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Brasil não deu resposta à ONU sobre assassinato de Marielle

Troca confidencial de cartas aponta que relatores deram até maio para governo dar explicações, o que nunca ocorreu

14 set 2018 - 17h50
(atualizado às 18h06)
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Seis meses depois de a Organização das Nações Unidas (ONU) cobrar uma resposta do governo brasileiro sobre o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL), as autoridades nacionais ainda não deram explicações detalhadas sobre o que está sendo realizado nas investigações sobre o caso que ganhou repercussão internacional.

O Estado obteve cópias dos comunicados e cartas trocadas entre os relatores da ONU e a diplomacia brasileira. Mas, desde março, as autoridades nacionais permanecem em silêncio diante das cobranças das Nações Unidas.

Protesto contra a morte de Marielle no Rio
Protesto contra a morte de Marielle no Rio
Foto: DW / Deutsche Welle

Marielle foi morta no dia 14 de março. No dia 22 daquele mês, dez relatores da ONU se uniram para emitir uma carta dura às autoridades brasileiras, pedindo que a intervenção federal no Rio de Janeiro fosse repensada e exigindo respostas diante do assassinato de Marielle.

Os peritos ainda enviaram uma carta ao governo brasileiro e deram 60 dias para que esclarecimentos fosse apresentados. Não se trata de uma obrigação legal. Mas, dentro da ONU, ignorar um pedido de um relator é interpretado como um gesto político de que um governo não da a devida legitimidade a um sistema que ele mesmo criou.

"Uma preocupação muita grave é expressada na morte de Marielle Franco e seu motorista, que pode ser relacionada como o exercício legítimo de seu direito de liberdade de expressão, sua participação na vida política e pública", declaram na carta os relatores.

No comunicado, os representantes ainda aproveitam para criticar os cortes de gastos com segurança. "O Brasil tem a quinta maior taxa de homicídios do mundo e, nesse contexto, é de profunda preocupação os cortes de gastos diante de medidas de austeridade", alertaram.

Ao solicitar investigações "independentes, imparciais, transparentes e efetivas", os relatores apresentaram uma lista de cinco solicitações às autoridades brasileiras, entre elas a divulgação de detalhes das investigações sobre o assassinato. "Se um inquérito não ocorreu ou se foram inconclusivos, favor explicar os motivos", apontaram.

O grupo ainda pediu que fossem explicadas as medidas que existem no Brasil para "garantir que os defensores de direitos humanos possam realizar seu trabalho legítimo sem ameaças ou atos de intimidação". Para completar, os relatores solicitaram que fossem fornecidas "informações detalhadas sobre as medidas tomadas por autoridades para proteger aqueles que participam da vida pública e política contra a violência".

Na carta, os relatores avisam ao governo que levariam o caso à imprensa internacional e que dariam 60 dias para uma resposta.

Um dias depois, o governo respondeu com uma primeira carta. Mas, para a surpresa de pessoas envolvidas com o caso na ONU, o texto apenas corrigia algumas declarações por parte dos relatores da ONU.

De acordo com a diplomacia, os pedidos dos relatores foram "enviados às autoridades brasileiras relevantes, que apresentarão uma resposta formal no devido tempo".

Mas o texto ainda afirmou que, independentemente do que será dito em uma futura resposta, o governo "encontrou algumas imprecisões" na carta dos relatores. Uma delas seria o fato de que o Decreto Federal 9.288, de fevereiro de 2018, "não transfere a segurança pública à Polícia Militar do Rio".

O Itamaraty também explicou que a "intervenção federal no Rio é uma medida excepcional e limitada no tempo, garantida pela Constituição Brasileira diante da situação série de distúrbio público". De acordo com o governo, a intervenção ocorreu "em consulta" com diversos setores do mundo políticos e "representantes da sociedade civil".

Outro trecho que o governo optou por dar informações se refere à menção feita pelos relatores sobre a origem da munição encontrada na cena do crime e que poderia estar ligada com a Polícia Federal. De acordo com a carta, "investigações preliminares apontam que a munição usada aparenta pertencer a um lote comprado pela Polícia Federal em 2006, que foi roubado".

De acordo com o governo, as balas também foram encontradas em outros crimes em diferentes Estados do Brasil.

No dia 27 de março, o governo brasileiro apresentou uma segunda carta aos relatores, com informações complementares. "As autoridades brasileiras estão comprometidas em investigar e levar à Justiça aqueles responsáveis pela morte de Marielle Franco e seu motorista", escreveu. "O governo federal já está providenciando um apoio total às autoridades estaduais para as investigações desses assassinatos", completou.

O texto ainda indicou que a "intervenção federal na área de segurança pública no Estado do Rio continuará a ser guiada pelo respeito por todas obrigações internacionais de direitos humanos". O governo também anunciou que estava já em operacionalidade o ObservaRIO, um órgão de direitos humanos.

Desde então, porém, o Brasil deixou de se comunicar com os relatores.

Procurado pelo Estado, o Itamaraty explicou que "a investigação continua em curso e é sigilosa, para assegurar a eficácia da apuração e a proteção das testemunhas". "Não temos informações novas a transmitir aos relatores no momento", completou.

Estadão
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