maior potência política, econômica e militar da história elege seu líder máximo por meio de um sistema indireto que, passados quatro anos da votação que surpreendeu o mundo, pode mais uma vez premiar o candidato com menos apoio do eleitorado.

As pesquisas são praticamente unânimes em prever uma vitória do democrata Joe Biden no voto popular - algumas delas falam em até 10 pontos de vantagem sobre Trump -, mas o histórico de 2016 e o colégio eleitoral recomendam cautela na projeção de um vencedor.

Para entender esse raro sistema enraizado na sociedade americana, é preciso ter em mente o nome oficial do país: Estados Unidos da América, a federação mais antiga do mundo e formada por 50 estados relativamente autônomos e um distrito federal.

"Não é o povo americano que elege o presidente. São os estados que elegem o presidente da união dos estados", explica Bruno Reis, professor de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em entrevista à ANSA.

Voto indireto

O colégio eleitoral que escolhe o presidente dos EUA é formado por 538 delegados distribuídos por todas as unidades da federação de acordo com o tamanho de sua população, sendo que um candidato precisa assegurar pelo menos 270 para ser declarado vencedor.

O estado com mais delegados é a Califórnia, com 55, enquanto Alasca, Dakotas do Norte e do Sul, Delaware, Distrito de Colúmbia, Montana, Vermont e Wyoming estão na outra ponta, com três cada. Quando os eleitores vão às urnas, eles, na prática, decidem em quem os delegados de seus estados votarão.

"Basicamente, o que acontece é isso: não há uma eleição federal nos EUA, há 50 eleições estaduais, e esses resultados são agregados no colégio eleitoral", diz Reis.

Com exceção de Maine e Nebraska, todas as unidades da federação adotam o sistema "winner-take-all" ("o ganhador leva tudo"), que dá ao candidato mais votado todos os delegados daquele estado, independentemente do percentual de seus adversários.

Foi esse sistema que permitiu a vitória de Trump em 2016, mesmo ele tendo menos votos que Hillary em âmbito nacional. O magnata republicano terminou com vantagem de 0,23 ponto percentual no Michigan (10.704 votos), 0,72 na Pensilvânia (44.292) e 0,77 no Wisconsin (22.748), o que lhe deu os 46 delegados desses três estados que a democrata já considerava conquistados.

Se tivesse confirmado o favoritismo em Michigan, Pensilvânia e Wisconsin, a ex-secretária de Estado estaria hoje em busca de seu segundo mandato na Casa Branca. Em 2000, a situação foi ainda mais dramática: o democrata Al Gore teve 500 mil votos a mais que George W. Bush, mas uma diferença de apenas 537 sufrágios na Flórida decidiu a eleição em favor do republicano.

Sistema enraizado

O colégio eleitoral foi estabelecido com a Constituição de 1787 e é a forma encontrada pelos líderes da época de determinar quem governaria aquela então incipiente união de estados que se tornaria a maior potência do planeta.

Para os defensores desse sistema, ele assegura ao mesmo tempo a validade do voto popular e a representatividade dos estados menos populosos.

Para os críticos, o colégio eleitoral confere um peso desproporcional a unidades federativas menores e concentra a disputa presidencial em poucos "estados-pêndulo", negligenciando os interesses daqueles que são marcadamente democratas ou republicanos.

Em teoria, não há nenhum vínculo constitucional que obrigue os delegados a seguirem a determinação das urnas - em 2016, dois texanos contrariaram a vontade popular do estado e não votaram em Trump -, mas as infidelidades nunca mudaram o resultado previsto no colégio eleitoral.

Reforma

Já houve algumas tentativas de alterar esse sistema indireto, mas elas nunca prosperaram. "O colégio eleitoral não será revogado porque isso dependeria de uma emenda constitucional, exigência quase impossível de ser cumprida", explica Reis, da UFMG.

Emendas constitucionais nos EUA podem ser propostas por dois terços do Congresso (Câmara e Senado) ou a pedido de dois terços dos poderes legislativos estaduais. Já a ratificação exige o aval das legislaturas de três quartos dos estados ou de convenções também em três quartos das unidades da federação.

"Uma coisa que está acontecendo e que talvez acabe sendo legalizada é a automatização do voto do delegado, que seria proibido de tergiversar", diz Reis.

Já para o professor Alcides Costa Vaz, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (Irel-UnB), os questionamentos ao modelo eleitoral dos EUA são provenientes "muito mais de fora do que de dentro". "Já é um sistema muito internalizado e aceito pela sociedade. Internamente, nunca soube que isso causasse tanto questionamento", afirma.

Uma vitória de Biden no voto popular por margem ainda maior que a de Hillary em 2016 aumentaria a pressão por reformas caso o resultado não se refletisse no colégio eleitoral, mas Vaz não acredita nesse cenário.

"A gente tem de levar em conta que é muito pouco provável uma dianteira de oito a 10 pontos no voto popular e sem equivalência no colégio eleitoral", acrescenta.

Ansa - Brasil   
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