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Onda de nacionalismo está por trás de fake news na Índia, mostra pesquisa inédita da BBC

Estudo mostrou que grupos de direita que propagam boatos nas redes sociais são muito mais organizados que os de esquerda.

12 nov 2018 - 16h08
(atualizado às 16h28)
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Uma crescente onda de nacionalismo na Índia está levando cidadãos comuns a espalhar notícias falsas - ou fake news, expressão que se popularizou -, revela um estudo realizado pela BBC.

Segundo a pesquisa, para alguns indianos, os fatos eram menos importantes do que o desejo de reforçar a identidade nacional.

Segundo levantamento inédito da BBC, para alguns indianos, fatos eram menos importantes do que desejo de reforçar identidade nacional
Segundo levantamento inédito da BBC, para alguns indianos, fatos eram menos importantes do que desejo de reforçar identidade nacional
Foto: BBC News Brasil

A partir de uma análise minuciosa das redes sociais, o estudo também descobriu que os grupos de direita que propagam boatos nas redes sociais são muito mais organizados que os de esquerda, o que acaba por fortalecer a disseminação de histórias falsas de cunho nacionalista.

Além disso, foi constatado que grupos de apoio ao primeiro-ministro do país, Narendra Modi, estavam entre os principais divulgadores de notícias falsas.

Modi é criticado por privilegiar hindus em detrimento de outras etnias do país. Como resultado de suas políticas, perseguições vêm acontecendo a minorias, como muçulmanos, por exemplo.

No início deste ano, por exemplo, um comitê de acadêmicos designado pelo governo se lançou à tarefa de provar que os hindus são descendentes dos primeiros habitantes da Índia.

Esse revisionismo histórico gerou preocupações de que as minorias sejam relegadas à condição de cidadãos de segunda classe.

As descobertas são baseadas em extensas pesquisas na Índia, no Quênia e na Nigéria sobre como os cidadãos comuns se envolvem e divulgam notícias falsas.

O levantamento, encomendado pelo Serviço Mundial da BBC e publicado nesta segunda-feira, faz parte da série multimídia Beyond Fake News - que tem como objetivo investigar como a desinformação e as notícias falsas estão afetando as pessoas ao redor do mundo.

Nos três países, a desconfiança em relação aos principais veículos de notícias levou o público a espalhar informações de fontes alternativas, sem tentar verificá-las, acreditando que estavam ajudando a compartilhar a verdadeira versão dos fatos. As pessoas também se mostravam excessivamente confiantes em sua capacidade de detectar notícias falsas.

A enxurrada de informações digitais compartilhadas em 2018 está agravando o problema. Os participantes da pesquisa realizada pela BBC não se esforçaram em consultar a fonte original de mensagens de notícias falsas, buscando, em vez disso, métodos alternativos para verificar se a informação era confiável.

Entre esses métodos, está, por exemplo, averiguar o número de comentários em uma postagem no Facebook, os tipos de imagens nas postagens ou quem compartilhou a informação.

Neste sentido, muitos pressupõem que mensagens de WhatsApp da família e dos amigos poderiam ser confiáveis e reenviadas sem verificação.

O compartilhamento generalizado de rumores falsos sobre o WhatsApp levou a uma onda de violência na Índia, com milhares de pessoas compartilhando mensagens falsas sobre crianças sequestradas.

De acordo com uma análise da BBC, pelo menos 32 pessoas foram mortas no ano passado em incidentes envolvendo boatos espalhados em mídias sociais ou aplicativos de mensagens no país.

Estudo também mostrou que grupos de direita que divulgam notícias falsas são muito mais organizados que os de esquerda | Ilustração Brum
Estudo também mostrou que grupos de direita que divulgam notícias falsas são muito mais organizados que os de esquerda | Ilustração Brum
Foto: BBC News Brasil

Boataria fora de controle

Em um dos casos que ajudaram a espalhar o pânico e contribuíram para um final trágico, um vídeo compartilhado por meio do WhatsApp mostra, em plena luz do dia, uma criança sozinha na rua ser agarrada por um motociclista e, de repente, levada embora, para desespero dos vizinhos.

