PUBLICIDADE

Mundo

As diferentes versões dadas pela Arábia Saudita até admitir assassinato de jornalista opositor do regime

Admissão ocorreu na sexta-feira, 18 dias após Jamal Khashoggi, famoso crítico do governo, ter desaparecido ao entrar no consulado saudita em Istambul, na Turquia. Até então, reino afirmava que jornalista havia saído vivo do local.

22 out 2018 - 08h52
Compartilhar
Exibir comentários
Cartazes em manifestação lembram que Khashoggi está desaparecido desde 2 de outubro; polícia ainda faz buscas pelo corpo
Cartazes em manifestação lembram que Khashoggi está desaparecido desde 2 de outubro; polícia ainda faz buscas pelo corpo
Foto: AFP / BBC News Brasil

Após admitir pela primeira vez que o jornalista Jamal Khashoggi foi assassinado, a Arábia Saudita negou que a ordem para matá-lo tenha partido do reino e culpou o que chamou de "operação não autorizada" pelo ocorrido.

O jornalista era um conhecido crítico do governo. Ele foi visto pela última vez no dia 2 de outubro ao entrar no consulado saudita em Istambul, na Turquia. Desde então, especulava-se que havia sido morto no local, uma versão que só foi oficialmente confirmada na última sexta-feira, cerca de 18 dias após seu desaparecimento. O episódio tem provocado grande comoção internacional.

A polícia ainda faz buscas pelo corpo.

"Tremendo erro"

As declarações sobre "a culpa" pelo assassinato são do ministro das Relações Exteriores saudita, Adel al-Jubeir.

Ele disse à rede de TV americana Fox News que o ato foi um "tremendo erro" e negou que o poderoso príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, o tenha ordenado.

Sob intensa pressão para explicar o paradeiro de Khashoggi, os sauditas apresentaram versões conflitantes para a história.

Eles inicialmente disseram que o jornalista saiu do prédio ileso.

Dezoito dias depois, no entanto, na última sexta-feira, admitiram pela primeira vez que ele estava morto, afirmando que isso havia ocorrido durante uma briga no consulado - uma versão que foi recebida com amplo ceticismo. Autoridades turcas afirmam que o jornalista foi assassinado por uma equipe de agentes sauditas dentro do prédio e que tem elementos para provar isso.

"Obviamente houve um tremendo erro, e o que agravou esse erro foi a tentativa de encobrir", disse ministro saudita Adel al-Jubeir
"Obviamente houve um tremendo erro, e o que agravou esse erro foi a tentativa de encobrir", disse ministro saudita Adel al-Jubeir
Foto: AFP/Getty / BBC News Brasil

"Tentativa de encobrimento"

Os comentários de Adel al-Jubeir, caracterizando o caso como assassinato, são alguns dos mais diretos vindos de um oficial saudita até agora. "Estamos determinados a descobrir todos os fatos e a punir os responsáveis por esse assassinato", disse ele.

"Os indivíduos que fizeram isso atuaram fora do escopo de sua autoridade", acrescentou.

"Obviamente houve um tremendo erro, e o que agravou esse erro foi a tentativa de encobri-lo".

O ministro também afirmou que o governo não sabe onde o corpo está e reforçou que a ação não foi ordenada pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, visto como a figura mais poderosa da Arábia Saudita.

"Nem mesmo o comando do nosso serviço de inteligência estava ciente disso", disse al-Jubeir, chamando a "operação" de "não autorizada".

No entanto, o jornal local Yeni Safak, que é alinhado ao governo turco, diz ter informações que mostram que o gabinete do príncipe herdeiro recebeu quatro telefonemas do consulado após a morte.

Segundo o diário, que vazou vários detalhes das investigações até agora, uma autoridade da embaixada, Maher Mutreb, usou seu próprio celular para telefonar ao gabinete do príncipe, assim como a um número americano que pertenceria ao irmão mais novo do monarca, Khaled, que foi embaixador da Arábia Saudita nos EUA.

O príncipe Khaled bin Salman deixou os EUA logo após o desaparecimento de Khashoggi.

Versão oficial aponta que jornalista foi morto em operação não autorizada que pretendia levá-lo de volta à Arábia Saudita
Versão oficial aponta que jornalista foi morto em operação não autorizada que pretendia levá-lo de volta à Arábia Saudita
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Próximos passos

O governo saudita diz que prendeu 18 pessoas, demitiu dois auxiliares de Mohammed bin Salman e montou um comitê, sob a liderança do príncipe herdeiro, para reestruturar a agência de inteligência do país.

Tanto o rei Salman quanto o príncipe herdeiro ligaram para o filho de Khashoggi, Salah, no domingo, para expressar suas condolências pela morte, informou a agência de notícias Saudi Press.

Salah Khashoggi mora na Arábia Saudita e, segundo o jornal americano The Wall Street Journal, foi impedido de deixar o país para visitar o pai, que vivia em autoexílio nos Estados Unidos.

