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'Implosão de Bolsonaro', 'alforria de Joice' e Eduardo sem liderança: a novela que rachou o PSL

Presidente da República diz que não deseja 'tomar o controle do PSL', enquanto chefe do partido afirma que relação com Jair Bolsonaro 'não tem volta'

17 out 2019 - 22h41
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Convenção do PSL que oficializou candidatura de Jair Bolsonaro em 2018; crise do presidente com seu partido se intensificou nesta semana
Convenção do PSL que oficializou candidatura de Jair Bolsonaro em 2018; crise do presidente com seu partido se intensificou nesta semana
Foto: FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL / BBC News Brasil

A crise aberta entre o presidente da República, Jair Bolsonaro, e o partido pelo qual ele se elegeu em 2018, o PSL, se acirrou ao longo desta semana.

Até o fechamento desta reportagem, a celeuma tinha resultado na destituição de Joice Hasselmann (SP) como líder da sigla no Congresso; em uma tentativa mal-sucedida de Bolsonaro de emplacar do filho Eduardo (PSL-SP) como líder na Câmara; e em uma bancada pesselista rachada ao meio.

Políticos de vários matizes — inclusive do PSL — admitem que está difícil de entender como vai terminar a "novela" envolvendo o presidente da República, seus filhos e a sigla criada e comandada desde 1998 pelo deputado federal Luciano Bivar (PSL-PE).

"Os jornalistas pedem para eu explicar o que está acontecendo no partido a que estou filiada e só o que eu posso dizer é que não tenho a menor ideia do que se passa", escreveu a deputada estadual de São Paulo Janaina Paschoal (PSL) no Twitter, na tarde desta quinta-feira (17).

A confusão no PSL passa pela disputa pelo controle do Diretório Nacional da legenda — o mandato de Bivar no comando da sigla se encerra em novembro — e também pelo destino da soma milionária que o partido passou a receber neste ano dos fundos Partidário e Eleitoral.

A 'guerra de listas'

Luciano Bivar, presidente do PSL, foi alvo de operação da PF e vive embate com Bolsonaro
Luciano Bivar, presidente do PSL, foi alvo de operação da PF e vive embate com Bolsonaro
Foto: Agência Senado / BBC News Brasil

O clima no PSL parecia ter arrefecido no fim semana, mas voltou a ficar tenso já na manhã de terça-feira (15), quando a Polícia Federal foi às ruas numa operação contra Bivar.

Autorizada pelo plenário do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), no dia anterior, a PF esteve em nove endereços ligados a Bivar. Até mesmo celulares dele foram apreendidos — a operação investiga a existência de supostas candidatas "laranjas", isto é, de fachada, no PSL pernambucano em 2018.

Mesmo sem qualquer evidência concreta, deputados do

ligados ao pernambucano passaram a levantar suspeitas sobre o momento escolhido para a operação — justamente quando Bivar está envolvido em uma disputa com o Planalto.

Na noite da mesma terça-feira, Waldir orientou os deputados do PSL a obstruir a votação de uma Medida Provisória que interessava ao governo. A obstrução é um instrumento usado pelos partidos para permitir que seus deputados não contem para o atingimento do quórum das sessões, mesmo que eles estejam dentro do plenário.

A justificativa de Waldir para o fato era evitar que os congressistas ausentes do PSL tomassem falta, mas o Planalto sentiu-se atingido: na quarta (16), pesselistas leais a Jair Bolsonaro reuniram assinaturas de deputados para destituir Waldir do posto de líder. A expectativa era de que o filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), se tornasse o novo líder da sigla na Casa.

Mas o grupo bivarista reagiu e apresentou outra lista com assinaturas suficientes para manter o líder no posto. Nesta quinta-feira (17), a Mesa Diretora da Câmara validou a lista do grupo contrário ao bolsonarismo e Waldir se manteve como líder do partido na Casa.

'Bolsonaro não está algemado no PSL, não. Aqui não tem ninguém amarrado', diz Delegado Waldir
'Bolsonaro não está algemado no PSL, não. Aqui não tem ninguém amarrado', diz Delegado Waldir
Foto: Fabio Pozzebom / Agência Brasil / BBC News Brasil

Eduardo Bolsonaro apresentou duas listas: a primeira, entregue às 21h50 de quarta, tinha 26 assinaturas válidas. A segunda, às 22h27, tinha 24 apoios. Já a lista de Delegado Waldir, entregue às 22h18, tinha 29 assinaturas válidas — garantindo a ele o direito de continuar como líder da legenda na Câmara.