Era mais um caso de notícia falsa.

O vídeo original tinha cunho informativo e havia sido gravado por autoridades do Paquistão para alertar sobre a segurança de crianças nas ruas de Karachi, a cidade paquistanesa mais populosa.

Na segunda parte do vídeo, o "sequestrador" pode ser visto devolvendo a criança e segurando um cartaz em que se lê: "Basta apenas um momento para uma criança ser sequestrada nas ruas de Karachi".

Segundo as autoridades indianas, essa parte foi retirada do filme compartilhado na Índia.

TVs locais também contribuíram para semear o pânico, ao alertar moradores de que 5 mil sequestradores de crianças haviam entrado pelo sul da Índia.

"Depois de assistir a esses vídeos e às notícias, ficamos preocupados com a segurança de nossas crianças. Não queremos deixá-las sozinhas nas ruas", diz uma moradora.

O resultado do vídeo falso não poderia ser mais trágico.

Vítimas foram caçadas nas ruas

Um homem de 26 anos que estava em Bangalore procurando emprego foi apontado por alguns moradores como um dos sequestradores. Ele teve as mãos e pernas amarradas, foi agredido, arrastado pelas ruas e morreu a caminho do hospital.

O caso foi registrado no final de junho. No mesmo período, uma mulher identificada como Shantadevi Nath também foi morta por uma multidão que acreditava que ela pretendia sequestrar crianças, nos arredores de Ahmedabad, no Estado de Gujarat.

Em um outro linchamento recente, no Estado de Tripura, no nordeste do país, a vítima foi um homem empregado pelo governo local justamente para ir a vilarejos dispersar rumores espalhados pelas redes sociais.

Cena de um linchamento em Tripura, na Índia, motivado por boato espalhado pelo WhatsApp
Cena de um linchamento em Tripura, na Índia, motivado por boato espalhado pelo WhatsApp
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

WhatsApp limita mensagens

A maior parte das mensagens falsas foi compartilhada por meio do WhatsApp, que conta com 200 milhões de usuários na Índia - de longe, o maior mercado do aplicativo no mundo.

Por causa disso, o governo indiano pediu mudanças à empresa, implementadas depois de muita insistência e ameaças de punições na Justiça.

O WhatsApp limitou, então, o número de vezes em que mensagens trocadas por meio do aplicativo podiam ser encaminhadas, para outra pessoa ou grupos, como forma de coibir a disseminação de informações falsas em sua plataforma.

No mundo, esse número caiu para 20. Na Índia, a medida foi ainda mais restritiva: cinco.

No passado, grupos podiam ter no máximo 256 pessoas. Muitas das mensagens que teriam sido o gatilho para os atos de violência foram encaminhadas para vários grupos que tinham mais de 100 membros cada.

Além disso, também foi desativado o botão exibido ao lado de mensagens contendo foto, áudio e vídeo que facilita seu reenvio para várias outras pessoas ao mesmo tempo de uma só vez.

Gráfico mostra mensagens compartilhadas por assunto pelo WhatsApp na Índia
Gráfico mostra mensagens compartilhadas por assunto pelo WhatsApp na Índia
Foto: BBC News Brasil

Anteriormente, o WhatsApp já havia anunciado que mensagens encaminhadas seriam claramente identificadas assim para diferenciá-las de mensagens criadas pelo rementente.

Também lançou uma função que permite a administradores de grupos controlar quem pode publicar mensagens para seus participantes.

Por fim, publicou anúncios de página inteira em jornais do país com dicas para identificar notícias falsas.

Segundo o WhatsApp, usuários indianos "encaminham mais mensagens, fotos e vídeos do que os de qualquer outro país do mundo".

