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Ásia

China vive desafio de mudar a economia para melhorar a vida da população

O governo precisa manter o PIB elevado para cumprir a promessa do "sonho chinês", mas será que a população compartilha dos mesmos desejos?

15 nov 2013 - 09h36
(atualizado às 09h57)
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<p>Xi Jinping tem a enorme responsabilidade de manter o país com uma alta taxa de crescimento anual</p>
Xi Jinping tem a enorme responsabilidade de manter o país com uma alta taxa de crescimento anual
Foto: AFP

Entre sábado e terça passados, os líderes chineses ficaram enclausurados pensando no que fazer para não deixar a peteca da economia cair. Manter o crescimento do PIB em “ritmo chinês” não é tarefa fácil. Depois de passar dos 14% em 2007, ano passado o número ficou em “apenas” 7,8%, segundo o Banco Mundial (compare com o Brasil no gráfico ao abaixo). O presidente Xi Jinping, que assumiu o posto em 2012, sabe disso. Ele precisa do PIB elevado para levar adiante o “sonho chinês”, slogan criado pelo Partido Comunista para uma série de medidas que busca melhorar a vida da população.

Crescimento do PIB da China
 
Data from World Bank

A reunião, considerada uma das mais importantes dos últimos anos, terminou, e um documento foi divulgado pela agência Xinhua contendo as diretrizes que vão guiar a economia chinesa nos próximos anos. Mas quem esperava tópicos claros e diretos deve ter ficado decepcionado. O texto abordou a questão de forma generalista. Para analistas que acompanham a China, exatamente como era de se esperar. Mas ali, entre palavras vagas sobre a fórmula para o sucesso do capitalismo socialista chinês, algo chamou a atenção dos mais ligados: uma abertura maior para uma “participação decisiva” do mercado na economia.

Ao centro, Xi Jinping comanda a sessão do 18º Comitê Central do Partido Comunista da China, na última terça
Ao centro, Xi Jinping comanda a sessão do 18º Comitê Central do Partido Comunista da China, na última terça
Foto: AP

Xi quer abrir mais espaço para o capital privado na economia altamente estatal da China, apostando em um equilíbrio entre governo e mercado. “O principal é fortalecer a relação entre governo e mercado, permitindo que o mercado tenha um papel decisivo na alocação de recursos e melhorando o papel do governo”, diz o documento.

Mas o que significa isso para a população? Antes, talvez seja melhor saber como a China vem funcionando nos últimos anos para depois tentar entender para onde ela pode ir.

“A China aproveitou um crescimento de dois dígitos por 30 anos, um feito sem precedentes que tirou centenas de milhões da pobreza. Este esforço monumental, no entanto, esteve ancorado em um gasto estatal enorme, grandes volumes de exportação baseados no trabalho de mão-de-obra barata e, mais recentemente, uma bolha imobiliária”, escreveu o jornalista baseado em Hong Kong Robert Keatley em artigo para a Foreign Policy. Mas esse modelo se esgotou. E é preciso achar um novo. Por isso a reunião dessa semana foi tão importante.

O que é o sonho chinês?

O "sonho chinês" do presidente Xi Jinping é sustentado por cinco pilares: rejuvenescimento nacional, melhora das condições de vida, prosperidade, construção de uma sociedade melhor e fortalecimento militar.

Nas palavras do próprio Xi: "O sonho chinês é, acima de tudo, o sonho do povo. Nós precisamos realizá-lo perto do povo. Nós precisamos incessantemente levar benefícios ao povo. Realizar a grande renovação da nação chinesa é o maior sonho do país na história moderna"

Segundo Keatley, “essa estratégia não permitiu o crescimento de uma economia baseada no consumo, necessária para a transição para um modelo sustentável”. Pois parece ser isso que a China está querendo ao se abrir para um modelo mais próximo do capitalista ocidental.

“Pequim deveria encorajar o consumo interno e a inovação”, disse o setorista de economia internacional da CNN Mark Thompson em uma reportagem publicada na última terça-feira.

Com essas informações, dá pra começar a entender o equivalente chinês do sonho americano e o papel de cada cidadão ao persegui-lo. O indivíduo terá mais liberdade (mas nem tanto) para empreender, consumir, enfim, crescer, e assim contribuir para a prosperidade da nação, um dos cinco pontos do “sonho chinês” da administração Xi (saiba mais na tabela acima). 

Como escreveu a correspondente do Terra em Pequim Fernanda Morena na abertura de uma série de reportagens sobre o sonho chinês publicada entre maio e junho (leia mais nos links ao lado), para os chineses, o sonho seria ter “liberdade, democracia e ar puro”. Desejos modestos perto do slogan cheio de pompa anunciado por Xi.

Uma reportagem do site China File ilustra a distância entre o que propõe o governo e o que desejam os cidadãos. Ela mostra a identificação dos chineses com as personagens da série americana “2 Broke Girls”, que virou sucesso no país, com 81 milhões de views no Youku, o YouTube chinês. No seriado, Max e Caroline são duas garotas em seus vinte e poucos anos que trabalham duro como garçonetes para conseguir abrir uma loja de cupcakes. Os chineses simpatizam com as personagens porque elas trabalham muito e ganham pouco, exatamente como eles, diz o texto. A diferença entre a ficção e a vida real está na concretização do sonho.

