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América Latina

Onda conservadora na América do Sul passa por 'teste' em eleições no Equador

2 abr 2017 - 10h03
(atualizado às 12h53)
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Eleitores equatorianos vão às urnas neste domingo, no segundo turno das eleições presidenciais, para decidir entre o candidato apoiado pelo governo, Lenín Moreno, da Alianza País, e o opositor e empresário Guillermo Lasso, do Movimento CREO, cujo mote de campanha é a palavra 'cambio' (mudança).

Eleitores vão às urnas neste domingo no Equador
Eleitores vão às urnas neste domingo no Equador
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Os dois candidatos têm trajetórias, perfis e propostas diferentes, mas neste pleito pode estar em jogo algo além da linha política que surgirá no Equador, após dez anos de governo de Rafael Correa.

A eleição é também um teste para a onda conservadora dos últimos tempos na América do Sul, segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil.

Para os especialistas, o resultado da eleição entre Moreno e Lasso poderá reforçar ou não o viés político que representam Mauricio Macri, na Argentina, Horacio Cartes, no Paraguai, Pedro Pablo Kuczynski, conhecido como PPK, no Peru, e mesmo Michel Temer, no Brasil.

Para Simón Pachano, professor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), em Quito, no Equador, se Lasso (oposição) vencer seguirá as políticas de Macri e de Cartes, buscando a maior presença da iniciativa privada no país, por exemplo.

Por outro lado, se a vitória for de Moreno, a expectativa é de que ele manterá a maior presença do Estado na economia.

"Os dois têm propostas muito diferentes. Se Lasso ganhar, o Equador abandonará os países do chamado Socialismo do Século XXI, aderirá à Aliança do Pacífico e deixará a Alba. Se Moreno ganhar, manterá o país na Alba e, como Correa, apoiará o presidente Nicolás Maduro", diz Pachano à BBC Brasil.

Polarização

O conceito político "Socialismo do Século 21", propagado pelo ex-presidente Hugo Chávez, que morreu em 2013, é associado a Venezuela, Equador e Bolívia.

Já a Alba, a 'Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América', defende a integração regional com foco no combate à pobreza, diferente, portanto, da Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Chile, Peru), que é voltada para o comércio.

Lenín Moreno é o candidato do presidente Rafael Correa
Lenín Moreno é o candidato do presidente Rafael Correa
Foto: José Jácome / EFE

A polarização entre Moreno e Lasso confirma o teste para a onda conservadora no momento em que os governos definidos como progressistas encaram problemas como a corrupção, diz à BBC Brasil Gerardo Caetano, professor de Ciências Políticas da Universidade da República, em Montevidéu, no Uruguai.

"A eleição (deste domingo) no Equador é um teste muito importante para a onda conservadora na região. Apesar dos conflitos que o governo Correa teve com os movimentos sociais e de seu perfil mais totalitário, ele é parte de um ciclo progressista da América do Sul", diz Caetano.

Para ele, a "disputa de poderes" na Venezuela e a "situação política dramática no Brasil", na qual a presidente (Dilma Rousseff) não concluiu seu mandato, também tem influência no cenário regional.

"Tudo que ocorre no maior país da região, que é o Brasil, nos afeta. E os escândalos de corrupção que envolveram a esquerda acabam transbordando também para a política na nossa região", afirma o professor uruguaio, citando a Lava Jato e seus tentáculos para outros países.

Caetano concorda com Pachano ao apontar as diferenças entre os dois candidatos que disputam a Presidência.

Moreno, que foi vice-presidente de Correa até janeiro passado, representará a continuidade das políticas atuais.

Já Lasso, que foi presidente de um banco (Banco Guayaquil, do qual continua sendo um dos principais acionistas), defende a abertura da economia.

Desgaste político

Outros analistas ouvidos pela BBC enfatizam o desgaste causado pelo longo período dos governos associados ao progressismo e à mudança atual no quadro econômico, com a queda nos preços das commodities.

No caso do Equador, a influência da queda do petróleo nas finanças públicas reduz as margens de ação do próximo presidente, seja Moreno ou Lasso, diz Aquino.