Derrotado na disputa pela liderança do partido, Eduardo Bolsonaro pode ter sido prejudicado em outra frente: o presidente da República teria desistido de enviar ao Senado a indicação dele para atuar como embaixador em Washington (EUA), pelo menos por enquanto, segundo a revista Época. Pouco depois, o porta-voz de Bolsonaro, Otávio Rêgo Barros, disse que a indicação está mantida e será encaminhada ao Senado "oportunamente".

O deputado federal se reuniu com o presidente da República no Palácio do Planalto na manhã desta quinta-feira.

Na tarde desta quinta, políticos próximos a Bivar disseram ainda que Eduardo e seu irmão, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), seriam removidos do comando do PSL em São Paulo e no Rio, respectivamente.

A "guerra de listas" também acabou respingando em outro nome em posição estratégica no PSL.

Joice Hasselmann (PSL-SP) acabou removida por Bolsonaro do posto de líder do governo no Congresso. O congressista que ocupa este cargo é o responsável por comandar a articulação do governo em sessões conjuntas de deputados e senadores — como votações de vetos e a apreciação do Orçamento. Joice foi sacada do posto depois de assinar a lista para manter Delegado Waldir no cargo. Nos últimos dias, Joice também tem dito que pode deixar o PSL para disputar a prefeitura de São Paulo no ano que vem.

No Twitter, a deputada comparou sua remoção do cargo a uma "alforria" — a palavra se refere ao documento que os escravos recebiam quando conquistavam a liberdade, no Brasil.

"Não nasci líder, não preciso disso. Trabalhei 20h por dia para salvar o governo de crises, aprovar pautas importantes para o país, apagar incêndios durante todos esses meses. Agora ganho minha alforria e mais tempo para cuidar do meu mandato e da minha candidatura à prefeitura", escreveu ela.

Eduardo Bolsonaro apresentou duas listas referentes à liderança do PSL na Câmara
Eduardo Bolsonaro apresentou duas listas referentes à liderança do PSL na Câmara
Foto: Reprodução/Câmara dos Deputados / BBC News Brasil
Os 'bivaristas' também apresentaram sua lista (a imagem não traz a íntegra do documento, faltando os seguintes nomes: Nelson Barbudo; Nereu Crispim; Nicoletti; Professor Joziel; e Professora Dayane Pimentel)
Os 'bivaristas' também apresentaram sua lista (a imagem não traz a íntegra do documento, faltando os seguintes nomes: Nelson Barbudo; Nereu Crispim; Nicoletti; Professor Joziel; e Professora Dayane Pimentel)
Foto: Reprodução/Câmara dos Deputados / BBC News Brasil

'Eu vou implodir o presidente'

A guerra de listas no PSL da Câmara veio acompanhada de uma verdadeira "batalha de áudios" entre os dois lados do partido.

Na manhã desta quinta-feira (17), as revistas Época e Crusoé divulgaram uma gravação de áudio atribuída ao presidente Jair Bolsonaro. No trecho, o presidente pediria a um interlocutor não identificado que assinasse uma lista para remover Waldir da liderança.

"Olha só, nós estamos com 26, falta só uma assinatura pra gente tirar o líder, tá certo, e botar o outro. A gente acerta, e entrando o outro agora, em dezembro tem eleições pro futuro líder a partir do ano que vem", teria dito o presidente.

O líder, segundo Bolsonaro, tem o poder de "indicar pessoas, de arranjar cargo no partido, é promessa pra fundo eleitoral pro caso das eleições… é isso que os caras têm", diz. "Mas você sabe que o humor desses cara muda de uma hora para a outra", continua. Na ligação, Bolsonaro diz ainda que não é favorável ao uso das listas para remover líderes - mas, naquele momento, não teria lhe sobrado "outra alternativa" para resolver a questão.

Pouco depois, o site jornalístico R7, ligado à TV Record, divulgou a gravação de uma reunião da ala "bivarista" do PSL. Num trecho, Delegado Waldir diz que vai "implodir" Bolsonaro com uma gravação.