Enquanto Max e Caroline avançam a duras penas, a elevação do custo de vida e a alta competitividade do mercado de trabalho chinês faz com que abrir uma loja de cupcakes se transforme em um sonho de vida, mas que por enquanto está apenas no plano da ficção. Uma pesquisa recente diz que 33% dos chineses não acreditam que trabalho duro traga sucesso. 

As preocupações dos chineses

O vídeo mostra as percepções de um jovem chinês sobre a sua vida e a dos seus colegas de trabalho, mostrando que as ansiedades e os desejos dos chineses são individuais, e não assuntos que envolvem a coletividade (legendas em inglês).

O reflexo social desses desejos latentes já é evidente. Mais da metade dos chineses está mais ansiosa agora do que há cinco anos. Problemas financeiros e nas relações interpessoais e jornadas intermináveis de trabalho são comuns (confira o vídeo ao lado). Em maio, a imprensa ocidental noticiou que um homem de 24 anos morreu com um ataque cardíaco depois de ter feito horas-extra durante um mês. A empresa negou que a culpa tenha sido sua, mas a discussão aqui é outra: medo de perder o emprego em um dos piores mercados de trabalho do mundo.

Diante de uma vida profissional cuja competitividade pode ser mortal, a pressão pelo sucesso começa cedo. Mães chinesas costumam educar seus filhos de maneira rígida, determinando o que eles podem ou não fazer no tempo livre, por exemplo. Segundo o professor e especialista em comportamento de pais Yang Dongping, do Instituto de Tecnologia de Pequim, "os pais estão cada vez menos dispostos a permitir que seus filhos sejam crianças". Mas pode ser pior: do total de chineses entre 15 e 34 anos mortos em 2011, 26,04% se suicidaram.

Se a pressão acaba em falta de liberdade na vida profissional, a situação não é muito diferente quando o assunto é opção sexual. Embora a tolerância em relação a gays, lésbicas, bissexuais e transexuais esteja aumentando na China, a comunidade GLBT ainda prefere esconder suas preferências no local de trabalho, especialmente nas empresas estatais, segundo pesquisa recente de uma coalizão das associações GLBT mais fortes do país.

Se dentro de casa ou no trabalho o ambiente é, em geral, opressor, a vida ao ar livre também não anda lá essas coisas. São comuns imagens de cidades cobertas pela poluição. A água também é um problema. Um artigo publicado no dia 7 no jornal NYT discute as consequências de como a China - uma nação com quase 20% da população mundial e apenas 7% da água potável do planeta - está lidando com seus recursos hídricos. E o quadro não é nada animador.

Guarda de trânsito trabalha em meio à nevoa de poluição na cidade de Harbin, no último dia 21
Guarda de trânsito trabalha em meio à nevoa de poluição na cidade de Harbin, no último dia 21
Foto: AFP

Mas apesar de todos esses problemas, a maioria dos chineses não reclama da situação econômica. Oitenta e oito por cento acreditam que o país está bem economicamente, e 67% se enxergam em uma situação econômica boa, segundo o instituto americano Pew (veja o gráfico abaixo).

Gráfico da pesquisa do instituto Pew mostra os índices de satisfação dos chineses com suas próprias finanças
Gráfico da pesquisa do instituto Pew mostra os índices de satisfação dos chineses com suas próprias finanças
Foto: Pew Research / Reprodução

O resultado direto e prático é o consumo, que deve se intensificar com uma economia mais voltada ao mercado e ao capital privado, como anunciou o governo na última terça. Mas o que significa 1,3 bilhão de pessoas adotando uma postura mais consumista? 

Na última segunda-feira tivemos uma amostra. Dia 11 de novembro é o Dia dos Solteiros na China (o dia não foi escolhido por acaso: 11/11 é formado por quatro 1, o número solitário ), momento para pessoas em busca de companhia presentearem possíveis pretendentes. A data se transformou no melhor dia do ano para o comércio online, com 170 milhões de transações realizadas em um período de 24 horas, gerando uma receita de R$ 13 bilhões. No ano passado, a receita se aproximou de R$ 7,5 bilhões, segundo reportagem do The Telegraph.

Funcionários da área de entregas de uma empresa de Pequim trabalham a todo o vapor para atender os pedidos do Dia dos Solteiros
Funcionários da área de entregas de uma empresa de Pequim trabalham a todo o vapor para atender os pedidos do Dia dos Solteiros
Foto: AFP

E que conclusão podemos tirar de tudo isso?

Segundo os especialistas em Ásia Andrew Sheng e Xiao Geng, o governo está sob pressão. Os “chineses estão se tornando mais exigentes, querendo alimentos saudáveis, ar limpo, governo transparente, moradias com preço justo, educação de qualidade, seguridade social e oportunidades iguais”. O governo do presidente Xi Jinping e do premiê Li Keqiang sabe disso. As reformas anunciadas na última terça mostram que as lideranças “sabem o que precisa ser feito”, disse ao jornal O Globo o especialista em China Ethan Cramer-Flood.

“O que está menos claro é se o presidente Xi Jinping, o premiê Li Keqiang e o resto do partido terão a vontade, ou o poder e a capacidade política, de assegurar que as reformas serão implementadas”, afirmou. Está nas mãos deles a vida de "apenas" 1,3 bilhão de pessoas.

Fonte: Terra
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