O aplicativo de mensagens é isoladamente o maior serviço online disponível para a população na Índia.

Sendo assim, tem um alcance enorme, permitindo que as mensagens se espalhem com velocidade e que, a partir delas, multidões se reúnam rapidamente.

Na África, nacionalismo foi considerado insignificante na disseminação de notícias falsas, constatou pesquisa da BBC.
Na África, nacionalismo foi considerado insignificante na disseminação de notícias falsas, constatou pesquisa da BBC.
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Golpes e terror também são temas

Por outro lado, na África, o nacionalismo foi considerado insignificante na disseminação de notícias falsas, constatou a pesquisa da BBC.

No Quênia, golpes envolvendo dinheiro e tecnologia eram assuntos muitos mais fortes, contribuindo para cerca de um terço das histórias compartilhadas no aplicativo.

Gráfico mostra mensagens compartilhadas por assunto pelo WhatsApp no Quênia
Gráfico mostra mensagens compartilhadas por assunto pelo WhatsApp no Quênia
Foto: BBC News Brasil

Já na Nigéria, as principais histórias falsas estavam relacionadas ao terrorismo e ao Exército.

Em ambos os países, a pesquisa constatou que alarmismos relacionados à saúde pautaram o conteúdo das notícias falsas. Muitos usuários não conseguiram distinguir a diferença entre fontes verdadeiras ou falsas.

Gráfico mostra mensagens compartilhadas por assunto pelo WhatsApp na Nigéria
Gráfico mostra mensagens compartilhadas por assunto pelo WhatsApp na Nigéria
Foto: BBC News Brasil

Os pesquisadores passaram centenas de horas com 80 participantes nos três países, entrevistando-os em casa sobre como consumiam informação e examinando como compartilhavam conteúdo via WhatsApp e Facebook durante um período de sete dias.

Eles também realizaram uma extensa análise de como as notícias falsas se espalham no Twitter e no Facebook na Índia, para entender se a disseminação de notícias falsas foi politicamente polarizada.

Cerca de 16 mil contas no Twitter e 3 mil páginas no Facebook foram analisadas. Os resultados mostraram uma divulgação forte e coesa de mensagens falsas por grupos de direita, enquanto as compartilhadas por grupos de esquerda eram vagamente organizados e menos eficazes.

A metodologia

"Tentamos com essa pesquisa tentar responder à pergunta de por que cidadãos comuns espalham notícias falsas - uma parte pouco compreendida da equação das notícias falsas", diz Santanu Chakrabarti, responsável pela pesquisa e diretor da equipe de pesquisas de audiências do Serviço Mundial da BBC.

"Quando um fenômeno é novo ou pouco compreendido, as técnicas de pesquisa qualitativa são úteis. Essas técnicas - nesse caso, entrevistas aprofundadas e observação de perto do compartilhamento de comportamentos - nos permitiram explorar notícias falsas com nuance, riqueza e profundidade."

Segundo ele, as entrevistas presenciais foram essenciais.

"Como queríamos saber o que estava se espalhando em redes privadas criptografadas como o WhatsApp, as abordagens etnográficas - visitar pessoas em casa - eram essenciais."

"Este é o primeiro projeto de pesquisa conhecido nesses países que usa esses métodos para entender o fenômeno da notícia falsa no nível dos cidadãos comuns. É também o primeiro a usar técnicas de análise de redes e análise de dados para entender como as fontes conhecidas de notícias falsas são organizadas no Twitter e no Facebook, e quais são suas conexões com o público."

Essa reportagem faz parte de uma série da BBC sobre desinformação e notícias falsas - um problema global que desafia a maneira como compartilhamos informações e percebemos o mundo ao nosso redor.

Os participantes deram à BBC amplo acesso a seus telefones durante um período de sete dias, permitindo que os pesquisadores examinassem os tipos de material que compartilhavam, com quem compartilhavam e com que frequência.

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