Enquanto isso, a noiva do jornalista, Hatice Cengiz - que alertou sobre seu desaparecimento depois de esperar por ele fora do consulado - tem recebido proteção policial 24 horas por dia, informou a agência de notícias estatal Anadolu.

A reação do mundo

Em entrevista ao jornal americano The Washington Post no sábado, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que houve "decepções" e "mentiras" na explicação da Arábia Saudita. Anteriormente, ele havia dito que achava a história convincente.

Ele disse que iria "adorar" se o príncipe herdeiro não fosse responsável pelo assassinato. O presidente levantou a possibilidade de impor sanções, mas disse que suspender um acordo de armas que existe entre as partes "machucaria mais" aos EUA do que os prejudicaria.

O Reino Unido, a França e a Alemanha emitiram uma declaração conjunta expressando choque com a morte e exigindo uma explicação completa, dizendo: "Nada pode justificar este assassinato e nós o condenamos nos mais fortes termos possíveis".

A chanceler alemã, Angela Merkel, disse que não permitirá que as exportações de armas para a Arábia Saudita continuem "dadas as atuais circunstâncias", e o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, ameaçou cancelar um contrato de defesa multibilionário com o reino.

Mas vários dos aliados regionais da Arábia Saudita saíram em seu apoio.

O Kuwait elogiou o rei Salman pela forma de lidar com o caso. O Egito, o Bahrein e os Emirados Árabes Unidos fizeram coro.

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, disse que revelaria a "verdade nua e crua" do assunto no parlamento na terça-feira.

Em que estágio está a investigação?

Embora a Turquia até agora não tenha culpado oficialmente a Arábia Saudita pelo assassinato, investigadores disseram ter provas em áudio e vídeo mostrando que Khashoggi foi morto por uma equipe de agentes sauditas dentro do consulado.

A polícia faz buscas na Floresta de Belgrado, nos arredores de Istambul, para onde acredita que o corpo pode ter sido levado.

Um dos agentes envolvidos disse estar confiante de que seu destino seria conhecido "em breve".

Polícia faz buscas pelo corpo do jornalista na floresta de Belgrado, nos arredores de Istambul
Polícia faz buscas pelo corpo do jornalista na floresta de Belgrado, nos arredores de Istambul
Foto: AFP / BBC News Brasil

Tanto o consulado quanto a residência do cônsul saudita foram alvos de buscas.

A agência de notícias Reuters informou no domingo que conversou com um oficial saudita segundo o qual Khashoggi morreu em um estrangulamento após resistir a tentativas que fizeram de mandá-lo de volta à Arábia Saudita.

Seu corpo foi então enrolado em um tapete e entregue a um "co-operador" local para se livrar dele.

Um dos agentes sauditas teria então supostamente vestido as roupas de Khashoggi e deixado o consulado.

O funcionário disse que as declarações sauditas mudaram por causa de "informações falsas reportadas internamente na época".

O que se sabe até agora

Esta é a linha do tempo dos eventos que se desenrolaram desde 2 de outubro, quando o jornalista desapareceu.

03h28: Um jato particular transportando supostos agentes sauditas chega ao aeroporto de Istambul. Um segundo jato também aterrissa posteriormente.

05h05: O grupo é visto em dois hotéis próximos ao prédio do consulado saudita.

12h13: Vários veículos diplomáticos são filmados chegando ao consulado, supostamente carregando alguns dos agentes.

13h14: Khashoggi entra no prédio, onde pretendia pegar uma documentação necessária ao casamento.

15h08: Veículos deixam o consulado e são filmados chegando à residência do cônsul saudita, nas proximidades.

17h33: A noiva de Khashoggi, Hatice Cengiz, é vista no circuito interno de TV esperando do lado de fora do consulado.

21h00: Os dois jatos que haviam pousado mais cedo em Istambul deixam o aeroporto por volta das 21h.

3 de outubro - O governo turco anuncia que Khashoggi está desaparecido e diz acreditar que ele esteja no consulado.

4 de outubro - A Arábia Saudita diz que ele deixou a embaixada.

7 de outubro - Autoridades turcas dizem à BBC que acreditam que Khashoggi foi morto no consulado. A versão é veementemente negada pela Arábia Saudita.

13 de outubro - Autoridades turcas dizem à BBC Árabe que têm provas em áudio e vídeo do assassinato. A existência de tais fitas já havia sido relatada pela mídia local.

15 e 17-18 de outubro - Equipes de perícia realizam buscas no consulado.

19 de outubro - TV estatal saudita informa que, segundo uma investigação inicial, Jamal Khashoggi morreu no consulado. Dois altos funcionários sauditas são demitidos e o rei Salman anuncia a formação de um comitê ministerial para reestruturar os serviços de inteligência.

20 de outubro - Autoridades turcas prometem revelar todas as provas relacionadas ao assassinato.

21 de outubro - O ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita diz à Fox News que foi uma "operação não autorizada" e nega que o príncipe herdeiro tenha ordenado o "assassinato".

BBC News Brasil BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
Compartilhar
Publicidade
Publicidade