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Falas de Bolsonaro acirram polarização e miram eleições de 2020, dizem analistas

Cientistas políticos ouvidos pelo 'Estado' comentaram entrevista do jornal com o presidente em que ele diz que mantém o mesmo estilo da campanha em seu governo

6 ago 2019 - 11h52
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Analistas ouvidos na manhã desta terça-feira, 6, avaliam que as declarações do presidente Jair Bolsonaro, que disse em entrevista ao Estado que os governadores do Nordeste querem "dividir o País" e que seu estilo é o "mesmo da campanha", não favorecem a união nacional, acirram a polarização e sinalizam que o comportamento deve se manter ao longo do mandato.

"Não há diferença do que eu pensava na campanha e do que eu penso agora (...) Agora, palavrão sai de vez em quando, isso é natural, pô. Agora, alguns falam que isso não é linguajar para um presidente. Paciência. Já sabiam que eu era assim. A gente procura se polir um pouco mais, mas acontece", disse ele.

Para os analistas, no entanto, o discurso do presidente pode servir a fins eleitorais nas disputas municipais do próximo ano, especialmente na região Nordeste, e até mesmo uma reeleição em 2022 - o presidente já admitiu mais uma vez que tentará renovar seu mandato por mais quatro anos.

Abaixo, as opiniões dos especialistas ouvidos.

Rodrigo Prando, doutor em sociologia e professor do Mackenzie

Jair Bolsonaro não está fazendo ou verbalizando nada de diferente do que ele foi durante a campanha ou como deputado (por sete mandatos). O Bolsonaro surfa na onda divisão que não foi ele quem criou. O Lula dividia o Brasil entre 'nós e eles', o 'Sudeste branco de olhos azuis' contra o Nordeste.

Então, o Bolsonaro foi eleito assim e escolheu um estilo de governar que é confrontador. Ele elege inimigos ao longo do tempo. O Congresso já entendeu isso, me parece que Rodrigo Maia (presidente da Câmara) e Davi Alcolumbre (presidente do Senado) 'desistiram' de estabelecer uma interlocução e têm tocado pautas de maneira mais autônoma, pensando mais no Brasil e menos no presidente. Já entenderam que dali não vai ter muita modificação na atuação, que ele não vai se transformar num estadista.

A pergunta que fica é: esse grupo que apoia o presidente vai ser suficiente para garantir uma reeleição? Ainda é cedo. Mas as pessoas entenderam que não deve mudar, que essa será a tônica do mandato. Quem fica ressentido, preocupado, é quem não votou nele. Quem votou e concorda acha que está absolutamente correto. A questão é que enquanto ele continua puxando a corda, a água está esquentando. Como as instituições vão reagir?

Marco Aurélio Nogueira, doutor em ciência política pela USP e professor da Unesp

O papel do Bolsonaro é acirrar divisões e polarizações. Nós sabíamos que ele era assim, todo mundo sabia. Ele tem uma trajetória política no Congresso anterior à Presidência que foi marcada por atitudes de confrontação, de provocação e de divisão. Ele se mostra sempre como o defensor de uma verdade que somente ele possui e despreza todas as opiniões contrárias.

Pensando no jogo político, acredito que ele está pensando nas eleições municipais. Os partidos que são base do governo, principalmente o PSL, precisam entrar no Nordeste (em geral, de oposição). Ele tem esse atrito forte com os governadores do Nordeste porque ele tem um cálculo de que se 'quebrar' esses governadores para ter acesso ao eleitorado.

Acredito que a pretensão dele seja consolidar a base que o elegeu, esses 30% que permanecem fiéis, e ampliar isso para segmentos da população que nao foram favoráveis a ele. Conquistar essa hegemonia. Essa posição de acirrar a contradição, a polarização, é a praia dele. Se tirar isso, ele perde força. Então ele precisa ficar recriando o tempo todo. Quanto maior o inimigo dele - o PT, a esquerda, os governadores do Nordeste, as ONGs internacionais -, mais alimento ele tem para fazer a sua 'pregação'.

Marco Antônio Teixeira, doutor em ciências sociais pela PUC-SP e professor da FGV-SP

Não vejo novidades. É apenas a reiteração de falas que não se sustentam nos fatos. Alguém que diz que 'não pode ter nada para esse daí' (em referência ao governador do Maranhão, Flávio Dino, do PCdoB) não pode dizer que está aqui para unir o País. Eu diria que, quando ele fala que já sabiam que ele era assim antes de presidente, é verdade. Mas as pessoas entendem que o cargo de presidente exigiria outro tipo de comportamento.

Se tem alguém com obrigação de unir o País é quem está na cadeira do Palácio do Planalto, que tem como missão sobretudo governar para todo mundo. Não é o que acontece quando ele dá declarações desqualificando adversários, pessoas com cargos públicos ou de outras atividades governamentais.

Imaginávamos que isso deveria ter mudado porque é crucial para quem quer tocar o País. O presidente poderia aproveitar para tentar estabelecer um canal de confiança (com outros segmentos da população), mas está voltando para o eleitorado original, que vê nele a possibilidade de materialização de um projeto de sociedade. E justifica-se tudo a partir disso.

Estadão
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