Ao mesmo tempo, o fato de a eleição equatoriana ser definida no segundo turno confirma a "polarização" regional, pondera Caetano.

"Não é algo simples. Mas na Argentina, por exemplo, não acredito que Macri tenha saído vitorioso (com resultado apertado no segundo turno em 2015). O que ocorreu, principalmente, foi que o Kirchnerismo perdeu e certamente foi pelo cansaço do eleitorado", argumenta Caetano.

O candidato à Presidência Guillermo Lasso e sua família durante campanha
O candidato à Presidência Guillermo Lasso e sua família durante campanha
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Na sua visão, há também outro fator contribuindo para que o conservadorismo esteja no segundo turno no Equador.

"Quando os governos de esquerda ou centro-esquerda, cada um com seu estilo, assumiram nos vários países da região [no início dos anos 2000], as sociedades estavam cansadas e vínhamos de várias crises. Esses governos resgataram e melhoraram a vida de muitas pessoas, mas faltava um projeto de longo prazo e além disso quanto mais melhoram de vida, mais as pessoas ficam exigentes", opina Caetano.

Falando de Cochabamba, na Bolívia, o cientista político Roberto Lasema, do Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social (CERES), diz acreditar que os governos da América do Sul não podem ser definidos como "conservadores" ou "progressistas e de esquerda".

"Acho que cada presidente tem seu estilo próprio e cada país seu contexto. É verdade que os governos populistas foram favorecidos pela alta no preço das commodities, mas não pensaram em políticas de longo prazo. Os governos tidos conservadores são, na verdade, mais pragmáticos e o eleitor quer que o pragmatismo gere oportunidades de emprego e melhorias econômicas em suas vidas", afirma.

'Casa arrumada'

De Lima, no Peru, Carlos Aquino, professor de política econômica da Universidade Mayor de San Marco, afirma que Correa e o boliviano Evo Morales foram "mais responsáveis" do que outros líderes regionais em termos econômicos, diferenciando-se da era Kirchnerista (2003-2015) da Argentina e da Venezuela, com Chávez e Maduro, a partir de 1999.

Para ele, os dois primeiros "deixaram a casa mais arrumada" do que outros líderes.

"Mas o grande problema no Equador, seja quem for o eleito, é a dependência do petróleo, e ao mesmo tempo a incapacidade que Correa teve de diversificar a economia", diz Aquino.

Na sua visão, pela administração feita por Correa, "bem diferente da que faz Maduro", o candidato governista teria chances de ser eleito.

Para Pachano, o resultado das urnas neste domingo é imprevisível. Assim como é incerto, segundo o professor, o governo que será feito após a saída de Correa, classificado por ele como "personalista".

"O quadro será outro e Correa tem um estilo próprio", afirma.

Os analistas observam que, mesmo sendo o herdeiro político do atual presidente, Moreno é mais aberto ao diálogo com setores diferentes, o que não ocorreu no "correismo".

Para borrar ainda mais definições de direita e esquerda na campanha do segundo turno, Lasso, o candidato conservador, contou com apoio de partidos de esquerda e mostrou simpatia a medidas como a aprovação do casamento gay, buscando atrair apoio de setores do eleitorado que não são conservadores, segundo Pachano.

América do Sul

Neste ano, a América do Sul vai realizar duas outras eleições que também servirão de teste para a onda conservadora.

A Argentina fará eleições legislativas em outubro para renovar parte do Congresso Nacional. Atualmente, Macri não tem maioria no Parlamento, mas conseguiu aprovar vários projetos.

Mas, caso sua força política - 'Cambiemos' ("Mudemos", em tradução livre) - perca, analistas dizem que ficaria mais difícil para ele aprovar novas medidas.

Já no Chile, com a presidente Michelle Bachelet, socialista, governando com baixos índices de popularidade, haverá eleição presidencial em novembro. Até agora, o ex-presidente e conservador Sebastián Piñera aparece entre os possíveis vencedores para sucedê-la.

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