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Mundo

A vlogger chinesa que denunciou abusos em rede social e acendeu debate sobre violência doméstica no país

He Yuhong era famosa por transformações no rosto dela — e agora provocou um debate nacional.

29 nov 2019 - 19h29
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He Yuhong tem centenas de milhares de seguidores nas redes sociais por seus vídeos de transformação com maquiagem
He Yuhong tem centenas de milhares de seguidores nas redes sociais por seus vídeos de transformação com maquiagem
Foto: Sina Weibo / BBC News Brasil

Os relatos de uma vlogger chinesa sobre violência doméstica reacenderam os debates sobre se as vítimas desse tipo de crime estão recebendo o apoio de que precisam.

He Yuhong, conhecida na internet como "Yuyamika", ganhou fama por usar maquiagem para se "transformar" em celebridades, como John Lennon e Taylor Swift.

Na segunda-feira (25/11), ela divulgou um vídeo em sua conta na rede social Sina Weibo no Dia Internacional das Nações Unidas pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres.

No vídeo, ela alegou que seu ex-parceiro, um ilustrador de 44 anos, abusou dela repetidas vezes durante o relacionamento de um ano.

O ex-namorado, identificado apenas como Chen, não respondeu publicamente às acusações.

A polícia, responsável por investigar as acusações na cidade de Chongqing, no sudoeste do país, diz que Chen está detido há 20 dias.

A força policial local disse em sua conta na rede social que "foi descoberto que Chen havia cometido atos ilegais que ameaçavam a segurança pessoal alheia por meio do WeChat" — aplicativo de mensagens muito popular na China.

He compartilhou imagens de rede de vigilância e disse que seu parceiro a forçou a sair do elevador, puxando-a pelos tornozelos
He compartilhou imagens de rede de vigilância e disse que seu parceiro a forçou a sair do elevador, puxando-a pelos tornozelos
Foto: Sina Weibo / BBC News Brasil

'Vivendo um pesadelo'

He conquistou muitos seguidores, na China e no exterior, pelos vídeos tutoriais de maquiagem. Ela tem mais de 750 mil seguidores apenas no Instagram.

A postagem na segunda-feira foi uma mensagem de tristeza: "Nos últimos seis meses, parece que estou vivendo um pesadelo".

Ela compartilhou imagens da câmera de vigilância de um elevador, datada de agosto, em que aparecem duas pessoas que ela disse serem Chen e ela.

As imagens mostravam uma mulher sendo violentamente arrastada pelos tornozelos.

"Ele continuou chutando meu corpo, e eu estava com tanto medo que só consegui me deitar no chão e esperar até que ele terminasse de descontar tudo em mim", disse He.

He Yuhong relatou em rede social os detalhes sobre os abusos físicos que sofreu
He Yuhong relatou em rede social os detalhes sobre os abusos físicos que sofreu
Foto: Sina Weibo / BBC News Brasil

Ela também compartilhou entrevistas em vídeo com duas mulheres que alegavam ser ex-esposas dele, falando de suas próprias experiências de violência doméstica. O vídeo também contou com depoimentos de pessoas que alegaram ter visto Chen bater em He.

Em seu post na rede social, He usou a hashtag #NoLongerSilentFacedWithDV (que defende a denúncia de casos de violência doméstica), que desde então se tornou viral.

Mais de 720 mil usuários postaram mensagens usando a hashtag, muitos falando de suas próprias experiências com a violência doméstica.

Uma quantidade impressionante de comentários é de usuários que dizem ter vivido situações de violência doméstica na própria pele ou testemunharam isso na relação de seus pais.

"Estou pensando na época em que minha mãe foi espancada pelo meu pai. Eu tinha medo quando era jovem, só conseguia chorar", disse um usuário da rede social.

Dezenas de milhões de vítimas

A Federação das Mulheres da China tem sido particularmente firme ao destacar situações de abuso. Nesta semana, divulgou que até 30% das mulheres casadas da China sofreram alguma forma de violência doméstica.

O jornal estatal China Daily diz que o número é de pelo menos 90 milhões de mulheres, e o People's Daily diz que crianças, assim como parceiros, são vítimas em até 63 milhões de famílias.

Um relatório da ONU Mulheres de 2017 constatou que, entre março de 2016 e outubro de 2017, pelo menos 635 adultos e crianças morreram vitimados pela violência doméstica na China.

"A violência dentro das famílias é tradicionalmente vista como uma questão privada na China", escreveu a ativista feminista Lu Pin em março de 2018. "Uma área em que pessoas de fora não teriam o direito de interferir."

Consequentemente, levou anos para a China criar uma legislação criminalizando a violência doméstica. A primeira lei de violência doméstica do país foi promulgada apenas em 2016.

Antes de 2001, a violência física nem mesmo era motivo de divórcio. E, antes da legislação, as mulheres temiam falar sobre suas experiências.

Em abril de 2015, a China deteve por um mês um grupo de feministas que usavam vestidos de noiva manchados com tinta vermelha para aumentar a conscientização sobre o abuso sexual e a violência doméstica.

Mas, mesmo agora, os casos de violência doméstica ainda são difíceis de provar nos tribunais chineses.

A legislação existente também falha ao não levar em conta casais que não são formalmente casados ou que são do mesmo gênero.

E o site de notícias Sixth Tone diz que "reclamações bem-sucedidas exigem evidências substanciais documentadas" e que "as próprias proteções são limitadas e as punições por violações são relativamente leves".

De fato, tornou-se comum que as mulheres compartilhem na internet as agressões que sofrem, usando a força da indignação pública para forçar as autoridades a agirem.

E no Brasil?

No Brasil, o 190 é número de telefone da Polícia Militar que deve ser acionado em casos gerais de necessidade imediata ou socorro rápido. A ligação é gratuita. Outros números são o 192, do serviço de atendimento médico de emergência, e o 193, do Corpo de Bombeiros.

Por meio do Ligue 180, é possível entrar em contato com a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, que é um serviço gratuito e confidencial. Ele funciona para "receber denúncias de violência, reclamações sobre os serviços da rede de atendimento à mulher e para orientar as mulheres sobre seus direitos e sobre a legislação vigente, encaminhando-as para outros serviços quando necessário."

Pelo Disque 100, que também é uma ligação gratuita e funciona 24 horas, é possível fazer denúncias de violações de direitos humanos — entre elas, as que têm crianças e adolescentes como vítimas. Segundo o governo, o serviço "pode ser considerado como 'pronto-socorro' dos direitos humanos pois atende também a graves situações de violações que acabaram de ocorrer ou que ainda estão em curso, acionando os órgãos competentes, possibilitando o flagrante".

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