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4 perguntas para entender o que a Coreia do Norte realmente quer com seu programa nuclear

País voltou a preocupar comunidade internacional depois que testou dois mísseis de longo alcance no mês passado.

17 ago 2017 - 11h45
(atualizado às 12h31)
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Testes com mísseis balísticos de longo alcance pela Coreia do Norte causaram preocupações mundiais
Testes com mísseis balísticos de longo alcance pela Coreia do Norte causaram preocupações mundiais
Foto: BBC News Brasil

O programa de armas da Coreia do Norte voltou a preocupar a comunidade internacional depois que o país testou dois mísseis de longo alcance no mês passado. Uma nova rodada de sanções contra a já combalida economia norte-coreana foi decretada pela ONU e os Estados Unidos subiram o tom. Mas em meio à escalada retórica, o que o líder norte-coreano Kim Jong-un realmente pretende alcançar?

1) O que os Estados Unidos podem fazer para que a Coreia do Norte interrompa de uma vez por todas seus programas de enriquecimento nuclear e de mísseis?

Dada a escalada da guerra retórica entre os dois países, e o alerta do presidente americano, Donald Trump, de reagir com "fogo e fúria" se o líder norte-coreano, Kim Jong-un, continuar ameaçando abertamente os EUA e cumprir a ameaça de lançar mísseis contra o território americano de Guam, ainda restam dúvidas sobre como a diplomacia pode ser uma ferramenta útil para moderar as tensões regionais.

O secretário de Estado Americano, Rex Tillerson, e outros funcionários do alto escalão do governo Trump destacaram a importância do diálogo. No passado, o próprio Trump se ofereceu para conversar com Kim, mas não há sinais de que os norte-coreanos estejam abertos a negociação.

Conversas mantidas com funcionários do alto escalão do governo norte-coreano na Europa indicam que Pyongyang estaria focada em continuar com seus programas de enriquecimento nuclear e de mísseis.

Em um fórum recente de países da Ásia-Pacífico, realizado na capital das Filipinas, Manila, não houve encontro entre Tillerson e Ri Yong-ho, o ministro das Relações Exteriores norte-coreano.

Além disso, a proposta feita pela chanceler sul-coreana, Kang Kyung-wha para uma possível negociação entre Seul e Pyongyang foi sumariamente ignorada pelos norte-coreanos.

Em teoria, há incentivos que os EUA podem oferecer à Coreia do Norte, incluindo uma abertura ao diálogo sobre o tratado de paz para encerrar a guerra entre as Coreias (tecnicamente, os dois países ainda estão em guerra), reconhecimento diplomático (como o estabelecimento de uma missão americana em Pyongyang) ou mesmo um acordo sobre a redução de armas convencionais na península, mas esses são objetivos, no melhor dos casos, de longo prazo.

Mas as repetidas violações dos acordos diplomáticos com os EUA por parte da Coreia do Norte erodiram qualquer apetite para concessões de Washington, onde os dois lados do espectro político (democratas e republicanos) nutrem grande desconfiança de Pyongyang e a crença de que a pressão por meio de sanções, como as mais recentes da ONU que restringiram as exportações de comida e minerais, bem como o trabalho de norte-coreanos no exterior, é a melhor forma de dissuadir o regime norte-coreano.

2) Por que a Coreia do Norte quer ter armas de destruição em massa?

Desde que chegou ao poder, no final de 2011, Kim Jong-un deixou clara suas prioridades: modernizar as Forças Armadas do país e garantir a prosperidade econômica.

As aspirações nucleares da Coreia do Norte datam da década de 60 e são consistentes com o desejo do regime por autonomia política e militar frente à oposição não só de seus inimigos tradicionais, como os Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul, mas também de aliados históricos, como China e Rússia.

Parte da motivação da Coreia Do Norte resulta de uma avaliação sensata dos interesses estratégicos do país. O que aconteceu na Líbia e no Iraque é um lembrete para Pyongyang de que a única garantia de sua sobrevivência é a possessão de armas de destruição em massa.

Enquanto os Estados Unidos reafirmaram que não têm a intenção de atacar militarmente a Coreia do Norte, Pyongyang continua a acreditar que Washington, como uma potência nuclear armada e inegavelmente superior, com 28 mil soldados estacionados na Coreia do Sul, representa uma ameaça para o país.

