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América Latina

A polêmica decisão da Justiça que pode permitir a Evo Morales ficar indefinidamente no poder na Bolívia

Decisão da corte constitucional boliviana acata pedido de correligionários de Morales e acaba com limites para mandatos consecutivos no país; sentença diz que tratado de direitos humanos tem preferência sobre Constituição do país por contemplar normas "mais favoráveis" aos direitos políticos.

29 nov 2017 - 10h44
(atualizado às 11h49)
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Decisão da corte constitucional boliviana acatou argumentos de correligionários do presidente Evo Morales
Decisão da corte constitucional boliviana acatou argumentos de correligionários do presidente Evo Morales
Foto: Reuters / BBC News Brasil

A Justiça da Bolívia decidiu acabar com o número mínimo de mandatos consecutivos no país. A decisão favorece, diretamente, o presidente Evo Morales, que agora está autorizado a disputar a quarta eleição em sequência em 2019 e, a princípio, quantos outros pleitos mais ele quiser.

Tomada de forma unânime pelo Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP) da Bolívia na terça-feira, a decisão levantou polêmica não apenas por ir de encontro à Constituição local, mas também por ter contrariado o resultado de um plebiscito realizado em janeiro de 2016, no qual eleitores rejeitaram a possibilidade de reeleição indefinida.

Na ocasião, 51% dos que participaram da consulta popular rejeitaram alterar a Constituição boliviana, que estabelece limite de dois mandatos consecutivos para presidente, vice-presidente, governador e prefeito.

A decisão do TCP diz que tratados de direitos humanos que ampliam os direitos políticos devem ter preferência sobre a Constituição boliviana. A corte acatou os argumentos de membros da bancada no Congresso boliviano do Movimento ao Socialismo (MAS), o partido governista. Os congressistas entraram com uma ação de inconstitucionalidade alegando que os limites legais para reeleição e número máximo de mandatos violam o sufrágio universal.

Na ação, questionaram artigos da Constituição e também da legislação eleitoral boliviana. Alegaram que as barreiras impostas pela legislação boliviana prejudicam os 'direitos políticos' das pessoas ao limitar a quantidade de vezes que alguém pode almejar um cargo público.

Corte boliviana contrariou resultado de consulta popular realizada no ano passado, que rejeitou acabar com limites para mandatos consecutivos
Corte boliviana contrariou resultado de consulta popular realizada no ano passado, que rejeitou acabar com limites para mandatos consecutivos
Foto: EPA / BBC News Brasil

Constituição x Convenção de Direitos Humanos

Para sustentar esse argumento, senadores e deputados correligionários de Morales recorreram à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada na Costa Rica em 1969.

Para eles, a convenção, também conhecida como Pacto de San José, seria reconhecida dentro do quadro legal boliviano como preferencial, por ser mais favorável em relação aos direitos políticos se comparada à Constituição boliviana.

A corte acatou essa interpretação para acabar com o limite de mandatos e também declarou inconstitucionais cinco artigos da lei eleitoral boliviana relacionados aos limites para reeleição.

No texto da decisão, o TCP afirma que os direitos dos cidadãos serão reconhecidos e interpretados "de acordo com os tratados internacionais de direitos humanos quando estes contemplarem normas mais favoráveis".

Prós e contras

O presidente da corte constitucional boliviana, Macario Lahor, disse que que a decisão pro-Morales foi unânime
O presidente da corte constitucional boliviana, Macario Lahor, disse que que a decisão pro-Morales foi unânime
Foto: EPA / BBC News Brasil

Apesar de controversa, a decisão da TCP já era esperada por grupos de oposição que tentaram influenciar o julgamento organizando protestos contra a reeleição de Morales em diferentes cidades da Bolívia

Tão logo a corte anunciou a decisão de permitir mandatos ilimitados, governistas e oposicionistas passaram a debater o significado da mudança nas regras eleitorais da Bolívia.

O ex-presidente Carlos Mesa afirmou que a sentença "destrói as garantias democráticas". "Transforma a Bolívia num país submetido às arbitrariedades do presidente Morales e zomba da soberania da lei", afirmou Mesa.

Segundo o ex-presidente, a o TCP ignorou a vontade da maioria dos bolivianos que votaram a favor da manutenção de um número máximo de mandatos consecutivos.

Por sua vez, o ex-vice-presidente Víctor Hugo Cárdenas afirmou que os magistrados não tinham competência para tomar uma decisão que contraria a Constituição.

"Eles são responsáveis por proteger os artigos da Carta Magna. Portanto, inverteram suas atribuições e isso é um delito grave", assinalou Cárdenas em entrevista ao jornal boliviano El Deber.

Carlos Mesa , ex-presidente da Bolívia, diz que decisão "destrói garantias democráticas"
Carlos Mesa , ex-presidente da Bolívia, diz que decisão "destrói garantias democráticas"
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Para ele, deu-se início a uma fase em que "vale-tudo" na Bolívia. Tanto Cárdenas como Mesa têm criticado Morales.

No entanto, os governistas estão convencidos de que a decisão não apenas é legal como também representa um avanço para o país.

O embaixador boliviano na ONU (Organização das Nações Unidas), Sacha Llorenti, afirmou que o "TCP ampliou as garantias democráticas na Bolívia".

"A democracia foi ampliada porque os eleitores terão todas as opções", disse Llorenti, que foi ministro de Morales entre 2010 e 2011.

Por que Morales pode ser eleito três vezes

Morales ainda não anunciou se vai disputar o quarto mandato, mas decisão da corte constitucional abre caminho para ele disputar as eleições indefinidamente
Morales ainda não anunciou se vai disputar o quarto mandato, mas decisão da corte constitucional abre caminho para ele disputar as eleições indefinidamente
Foto: AFP / BBC News Brasil

Essa não é a primeira vez que o presidente boliviano é beneficiado por uma mudança na legislação boliviana.

Morales, o primeiro índio a presidir o país, assumiu o comando da Bolívia pela primeira vez em 2006. No ano seguinte, convocou uma Constituinte para elaborar uma nova Constituição que definiu ser possível apenas uma reeleição consecutiva.

A justiça, contudo, interpretou que a regra de dois mandatos consecutivos valeria apenas para eleitos depois que a nova constituição entrou em vigor.

Desse modo, Morales foi eleito em 2009 e pode disputar a reeleição em 2014, totalizando assim três mandatos consecutivos.

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