PUBLICIDADE

Mundo

Eleição de Arce sinaliza relação mais fria com o Brasil

Candidato apoiado por Evo Morales é apontado como o vencedor preliminar das eleições na Bolívia

19 out 2020 - 13h24
Compartilhar
Exibir comentários

A provável eleição do ex-ministro da Economia Luís Arce, na Bolívia, sinalizaria uma relação mais fria com o Brasil e maior preocupação dos bolivianos com assuntos internos, como a pior crise econômica que atinge o país em 40 anos e uma sociedade rachada. As avaliações são de analistas ouvidos pelo Estadão horas depois de os resultados indicarem vitória preliminar do candidato apoiado pelo ex-presidente Evo Morales, em exílio na Argentina.

Luis Arce levanta o punho após apuração extraoficial indicar sua vitória na eleição presidencial da Bolívia
19/10/2020 REUTERS/Ueslei Marcelino
Luis Arce levanta o punho após apuração extraoficial indicar sua vitória na eleição presidencial da Bolívia 19/10/2020 REUTERS/Ueslei Marcelino
Foto: Reuters

"Acredito que haverá um governo muito menos amigável à gestão Bolsonaro", diz Filipe Carvalho, da consultoria de risco político Eurasia, especialista em Brasil e Bolívia, para quem a eleição de Arce indica um afastamento entre os países. "Isso limita as chances de a Bolívia entrar no Mercosul, algo que o governo interino vinha tocando."

Carvalho diz que a preocupação do próximo presidente será a de se voltar a uma política interna. "A Bolívia vai ter muitos desafios. É um cenário bem difícil política e economicamente. O MAS (Movimento ao Socialismo, partido de Arce e Morales) promoveu um boom econômico com commodities e a Bolívia tem déficit público muito alto, já antes do coronavírus".

Também não há perspectiva de demanda maior de gás natural, um dos produtos mais importantes para a balança comercial do país de 11 milhões de habitantes. Carvalho destaca que Arce é mais moderado que Evo e não deve fazer críticas abertas ou se juntar ao governo de Nicolás Maduro, na Venezuela. "Ele é mais discreto".

Luís Arce, ex-ministro da Economia de Evo Morales, foi eleito um ano após um golpe de estado que obrigou Morales a deixar o país no final do ano passado. Após uma vitória eleitoral em que acreditava-se ter havido fraude - o que não foi confirmado -, Evo Morales foi instado pelas Forças Armadas e de segurança a deixar o cargo.

Para Carlos Eduardo Vidigal, pesquisador do Instituto de Relações Internacionais da UnB especializado em América Latina, o resultado mostra que as forças de oposição e a parte conservadora da sociedade boliviana não conseguiram estabilidade nem respaldo político.

A presidente interina Jeanine Áñez tentou se viabilizar como candidata, mas as pesquisas com baixa popularidade a fizeram desistir. "A sociedade e a maioria do eleitorado não acompanharam as soluções políticas arbitrárias". Embora o direitista Luis Camacho tenha amplo apoio entre empresários, inclusive do campo, também não obteve sustentação para se viabilizar nas urnas.

"A vitória mostra a decisão da maior parte da sociedade boliviana de avançar na construção de um estado plurinacional, com a inclusão inédita dos indígenas, e uma distribuição de renda significativa, reconhecida inclusive pelas Nações Unidas", afirma Vidigal, que estuda América Latina há décadas.

"Para o Brasil, essa eleição seria um fator de preocupação e instabilidade. Se olharmos os Estados que fazem fronteira com a Bolívia, são os do 'agronegócio', que é o oposto da visão do MAS".

Sem isolamento do Brasil

Vidigal descarta, contudo, comparações com outros governos de esquerda da região e diz que não há isolamento para o Brasil. O pesquisador considera o projeto da Bolívia melhor que outras esquerdas ao tentar incluir - e não combater - o empresariado.

"É um desenvolvimentismo com a inclusão das populações tradicionais e que concilia, dentro das ideias deles, os interesses das classes trabalhadoras, das comunidades indígenas e de um governo popular", avalia.

Para o professor, a dúvida recai sobre até que ponto a oposição e o antigo governo vão acatar o resultado das urnas, já que "as Forças Armadas viraram o jogo no ano passado".

Estadão
Compartilhar
Publicidade
Publicidade