As ambições em relação ao programa de testes de bombas e mísseis balísticos de Kim Jong-un também são uma expressão da identidade política do regime. A legitimidade de sua dinastia está atrelada à narrativa de defesa contra seu arqui-inimigo, os Estados Unidos.

A Guerra da Coreia, entre 1950 e 1953, continua a ser usada pelo governo norte-coreano como peça de propaganda para denunciar a agressão dos Estados Unidos que, na visão do regime, querem destruir o país a todo custo.

Para os mais velhos, que se lembram da intervenção americana durante a guerra, quando praticamente todas as cidades norte-coreanas foram reduzidas a cinzas por bombardeios de Washington, essa narrativa permanece convincente e é rotineiramente reforçada para a população em geral a partir da veiculação de mensagens diárias pela mídia estatal.

As declarações públicas de Trump também vêm sendo úteis para Kim Jong-un, permitindo ao líder norte-coreano fortalecer sua imagem de comandante-chefe e protetor do país.

Coreia do Norte ameaçou atacar território americano de Guam, no Pacífico
Coreia do Norte ameaçou atacar território americano de Guam, no Pacífico
Foto: Reuters

3) Uma Coreia do Norte com armas nucleares poderia coexistir com os EUA?

A campanha de testes de mísseis da Coreia do Norte e os dois testes nucleares bem-sucedidos no ano passado refletiram o progresso do potencial armamentista do país.

Relatórios recentes da inteligência americana indicam que o país já pode ter 60 bombas nucleares, mas os dados são questionados por analistas.

Além disso, os testes com mísseis de longa distância realizados nos dias 4 e 28 de julho indicaram que a Coreia do Norte poderia atingir alvos nos EUA.

Mas uma nota do Boletim de Cientistas Atômicos questionou se isso realmente seria possível.

De qualquer forma, o governo americano deixou claro que não vai reconhecer ou tolerar qualquer escalada armamentista de Pyongyang.

Aceitá-la significaria uma vitória simbólica para a Coreia do Norte, prejudicando criticamente as relações dos Estados Unidos com seus aliados mais próximos na região, como Japão e Coreia do Sul, possivelmente provocando uma corrida às armas na região e desestabilizando a ordem mundial de não-proliferação nuclear.

4) O que a Coreia do Norte quer é realista?

A prioridade de Pyongyang é continuar com os testes, tanto de mísseis quanto de suas armas nucleares, em um esforço para solidificar seu arsenal. Para o líder norte-coreano, isso faz sentido como meio para fortalecer sua autoridade política e sua legitimidade em casa.

Kim Jong-un pode encontrar consolo na aparente relutância da China para impor restrições econômicas à Coreia do Norte, apesar de seu recente apoio por sanções mais duras da ONU.

Ele também pode fazer um cálculo racional de que, em última análise, os Estados Unidos, como muitos observadores experientes argumentam, aceitarão a necessidade de negociar com a Coreia do Norte.

Até lá, Kim acreditaria ser possível viabilizar uma gama de concessões dos Estados Unidos e da Coreia do Sul, seja na forma de assistência econômica, na redução de armas convencionais ou, mais importante, no respeito político como um Estado soberano independente - pelo qual a Coreia do Norte por muito tempo lutou.

Ainda não se sabe, contudo, o quão longe a retórica agressiva de Trump poderá evitar que a Coreia do Norte continue seus programas de testes de mísseis. As Forças Armadas do país ameaçaram disparar quatro mísseis de alcance intermediário contra o território americano de Guam no fim deste mês.

Nenhum presidente americano toleraria um ataque direto, mas a realização de um teste em águas internacionais perto da ilha representaria, sem dúvida, uma contingência de "zona cinzenta", que exigiria uma resposta mais branda, antes de um conflito militar de grandes proporções.

A tensão na Coreia do Norte já está sendo comparada por estudiosos à Crise de Mísseis em Cuba em agosto de 1962, quando o então presidente americano, John F. Kennedy, foi duramente criticado por seu julgamento estratégico.

É irônico e também revelador que, mais uma vez, o mês de agosto volte a assombrar o mundo, quando a retórica, as avaliações e as ações de líderes nacionais terão provavelmente um significado profundo para a segurança regional e global.

*John Nilsson-Wright é pesquisador-sênior para o nordeste da Ásia no think tank internacional Chatham House e professor-sênior em política japonesa e relações internacionais do leste da Ásia na Universidade de Cambridge.

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