"Eu vou implodir o presidente. Aí eu mostro a gravação dele. Não tem conversa. Eu implodo ele. Eu sou o cara mais fiel. Acabou, cara. Eu sou o cara mais fiel a esse vagabundo. Eu andei no sol em 246 cidades para defender o nome desse vagabundo", diz ele. A hashtag #EuVouImplodirOPresidente ficou no topo dos assuntos brasileiros no Twitter.

Na manhã de quarta-feira, Bolsonaro disse que não guarda "mágoa" de Luciano Bivar. Afirmou ainda que não quer "tomar" o PSL de quem quer que seja, mas insisitiu em cobrar "transparência" nas contas do partido. Desde aquele momento, o presidente tem dito em suas aparições públicas que não irá comentar a crise com o PSL — em sua tradicional aparição ao vivo no Facebook, no começo da noite desta quinta-feira (17), Bolsonaro não tocou no tema. Estava ao seu lado o empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan. No fim da transmissão, o presidente disse que o lojista ajuda o país "mais que muito político".

"Eu não tenho falado nada do PSL. Zero (...). O partido tá com a oportunidade de se unir na transparência. Não tem um lado A nem um lado B. 'Ah, o presidente falou em transparência'. Falei sim em transparência. Vamos mostrar as contas", disse. No fim da semana passada, a advogada eleitoral de Bolsonaro, Karina Kufa, pediu acesso às informações financeiras da legenda.

Com Bivar, o papo é outro. Nos últimos dias, o presidente do PSL tem dito a seus aliados que a relação com Bolsonaro está danificada e "não tem volta". Ele também reclama de sentir-se "traído" pelo presidente da República. A situação teria se tornado "insustentável", segundo teriam dito aliados dele à Globo News.

Quem são os 'bivaristas' e os 'bolsonaristas' na crise

Bolsonaro e Bivar travam disputa pelo comando do PSL
Bolsonaro e Bivar travam disputa pelo comando do PSL
Foto: Governo de Transição/Agência Camara / BBC News Brasil

A "guerra de listas" da noite de quarta (16) deixou a bancada do partido dividida praticamente ao meio - 29 deputados assinaram a lista "bivarista", para manter Delegado Waldir no comando do partido na Câmara; enquanto 24 assinaram a segunda versão da lista de Eduardo Bolsonaro.

Além de Delegado Waldir, integra também este grupo o líder no Senado, Major Olímpio (SP).

O grupo também conta com nomes que eram muito próximos de Bolsonaro até recentemente. É o caso do deputado Julian Lemos (PSL-PB), que foi o coordenador da campanha de Bolsonaro no Nordeste durante a eleição de 2018. Na noite desta quarta, Lemos fez um forte discurso em defesa de Bivar no Plenário da Câmara.

A ala "bivarista" conta ainda com Fernando Francischini (PR), que é o atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara — posição estratégica dentro do processo legislativo.

Muitos destes congressistas foram apontados por Bivar para presidir o PSL em seus respectivos Estados: Waldir preside o PSL em Goiás, por exemplo, enquanto o pai de Fernando Francischini, o ex-deputado Delegado Francischini, comanda o diretório do Paraná. Nelson Barbudo (MT), outro bivarista, é o chefe do PSL em Mato Grosso.

Segundo a deputada Alê Silva (PSL-MG), que está rompida com o PSL e com Luciano Bivar, os deputados "bivaristas" estão interessados em manter o comando atual da legenda para permanecer à frente da sigla nos Estados - controlando os recursos e as candidaturas nas eleições municipais do ano que vem.

Do outro lado estão os "bolsonaristas" do PSL — deputados que cogitam sair da legenda caso o presidente da República o faça, e que tentaram emplacar Eduardo como líder da legenda.

Além dos filhos do presidente com mandato no Congresso — Eduardo Bolsonaro na Câmara e Flávio Bolsonaro (PSL-SP) no Senado — integram esta ala pelo menos mais 24 deputados federais. O grupo assinou uma carta elaborada pelos advogados eleitorais do presidente, Kufa e Admar Gonzaga, pedindo a abertura das contas do partido.

O grupo inclui os pesselistas Hélio Lopes (RJ), apelidado por Bolsonaro de "Hélio Negão"; Carla Zambelli (SP); Ubiratan Sanderson (RS); Márcio Labre (RJ); Bia Kicis (DF); Luiz Philippe de Orléans e Bragança; e também o líder do governo na Câmara, o deputado Major Vitor Hugo (GO).

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